Debates
14 de maio de 2025

A crise da Aliança Atlântica e o futuro da Europa

Neste webinar, conversamos com três especialistas europeus para analisar a crise da OTAN — Organização do Tratado do Atlântico Norte — e suas implicações para o continente europeu.

A União Europeia — composta por 27 países-membros com diferentes percepções sobre os desafios internos e as ameaças externas — conseguirá se unir para dar uma resposta à altura das medidas econômicas e geopolíticas pretendidas pelo presidente norte-americano Donald Trump, que colocam em risco a ordem internacional liberal e a aliança estratégica entre a Europa e os Estados Unidos da América?

As instituições da UE, sobretudo a Comissão Europeia (braço executivo sediado em Bruxelas), e líderes políticos de países importantes têm buscado superar as divisões internas do bloco no sentido de avançar em políticas comuns em áreas cruciais como defesa e segurança, inovação e competitividade, mas terão sucesso diante da diversidade de opiniões e percepções entre os países-membros? 

O que mais terá de acontecer no mundo para levar a Europa a atuar com unidade frente a um novo contexto internacional que, além da guinada geopolítica dos EUA, tem a China e a Rússia como players fundamentais?

Por fim, com a quebra de confiança na relação com os EUA, a Europa buscará aprofundar sua relação com parceiros estratégicos nos diversos continentes, entre eles o Brasil, no sentido de reforçar o multilateralismo e a colaboração em áreas fundamentais como defesa da democracia e da paz, enfrentamento das mudanças climáticas e comércio global?

Estas são as principais questões levantadas por três especialistas europeus convidados pela Fundação FHC para analisar a crise da OTAN — Organização do Tratado do Atlântico Norte, fundada em 1949 para garantir a paz no Hemisfério Norte Ocidental, atualmente com 32 países-membros — e suas implicações para o continente europeu. Neste momento de profundas incertezas, eles trouxeram mais perguntas do que respostas.

‘Mudança de prioridades da política externa dos EUA não começou agora’

Estamos assustados com as ações do presidente Donald Trump nos últimos três meses, mas o último presidente norte-americano de fato comprometido emocionalmente e politicamente com a Europa foi Bill Clinton (que governou de 1993 a 2001). Pelo menos desde o Governo Obama (2009-2017), a política externa norte-americana vem paulatinamente priorizando a Ásia. Durante o Governo Biden (2021-2025), houve a esperança de que a antiga relação transatlântica seria restaurada, mas, com o retorno de Trump à Casa Branca, a região do Indo-Pacífico volta a assumir maior importância econômica e estratégica, na percepção de Washington”, disse o cientista político Michael Leigh, que foi diretor-geral da Comissão Europeia, onde trabalhou por mais de 25 anos.

“A questão que se coloca para a Europa é se somos capazes de responder à altura à tarefa de manejarmos nossas próprias políticas de segurança, defesa e até mesmo o futuro de nossa economia em um mundo em profunda transformação sem ter os EUA como uma espécie de garantidor. Como superar a divisão entre os 27 países-membros, com diferentes percepções sobre as ameaças existentes, objetivos e prioridades nacionais? Existe um certo campo comum, mas também há muita diversidade de visões e opiniões dentro da União Europeia”, continuou o Diretor Acadêmico do Master of Arts in European Public Policy.

‘Política unilateral de Trump é oposta ao multilateralismo defendido pela UE’

“Para onde os EUA estão indo? As ameaças de Trump de anexar o Canadá, a Groenlândia e o Panamá, assim como as medidas tarifárias que atingem rivais e parceiros de forma indiscriminada, sugerem uma visão política unilateralista e hegemônica oposta àquela que a UE defende, baseada em uma ordem internacional multilateral, disse Rosa Balfour, diretora do Carnegie Europe.

“Muitas líderes europeus à frente de governos nacionais, em Bruxelas (sede da Comissão Europeia) e em Estrasburgo (sede do Parlamento Europeu) estão conscientes dos novos desafios e tentando se unir, mas ainda há alguma esperança de que a relação transatlântica poderá voltar a ser não necessariamente o que foi no passado, mas a uma situação em que as regras do jogo sejam minimamente respeitadas. Minha opinião pessoal é que estamos entrando em uma nova era que veio para ficar e a Europa precisa se adaptar rapidamente”, continuou a especialista em política europeia, instituições e política externa e de segurança.

