Debates
12 de julho de 2024

Alexandre Padilha: campo democrático precisa isolar a extrema direita

O ministro de Relações Institucionais apresentou sua visão a respeito do estado atual das relações entre Executivo e Legislativo e sobre a agenda do governo Lula com o Congresso na segunda metade do mandato presidencial.

Nos primeiros 18 meses, o governo Lula conseguiu avançar em quatro objetivos fundamentais para seu sucesso (ver abaixo), mas, para que eles sejam consolidados e deem os resultados pretendidos a médio prazo, é preciso isolar a extrema direita no Congresso Nacional, atraindo partidos mais à direita do campo político comprometidos com a democracia em votações de propostas fundamentais para o país. 

“O Brasil tem hoje, a nível nacional, uma extrema direita como a que existia em São Paulo no auge do malufismo (dos anos 1970 aos 1990). Este grupo radical, embora não tenha um projeto realista para o país, está conectado a uma extrema direita internacional muito bem articulada. Para evitar novos riscos à democracia brasileira, as forças políticas democráticas, da centro-esquerda à centro-direita, devem se unir em torno de questões importantes, respeitando as divergências que existem e fazem parte da democracia”, disse o ministro Alexandre Padilha, responsável pela Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, em palestra do ciclo “O Brasil na visão das lideranças públicas”, parte da agenda de comemoração dos 20 anos da Fundação FHC.

Segundo Padilha, “a estratégia do presidente Lula é ampliar ainda mais a frente que o elegeu em 2022, atraindo forças políticas que estavam no governo anterior, mas rejeitaram a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2022 e têm compromisso com a democracia e o futuro do país”. 

“A recriação do Ministério das Relações Institucionais, que ocupei no segundo mandato de Lula e agora novamente, faz parte de um programa de reabilitação institucional do país colocado em prática logo no início do terceiro mandato do presidente Lula. O objetivo é a desintoxicação das relações institucionais, pois o ex-presidente Jair Bolsonaro tinha um relacionamento abusivo com o Congresso, os partidos, a sociedade e os movimentos sociais”, continuou.

Para o ministro petista, o governo busca ter uma “avaliação realista e pragmática” do que é o Congresso Nacional para construir uma “agenda compartilhada em projetos considerados fundamentais para a economia e a recuperação das políticas sociais”. “Esta agenda tem avançado, aprovamos tudo o que era necessário aprovar no primeiro ano do governo, como a PEC da Transição e o novo Arcabouço Fiscal. Em 2023, a taxa de aprovação de projetos de iniciativa do Executivo foi de quase 40%, a mais alta desde o início dos anos 2000. Em 2024, já aprovamos 18 projetos importantes, e outros 13 estão em negociação na Câmara ou no Senado”, afirmou.

Como exemplo de que a aproximação com setores mais à direita é possível, o palestrante citou parlamentares até mesmo do PL (Partido Liberal), ao qual Bolsonaro está filiado desde 2021: “Um terço do PL votou com o governo em temas importantes como a regulamentação da reforma tributária e a reforma do ensino médio, entre outros.” 

Padilha reconheceu que, neste ano, o governo sofreu duas derrotas importantes. A primeira, com maior impacto no equilíbrio fiscal, foi a prorrogação da MP (medida provisória) que desonera a folha de pagamento de 17 setores da economia. Em vigor desde o governo Dilma Rousseff, em 2012, a renúncia fiscal acabaria em 2023, mas foi prorrogada pelo Senado. A pedido do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Lula tentou, por meio de um veto, limitar a desoneração, mas o veto foi derrubado, o que deve retirar até R$ 40 bilhões de receita do governo em 2024.

Cientista política Lara Mesquita, ministro Alexandre Padilha e Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC, em debate no auditório da instituição – Foto: Vinicius Doti

A segunda foi o projeto que proibiu a “saidinha” de presos em feriados e datas comemorativas para visitar a família. Depois do Congresso aprovar a proposta, inclusive com votos de parlamentares da base governista, o presidente Lula a vetou, mas em maio último 314 deputados e 52 senadores votaram pela derrubada do veto presidencial, enquanto 126 deputados e 11 senadores votaram por sua manutenção.

