Debates
14 de fevereiro de 2014

A Crise do Poder: por que hoje se tornou mais difícil exercê-lo?

Em palestra, Moisés Naím explicou a ‘degradação do poder’. Jornalista e autor venezuelano lançou um livro na Fundação FHC.

“Nessas duas primeiras décadas do século 21, o poder muda de mãos de forma cada vez mais dramática e surpreendente. É mais fácil conquistá-lo, mas está mais difícil exercê-lo e cada vez mais fácil perdê-lo.” Assim o jornalista e cientista político venezuelano Moisés Naím começou sua palestra na Fundação FHC em dezembro, por ocasião do lançamento da edição brasileira de “O Fim do Poder” (Editora Leya).

No livro, que o próprio autor descreve como “menos opinativo e mais baseado em evidências”, Naím descreve a mudança do poder “dos EUA e da Europa para a Ásia, das grandes empresas para as startups, dos palácios para as ruas e praças, dos homens para as mulheres”. Para ele, o fenômeno está presente na política, nos negócios, nos Exércitos, nas igrejas, na comunicação e até mesmo na filantropia.

A renúncia do papa Bento 16 em 2013 foi exemplo dessa “degradação do poder”, tese central do livro de Naím, ex-editor da revista “Foreign Police”. “Ao anunciar sua renúncia, a primeira de um papa em 700 anos, Bento se justificou dizendo haver coisas que ele não tinha poder para enfrentar”, lembrou Naím.

Na política, ele citou as meteóricas ascensão e queda do presidente egípcio Mohamed Morsi, que depois de vencer as primeiras eleições democráticas pós-Primavera Árabe assumiu o governo em 2012, mas foi deposto pelos militares, com apoio da maioria da população, apenas um ano depois.

No mundo dos negócios, Naím lembrou a falência da Kodak, que por décadas dominou o mercado global de fotografia e rapidamente perdeu espaço para novas empresas digitais, entre elas o Instagram, “que é quase um app”.

Ele comparou a venda do jornal norte-americano “The Washington Post” para Jeff Bezos, fundador da Amazon, por US$ 250 milhões à compra do site “The Huffington Post” pela AOL por R$ 350 milhões. “O Post é um jornal tradicionalíssimo, que teve enorme influência na política e na sociedade norte-americanas no século 20, enquanto o HuffPost é uma novidade na comunicação, sem ativos e uma trajetória ainda a ser construída”, afirmou.

Ele também se referiu às polêmicas envolvendo, de um lado, o site Wikileaks, seu fundador Julian Assange e o ex-agente da CIA Edward Snowden, e, de outro, o governo dos EUA e suas agências de espionagem.

Para Naím, a boa notícia é que existem cada vez mais democracias no mundo, onde já não há mais lugar para ditadores e tiranos. No entanto, os líderes mundiais são eleitos por margens cada vez menores e se tornam reféns de coalizões difíceis de manejar.

Um exemplo é o presidente dos EUA, Barack Obama, que, apesar de eleito duas vezes, enfrenta implacável oposição do Partido Republicano e de sua ala mais radical, o chamado Tea Party. Em 2013, o governo norte-americano ficou paralisado por vários dias por causa desse impasse político.

“As democracias estão se transformando em ‘vetocracias’, em que muitos têm poder de obstruir e poucos, a força necessária para tocar um projeto adiante”, disse Naim, lembrando análise recente de Francis Fukuyama.

No campo militar, Naím deu um exemplo chocante. Segundo ele, o atentado terrorista de Onze de Setembro de 2001 contra as torres gêmeas de Nova York e o Pentágono custou cerca de US$ 500 mil à rede Al Qaeda. “A reação americana já custou US$ 3,3 trilhões em operações militares ao redor do globo, e o terrorismo segue vivo”, disse.

“Os novos micro poderosos não ganham, mas negam aos antes superpoderosos a possibilidade de vencer definitivamente”, afirmou Naím, para quem o planeta e a civilização humana vivem três revoluções simultâneas.

“A primeira é a Revolução do Mais. Nunca houve tanta abundância de pessoas vivendo em cidades, de jovens, de pessoas que vivem até 80/90 anos, de gente que sai da pobreza e se torna  consumidor, de universitários”, explicou. “A abundância é desigual, mas é uma característica dos tempos.”

Para Naim, o mundo também tem cada vez mais refugiados, mais migrantes, mais turistas, mais gente cruzando fronteiras reais e virtuais,  comunicando-se pela internet. “Tudo se move, não só as pessoas, mas o dinheiro, os costumes, a informação, as doenças, a fé. É a Revolução da Mobilidade”, disse.

Para o autor venezuelano, a soma de abundância e mobilidade conduz à terceira onda de transformação do século 21, a Revolução da Mentalidade. “A cada nova década vemos um planeta totalmente diferente, no qual as antigas estruturas de poder já não dão mais as cartas.”

Ao final de sua fala de 45 minutos, Naím lançou um alerta: “As inovações dos últimos 20 anos transformaram todos os aspectos da experiência humana, mas a forma como governamos e somos governados mudou pouco. A política tradicional e os partidos políticos estão em xeque e terão de se reinventar.” Mais no livro “O Fim do Poder.”