A liderança do Brasil na América do Sul
O debate foi promovido pela Plataforma Democrática, uma iniciativa da Fundação FHC e do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.
Do primeiro painel, sobre os aspectos econômicos da integração sul-americana, participaram Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau; Jerson Kelman, ex-diretor presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica e da Light, e o economista José Mendonça de Barros, secretário de política econômica no governo de Fernando Henrique Cardoso e hoje diretor-presidente da MB Associados.
Gerdau externou suas dúvidas sobre os rumos da integração sul-americana. Mencionando os investimentos previstos pelo Grupo Gerdau para os próximos dez anos, indagou: “com que estrutura de relacionamento comercial poderemos operar na América do Sul ao longo desse período?”. A resposta a essa pergunta certamente afetará as decisões sobre a alocação de investimentos estimados, pelo próprio expositor, em cerca de US$ 15 bilhões. Gerdau deixou claro que a manutenção de “microprotecionismos nacionais” é uma perspectiva desalentadora. A seu ver, o Brasil deveria ter maior ambição e ousadia em seus projetos de integração, por ora limitados à expansão do Mercosul. Não teria chegado o momento de seguir os passos de países sul-americanos que apostaram em modelos de ampla inserção na economia internacional, e que agora se juntam para aprofundar a integração entre si e principalmente com os Estados Unidos e a Ásia?, conjecturou o empresário, referindo-se ao Chile, Peru e Colômbia, recém-associados ao México, no chamado Arco Latino-Americano do Pacífico. Para tanto, o País precisa passar à ofensiva em sua própria agenda interna de competitividade, alertou Gerdau.
Mendonça de Barros fez análise semelhante. Na sua visão, o estímulo que o Mercosul representa para o investimento e o comércio vem decrescendo ao longo dos últimos anos. As tentativas de integração produtiva no âmbito da União Aduaneira fracassaram, mesmo no caso da indústria automobilística. O regime automotivo entre Brasil e Argentina resultou em uma indústria de alto custo e baixo conteúdo tecnológico, incapaz de fazer face à competição externa, criticou o economista. Em contraste, assiste-se a um processo de integração muito mais robusto entre os países do chamado Arco do Pacífico. O México, segundo o economista, teria recuperado a sua competitividade de “maneira extraordinária”. Trata-se de um processo de integração que se pauta por regras mais estáveis e envolve mercados que permitem “maiores volumes de transação”, entre eles o norte-americano. No setor petroquímico, por exemplo, é crescente a inversão de empresas brasileiras no México e nos Estados Unidos, onde o custo do gás é uma fração do que se cobra no Brasil. Para Mendonça de Barros, escapar ao custo Brasil é um objetivo cada vez mais importante e frequente nas decisões das empresas brasileiras de investir no exterior. O economista se mostrou cético em relação ao revigoramento do Mercosul. Principalmente agora, disse em tom irônico, com a contribuição “construtiva” da Venezuela.
Kelman, por sua vez, apontou limites e possibilidades para a integração energética na região, valendo-se de sua experiência como diretor-presidente da ANEEL, entre 2005 e 2008. De um lado, reconheceu não haver confiança suficiente entre os países sul-americanos para permitir soluções que, embora teoricamente melhores para o conjunto da região, implicam maior dependência de cada país em relação à energia produzida no vizinho. De outro, acredita que existem possibilidades de cooperação pontuais que podem ser exploradas, a despeito de alguns episódios que reduziram o nível de confiança entre os países sul-americanos nos últimos anos. Para ilustrar, relatou as negociações travadas com a Argentina, quando o país vizinho se viu diante de grave crise de energia em 2007. Naquele período, a Argentina não apenas deixou de fornecer gás ao Brasil (e ao Chile), mas também solicitou (e obteve) ajuda brasileira para suprimir sua oferta insuficiente de energia. Kelman destacou ainda negociações travadas com o Uruguai, país que poderia beneficiar-se do suprimento de maior quantidade de energia proveniente do Brasil, sem qualquer investimento adicional, se seu governo aceitasse uma operação triangular com a Argentina. Solução tecnicamente ótima, segundo ele, mas que nunca saiu do papel por falta de confiança suficiente do Uruguai nos dois países vizinhos.
O segundo painel do seminário teve como tema a política externa do Brasil para a América do Sul e a sua percepção pelos demais países da região. Dele participaram o embaixador José Botafogo Gonçalves, o ex-presidente da Bolívia Carlos Mesa Gilbert e o ex-chanceler do Chile Juan Gabriel Valdés.
O ex-presidente boliviano realçou a grande preocupação do Brasil com a estabilidade política da Bolívia. Mesa deixou implícito que vê com bons olhos a cooperação do Brasil com o governo boliviano no programa que visa limitar a produção de coca no país vizinho e fez severas críticas aos programas de erradicação do cultivo da planta patrocinados pelos Estados Unidos no passado. A seu ver, essas iniciativas contribuíram para a crise política que levou à eleição de Evo Morales em 2005.
Na mesma linha, o ex-chanceler chileno destacou a contribuição positiva do Brasil para o equilíbrio político na região. Assinalou que, no Chile, a liderança brasileira é percebida como natural e desejável. Historicamente o Brasil foi visto pelas elites chilenas como uma garantia de proteção contra uma eventual agressão da Argentina ao território chileno. E, mais recentemente, como um fator de equilíbrio frente à influência crescente de Chávez nos países andinos, afirmou o ex-chanceler chileno.
Em que pese a ênfase nos aspectos políticos, o segundo painel retomou o tema econômico que dominou o primeiro painel.
Mesa realçou a contradição entre o objetivo brasileiro de ser o líder da integração sul-americana e a sua condição de país mais protecionista do continente. Sem abrir o seu mercado, como o Brasil poderia contrabalançar os atrativos representados pela integração extra-regional, com as economias asiáticas e os Estados Unidos? Valdés, por sua vez, disse não enxergar na iniciativa do Arco do Pacífico uma alternativa excludente à integração sul-americana. Reconheceu, porém, que parte da elite chilena a vê desta maneira, por razões de afinidade ideológica, além de interesses comerciais. Botafogo, por fim, argumentou que o Brasil, pelo tamanho de sua economia e atuação de suas empresas transnacionais, está em condições de aproveitar-se da força de atração da Bacia do Pacífico para fortalecer o seu peso na América do Sul. A chave para tanto estaria no desenvolvimento de uma infraestrutura regional favorável ao deslocamento “hacia el Pacífico” e no incentivo a projetos de integração produtiva com os países sul-americanos mais profundamente integrados à economia internacional.