Debates
17 de setembro de 2013

A cultura empreendedora no Brasil: riscos e oportunidades

“As universidades públicas são ambientes que não induzem seus principais agentes a empreender e inovar por serem ‘sistemas meritocráticos isonômicos’”, disse Silvio Meira, um dos fundadores do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife.

No dia 17 de setembro, a Fundação FHC e a Endeavor, com apoio da Fundação Brava, realizaram o seminário “A cultura empreendedora no Brasil: riscos e oportunidades”. Foi o segundo de uma série de seminários sobre empreendedorismo e inovação (o primeiro foi o debate “Empreendedorismo e sistemas de inovação: como superar os desafios brasileiros”).

Participaram um dos fundadores do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, Silvio Meira, um dos mais conhecidos cientistas e empreendedores brasileiros na área de softwares; Roberto Lotufo, que por seis anos dirigiu a Inova Unicamp, agência criada por essa universidade para fazer a ponte entre a pesquisa acadêmica e a inovação aplicada; e Bento Koike, fundador da Técsis, a maior fabricante mundial de pás customizadas para energia eólica.

Por pura coincidência, todos formados pelo Instituto de Tecnologia da Aeronáutica, o ITA, no final dos anos 70. Coincidência? Ou sinal de que foram (ou ainda são) poucas as universidades que formam recursos humanos aptos a gerar inovação no Brasil?

Mediada por Pamella Gonçalves da Endeavor, a conversa entre os três expositores partiu dessa pergunta para uma discussão mais ampla sobre a importância de se criar um ecossistema propício à inovação, do qual as universidades são parte necessária, mas não suficiente.

Um dos criadores do C.E.S.A.R em 1996, Meira destacou como o seu alcance ultrapassou as fronteiras do meio acadêmico, embora não tenha transformado o entorno do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco tanto quanto ele gostaria. Na sua esteira, veio o Porto Digital, em 2000, um polo de desenvolvimento de softwares e economia criativa localizado no centro histórico de Recife, responsável pela recuperação de 70 mil metros quadrados de prédios históricos no centro da capital pernambucana, pela atração de 230 empresas e geração de 7200 empregos ligados às tecnologias de informação e comunicação.

A história de Koike é outro exemplo de transição do meio acadêmico para o mundo do empreendedorismo inovador. Sua primeira empresa, criada com outros colegas do ITA, era especializada no desenvolvimento de componentes para o programa espacial brasileiro. Logo descobriu que não poderia sobreviver num setor em que o único comprador era o Estado. Em 1996, fundou a Técsis, já de olho no mercado internacional. Hoje, a empresa localizada em Sorocaba, cujo controle passou às mãos de um consórcio de investidores depois da crise de 2008, é a maior do mundo no segmento de pás customizadas.

Baseado na própria experiência, cujos lances mais incríveis compartilhou com os presentes, Koike explicou grande parte do seu sucesso pela obsessão em competir no mundo, e não apenas no Brasil, com produtos tecnologicamente diferenciados.

Sem desconsiderar a importância do talento individual para empreender e inovar, Lotufo lembrou a seu ex-colega de ITA de que, não fosse pela sólida formação em engenharia aeronáutica, ele jamais teria se tornado um “inventor” de pás eólicas. Isso indica a missão essencial das universidades: formação de recursos humanos qualificados.

Já Meira chamou a atenção para o outro lado da medalha: os fatores sistêmicos que inibem a tomada de risco e a inovação. No Brasil, a seu ver, haveria muitos outros Koikes se a economia não fosse tão fechada e a universidade, em geral, tão refratária à relação com o mundo empresarial. Lotufo reconheceu que, nesse aspecto crucial, a Unicamp é mais a exceção do que a regra.

A sorte de Koike, disse Meira, foi ter a ambição de criar um produto para um mercado que não existia no Brasil à época (a energia eólica era inexistente no Brasil em 1996, mas já despontava na Europa). Isso o obrigou a fazer da Técsis uma empresa global desde o início. Quem só vê o mercado interno, “cria um desses negócios que fica andando de banda, é o empreendedorismo caranguejo. Vai pra lá, vem pra cá, gasta uma energia infinita, mas não inova absolutamente nada”. Para Meira, “a ótica do empreendedor brasileiro é á ótica do fundo de quintal, quando precisava ser a ótica do mundo”.

Meira não poupou críticas às universidades brasileiras que, a seu ver, precisam de uma mudança estrutural, um “choque sistêmico”.  Ele argumenta que as universidades públicas, consideradas as universidades de excelência do país, são ambientes que não induzem seus principais agentes a empreender e inovar por serem “sistemas meritocráticos isonômicos”: se baseiam em mérito na atração dos professores, mas, uma vez lá dentro, são poucos os estímulos à criatividade e menores ainda à inovação que possa gerar produtos e serviços.