A evolução de Portugal na Educação: 7 lições e um agradecimento
“O sistema educativo precisa de objetivos claros. Definir metas para os alunos. Não interessa controlar como se faz. Interessa é chegar lá”, disse Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência de Portugal de 2011 a 2015.
Em 2015, Portugal teve uma grata surpresa: ficou em 13º lugar no TIMSS em matemática, estudo comparativo do desempenho de estudantes de 49 países, acima de Estados Unidos, Finlândia, Dinamarca, Alemanha, Austrália e Canadá, entre outros. Entre 2011 e 2015, foi um dos países que mais avançaram no ranking, que também avalia o desempenho em ciência. As cinco primeiras posições são ocupadas por países do Leste Asiático. O Brasil não faz parte do estudo.
“Ainda temos muito a melhorar, pois não vejo motivos para não estarmos no topo, junto com Singapura, Hong Kong, Coreia do Sul, Taiwan e Japão. Vai dar trabalho, mas é possível”, disse Nuno Crato, professor de matemática e estatística do Instituto Superior de Economia e Gestão, da Universidade de Lisboa, e, até recentemente, ministro da Educação de Portugal, em palestra na Fundação Fernando Henrique Cardoso.
Também no PISA 2015, Portugal ficou acima da média da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) em ciências e leitura e na média em matemática. Desde 2006, o país tem avançado de forma constante em diversas disciplinas e quesitos.
Em reportagem da revista britânica “The Economist” sobre os resultados do PISA publicada em dezembro de 2016, Portugal foi descrito como um país que vem melhorando passo a passo, mas de forma impressionante.
De acordo com Nuno Crato, o abandono escolar precoce era de cerca de 25% no início desta década, quando ele assumiu o Ministério da Educação e da Ciência, e, quatro anos depois, caiu para 13,7%. “Levando em consideração que Portugal passou por uma das piores crises econômicas de sua história durante esse período, foi um grande progresso”, disse o português durante o seminário “A evolução de Portugal na Educação: o que o Brasil tem a aprender?”, que teve comentários da educadora brasileira Guiomar Namo de Mello, consultora do Ministério da Educação (MEC) e membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo.
Ao falar sobre os recentes avanços do sistema de educação pública de Portugal, Crato fez questão de dizer que o mérito não é apenas de sua gestão à frente do Ministério da Educação, mas vêm sendo construídos desde a segunda metade dos anos 1990. “Em 1995, quando Portugal entrou no TIMMS (Trends in International Mathematics and Science Study), obtivemos resultados miseráveis. Alguns acharam que era melhor se retirar do estudo, mas, se não tivermos dados para nos comparar com outros países, como podemos tomar alguma atitude?”, afirmou.
Conheça abaixo as 7 principais medidas adotadas por Portugal que possibilitaram a esse pequeno país europeu melhorar sua educação pública. Algumas delas já foram adotadas no Brasil, com semelhanças e diferenças, ou estão em discussão (veja ao final comentários de Guiomar Mello).
1. Introdução de exames nacionais de avaliação
Antes de 1995, Portugal não tinha um exame organizado a nível nacional, com critérios padronizados, em nenhum nível de escolaridade, com exceção do exame de admissão nas universidades. Um órgão governamental dedicado à avaliação foi criado pelo ministro da Educação Eduardo Marçal Grilo (1995-1999) e se tornou o Instituto de Avaliação Educativa, autônomo. Já no início dos anos 2000, o ministro David Justino (2002-2004) instituiu um exame para todos os alunos do 9º ano, o último da escolaridade obrigatória na época. “Antes, cada escola avaliava seus próprios alunos de acordo com seus critérios, mas não havia uma base de comparação”, explicou Crato.
2. As provas nacionais se tornaram mais regulares
Na gestão de Nuno Crato, ao mesmo tempo que se aumentou de nove para 12 o número de anos de escolaridade obrigatória, as avaliações padronizadas se tornaram mais frequentes, com provas no final do quarto, do sexto, do nono e do 12º ano. Isso permitiu correções de rumo durante a vida escolar. “A avaliação ao final do quarto ano é especialmente importante porque é na faixa dos 10 anos que os miúdos costumam mudar de escola e de sistema. Antes, têm apenas um professor para diversas disciplinas, depois passam a ter vários professores. É essencial saber o que (as crianças) aprenderam até o final do quarto ano”, disse o ex-ministro.
3. Os resultados das avaliações se tornaram públicos
No início, os resultados das avaliações não eram plenamente divulgados e, se os pais quisessem saber como a escola do filho se saiu em comparação com outras do sistema público, era proibido. O objetivo não é avaliar o desempenho individual de cada aluno, mas o desempenho médio de cada uma das escolas. “Se os pais não tiverem o direito de saber como a escola do filho se compara com a do lado, não conseguimos mobilizá-los para ajudar as crianças no processo educativo”, disse o palestrante. Segundo Crato, a divulgação pública da avaliação comparativa demoliu diversos lugares comuns, como “um certo fatalismo social” de que alunos de escolas situadas em áreas mais pobres não conseguiam atingir o desempenho de estudantes de regiões mais ricas. “A divulgação dos dados como um bem público é essencial em uma democracia, pois não apenas o governo como também pesquisadores independentes podem analisá-los para contradizer as autoridades ou chegar a outras conclusões. Todos temos a lucrar”, completou.