Outro projeto que assustou o governo foi o Projeto de Lei 1904/24, que equipara o aborto após 22 semanas de gestação, inclusive em casos de estupro, ao crime de homicídio simples. A tramitação em regime de urgência chegou a ser aprovada na Câmara dos Deputados na primeira quinzena de junho, mas, após manifestações que reuniram milhares de pessoas em diversas cidades, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, desistiu do regime de urgência, mas o tema poderá voltar à tona no segundo semestre. 

“É importante a mobilização da sociedade em torno de algumas bandeiras como o rechaço a esse PL, o debate sobre a política de juros, como mitigar as mudanças climáticas e o programa nacional de vacinação”, defendeu Padilha.

Oposição democrática precisa se organizar para atrair eleitor mais à direita

“O governo Lula 3 é diferente dos dois primeiros mandatos de Lula porque, agora, enfrenta uma direita mais organizada e ideológica, menos comprometida com a pactuação mínima necessária para que a política funcione sem maiores sobressaltos. É uma oposição que vota contra o governo a qualquer custo e que quer impor uma pauta de costumes muito conservadora para manter seu eleitorado engajado”, disse a cientista política Lara Mesquita, professora da FGV EESP,  ao comentar a fala do ministro.

Para Mesquita, falta uma direita organizada com ambições executivas, que se disponha a debater com o Executivo e sua base parlamentar pautas fundamentais para o país: “Dos anos 1990 a meados da década passada, havia a polarização PSDB-PT, que, apesar de erros e acertos, organizava a política. Falta hoje uma oposição de direita organizada, democrática e disposta a negociar com o governo soluções sem as quais não adianta chegar ao poder em eleições futuras, pois as condições para governar serão precárias.”

Por ser minoritário no Congresso, o governo Lula precisa obter o apoio, ainda que no varejo, do chamado Centrão, como o União Brasil e o Republicanos. “São partidos que dificilmente vão votar sempre com o governo, mas em pautas fundamentais para o país, é possível chegar a um acordo. Só assim o governo Lula conseguirá ter sucesso e avançar em alguns temas importantes”, disse. 

Cientista política Lara Mesquita, ministro Alexandre Padilha e Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC, em debate no auditório da instituição – Foto: Vinicius Doti

Os quatro objetivos do governo Lula

Segundo o ministro Padilha, o terceiro mandato de Lula tem quatro grandes objetivos, que começaram a ser perseguidos desde o primeiro dia de governo:

1 – Recuperar a democracia que esteve sob ameaça nos últimos anos – “A frente ampla liderada pela chapa Lula-Alckmin em 2022, que obteve o apoio do ex-presidente FHC no segundo turno, impediu que o governo anterior desse continuidade a seu projeto de desconstrução do ambiente institucional do país. Mas, embora tenha resistido, a democracia ainda não está consolidada. Precisamos criar o ambiente político necessário para, após as eleições municipais, discutir projetos importantes como a regulamentação das redes sociais e da Inteligência Artificial”, disse Padilha.

2 – Retomar o crescimento econômico, com redução das desigualdades sociais e equilíbrio das contas públicas – “Desde a PEC da Transição, o objetivo sempre foi juntar responsabilidade social e fiscal. O presidente Lula vai respeitar o novo Arcabouço Fiscal, que é correto, ousado e vai exigir que o governo tome medidas para impedir o crescimento desproporcional das despesas. Se tiver que contingenciar recursos, isso será feito”, disse o ministro.

Padilha defendeu um debate público sobre a atuação do BC (Banco Central), cujo presidente, Roberto Campos Neto, tem sido alvo frequente de críticas de Lula por supostamente manter os juros em uma patamar acima do necessário para garantir a estabilidade do país. “A lei que garante a autonomia do BC já determina que o banco deve atuar no sentido de cumprir as metas de inflação e também fomentar o emprego no país. É necessário aprimorar os mecanismos por meio dos quais o Congresso e a sociedade fiscalizam a atuação do BC”, disse. 

O ministro disse que a substituição de Campos Neto, cujo mandato termina em janeiro de 2025, será tranquila: “Se tem uma coisa que o Lula sabe é escolher presidente do BC. Sabe escolher e sabe respeitar sua autonomia”, disse Padilha, em referência a Henrique Meirelles, que presidiu o Banco Central de 2003 a 2010, e teve papel fundamental para o bom desempenho da economia durante os dois primeiros mandatos de Lula.

Padilha citou dois programas do governo federal, ambos em fase de maturação, que têm o objetivo de contribuir para uma nova fase de desenvolvimento econômico: o Plano de Transformação Ecológica e a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Ambos já foram temas de debates realizados pela Fundação FHC, com a presença dos responsáveis, respectivamente, Rafael Dubeux e Carlos Gadelha.

3 – Recuperar as políticas sociais – Segundo Padilha, o governo está empenhado em reduzir o número de pessoas em situação de fome e tem como meta retirar o Brasil do mapa da fome da ONU novamente até 2026, objetivo que havia sido conquistado entre 2014 e 2018, em parte como resultado de programas sociais implementadas a partir da segunda metade dos anos 1990 e nos anos 2000. 

Ele defendeu um conjunto de políticas sociais focadas na educação, na saúde e na cultura: “Aprovamos o Marco Regulatório do Fomento à Cultura, uma área em que cada R$ 1 investido com recursos públicos dá um retorno de até R$ 6 para a economia local.”

4 – Reposicionar o Brasil no mundo – “O Brasil precisa abrir mais mercados para seus produtos, reforçar sua posição em importantes cadeias produtivas como na área de medicamentos e insumos para a saúde, como ficou claro durante a pandemia, e se consolidar como um dos líderes mundiais da economia verde e sustentável. São objetivos que estão bem encaminhados. Em novembro de 2025, ocorrerá a COP 30 em Belém, será um momento importante para consolidar a liderança regional e internacional do país”, disse Padilha.

O ministro demonstrou otimismo em relação aos desafios da segunda metade do governo Lula: “Daqui a dois anos e meio, Lula vai terminar o governo com o país em situação melhor do que recebeu, em janeiro de 2023.”

“Das quatro metas definidas como prioritárias pelo governo, segundo o ministro Padilha, o êxito da primeira, o fortalecimento da democracia, é condição essencial para que as demais sejam alcançadas”, afirmou Lara Mesquita. “A preocupação com o equilíbrio das contas públicas, por exemplo, só acontece na democracia. Ditadores podem fazer o que bem entender, não precisam se preocupar com críticas da sociedade e da mídia. Já governos democráticos precisam governar com responsabilidade e entregar resultados à população”, disse a cientista política.

Ministro Alexandre Padilha em debate na Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

Governo vai autorizar pesquisas para exploração de petróleo na Margem Equatorial

Embora tenha defendido que o Brasil avance na transição ecológica — ele destacou a aprovação em julho do marco regulatório do hidrogênio verde na Câmara dos Deputados e disse estar otimista quanto à tramitação do marco regulatório do mercado de carbono e da política de incentivo aos biocombustíveis, a RenovaBio —, Padilha defendeu que o país deve continuar a explorar petróleo, combustível fóssil cuja queima é um dos fatores que contribuem para o aquecimento global.

“O Brasil não pode abrir mão de transformar toda a riqueza petrolífera que existe no subsolo de suas águas territoriais em melhoria das condições de vida da população, tanto em capital humano como tecnológico. Por isso, a visão majoritária no governo é a de que as pesquisas na Margem Equatorial do Oceano Atlântico (extensa área que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte e inclui uma região do mar próxima à foz do rio Amazonas) devem ser autorizadas. Se a exploração de petróleo na região se mostrar viável, ela deve ser feita de maneira a minimizar ao máximo os impactos sobre o meio ambiente e com o compromisso de ajudar a financiar a transição ecológica e energética”, disse.

Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.

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