4. Estabelecimento de metas curriculares
Em 2009, a ministra Isabel Alçada, que antecedeu Nuno Crato, instituiu metas curriculares que determinavam o que os alunos deveriam saber em cada série. À frente do ministério, a partir de 2011, Crato aprimorou o sistema, com base em outras experiências internacionais. “As metas se tornaram progressivamente mais ambiciosas. É importante desafiar os alunos a sempre buscar um resultado melhor, como os atletas”, disse. “O sistema público de educação precisa de objetivos claros. Definir metas e, ao mesmo tempo, conceder a maior liberdade possível nos processos. Se os professores querem dar educação física no final da tarde ou dedicar 1 hora por dia ao estudo monitorado, o que tenho a ver com isto? Não interessa controlar como se faz. Interessa é chegar lá.”
5. Redução da dispersão curricular
Segundo o ex-ministro, uma das principais decisões de sua gestão foi dedicar mais tempo dos estudantes ao português e à matemática, num primeiro momento, e depois à ciência, história e geografia. “Antes, tínhamos disciplinas e mais disciplinas. Como tirar o máximo proveito de uma aula de geografia se o aluno não consegue nem ler um texto ou compreender um gráfico?”, perguntou. “Fui acusado de só querer matemática e português quando, no Século 21 seria preciso desenvolver outras competências. Diziam ‘pra que serve matemática e português se forem maus cidadãos?’ Mas, como diz o ditado, ‘o que é que o cu tem a ver com as calças?’. Não sei se vocês falam isso aqui no Brasil e se é uma grande falta de educação, mas, desculpem, em Portugal, não é… (risos)
6. Mais recursos para as escolas que apresentam melhora
Para o palestrante, as escolas que progridem no decorrer das avaliações devem ser incentivadas, inclusive com mais recursos: “Afinal, os recursos públicos são escassos e devem dar retorno para a população.”
7. Grupos de apoio aos que têm dificuldade e de estímulo
O ex-ministro defendeu que as escolas devem criar grupos provisórios para ajudar os alunos com maior dificuldade em determinada disciplina. “Fui acusado de criar guetos, mas, havendo tempo e condições, a atenção deve ser para os que precisam mais. Queremos que todos passem de ano, desde que passem sabendo”, disse. “Já estudantes com maior facilidade que desejarem criar um clube de física, por exemplo, também devem receber apoio”, continuou.
8. Agradecimento especial aos professores
O ex-ministro da Educação fez um agradecimento especial aos professores portugueses: “Durante meu mandato, comecei com grande apoio, mas depois tivemos dificuldades. Devido à crise econômica, os salários foram reduzidos e a carga horária aumentou, pois não tínhamos recursos para fazer mais contratações quando necessário. Houve algum mal-estar, ocorreram atritos, mas sempre mantivemos o diálogo e o respeito. E, mesmo com tantas dificuldades dramáticas, os professores conseguiram melhorar substancialmente a educação do país.”
Breves comentários de uma educadora brasileira
Para a pedagoga Guiomar Namo de Mello, mestre e doutora em educação pela PUC-SP e ex-secretária de Educação do Município de São Paulo, a principal lição que o Brasil pode tirar do sucesso português é a importância de ter foco. “Quando Nuno Crato decidiu que a prioridade era, em primeiro lugar, português e matemática e, depois, história, ciência e geografia, deu um exemplo de como se implementa uma política pública. Se tentarmos fazer isso aqui, teremos uma hecatombe no dia seguinte”, disse a consultora do MEC, aludindo à reação de muitos profissionais da educação.
Guiomar lembrou que a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) considera obrigatórias disciplinas como filosofia e sociologia. “Se está na lei, não há o que fazer. Obedece quem tem juízo e, portanto, elas farão parte da Base Nacional Curricular Comum (em processo de elaboração)”, afirmou, deixando claro, porém, considerar um erro a excessiva dispersão do currículo escolar no Brasil (no Ensino Médio, são 13 as disciplinas obrigatórias).
Guiomar criticou a falta de dados concretos sobre o tempo dedicado a cada disciplina nas escolas brasileiras. “Se queremos priorizar português e matemática, precisamos saber quanto tempo é dedicado a estas disciplinas nas escolas públicas do país. Temos um reconhecido know how para realizar censos, que produzem uma quantidade de dados gigantesca, mas o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) senta em cima deles para ver se nascem mais”, criticou com ironia.
A educadora elogiou o sistema de metas e o reforço aos alunos mais necessitados implementado em Portugal. “Por mais que a gente pregue a diversidade, tratamos todo mundo igual na escola pública brasileira”, disse.
Guiomar alertou para os obstáculos à adoção do ensino em tempo integral, ao menos neste momento. “Não temos verba, instalações ou professores suficientes para oferecer escola integral para os 50 milhões de alunos da educação básica. Mas poderíamos garantir reforço extra para os que mais precisam”, afirmou.
Já na fase de perguntas e respostas, Nuno Crato disse que a tecnologia deve ser usada com critério. “Sou fanático pela tecnologia, mas usar por usar é inútil. Ela deve estar a serviço de algo específico, como o aprendizado de línguas estrangeiras, fazer trabalhos em casa ou facilitar o contato entre a escola e o aluno e entre eles. Mas o computador jamais substituirá o professor”, concluiu.
Otávio Dias, jornalista, é especializado em questões internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.