‘Interdependência econômica entre EUA e Europa não deve diminuir’

“Existe uma discrepância entre a interdependência econômica entre os EUA e a Europa, que continua forte e não dá sinais de que irá diminuir, e a inter-relação política e geopolítica entre os tradicionais aliados. Os políticos em Washington agem de uma maneira, mas os empresários e investidores norte-americanos agem de outra”, disse o economista André Sapir, professor emérito da Université libre de Bruxelles e senior fellow do Instituto Bruegel.

Como exemplo dessa interdependência, Sapir destacou que, não somente os EUA são o maior mercado para bens e serviços europeus, respondendo respectivamente por 20% e 25% das exportações europeias, como 40% dos investimentos norte-americanos fora dos EUA se concentram na Europa. 

“Nós dependemos deles, sobretudo nos setores bancário e financeiro, mas eles também dependem de nós, pois a Europa é um grande mercado para negócios e investimentos norte-americanos. Por isso, sou cauteloso em relação à possibilidade de todas as mudanças que têm ocorrido na esfera geopolítica resultarem efetivamente em um enfraquecimento nas relações econômicas entre os EUA e a UE a médio e longo prazo”, afirmou.

‘A geopolítica levará a Europa a reformar sua economia para melhorar competitividade, tecnologia e inovação?’

Quais são os desafios que a UE precisa enfrentar para implementar as recomendações do Relatório Draghi”, perguntou Sergio Fausto, diretor geral da Fundação FHC, a André Sapir. 

Coordenado por Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, a pedido de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o Relatório Draghi, intitulado “O Futuro da Competitividade Europeia”, foi publicado em setembro de 2024 e aborda desafios como as lacunas da Europa nas áreas digital, tecnológica e de inovação, incluindo a Inteligência Artificial, em comparação com os EUA e a China. Também analisa os impactos das medidas de descarbonização da economia colocadas em prática pelo bloco europeu e a necessidade de reformas econômicas e maiores investimentos em segurança e defesa.

“O Relatório Draghi, assim como outros relatórios publicados anteriormente, diz o que a Europa precisa fazer para se tornar mais competitiva e independente em setores cruciais como tecnologia, defesa e energia, mas não propõe um caminho para o sistema de governança da União Europeia conseguir avançar para atingir esses objetivos”, respondeu o doutor em economia pela The Johns Hopkins University. 

“A cada dez anos é publicado um relatório que afirma que precisamos de fato aprofundar e completar uma união entre os 27 países da UE, mas isso nunca acontece devido a divisões e questões internas. É muito frustrante. Espero que a geopolítica leve essa necessidade de agir em bloco a um grau máximo e finalmente consigamos resolver algumas questões que até agora continuam sem solução”, disse Sapir.

Existem líderes e partidos políticos na Europa que concordam e apoiam as ideias de Trump para o mundo e, se puderem, atuarão como obstáculos aos esforços de maior união da Europa. Ou seja, a hostilidade não vem só de fora, mas também de dentro da Europa.

Rosa Balfour, diretora do Carnegie Europe

‘Hostilidade ao projeto europeu não vem só de fora, mas também de dentro’

Segundo Rosa Balfour, não existe risco da União Europeia se desintegrar, mas a adoção de medidas que resultem em uma maior ou menor integração do bloco dependerá do desempenho de lideranças e partidos de extrema direita nas eleições nacionais neste e nos próximos anos. 

Em 18 de maio, o partido de centro-direita Aliança Democrática (AD) venceu as eleições parlamentares antecipadas de Portugal, mas não obteve a maioria necessária no parlamento para colocar fim a um período de instabilidade política. O partido Chega obteve mais de 22% dos votos, votação recorde para a extrema direita. 

No mesmo dia, houve eleições presidenciais na Romênia e o centrista Nicusor Dan (pró-Europa) surpreendeu ao derrotar, por 54% a 46% dos votos, o candidato nacionalista George Simion, que no primeiro turno obtivera 41% dos votos e era favorito.

Também em 18 de maio, houve o primeiro turno das eleições presidenciais na Polônia e passaram para o segundo turno um candidato pró-Europa, o atual prefeito de Varsóvia, Rafal Trzaskowski, e um candidato nacionalista, Karol Nawrocki, admirador de Trump. 

Em outubro, haverá eleições parlamentares na República Tcheca.

“Existem líderes e partidos políticos na Europa que concordam e apoiam as ideias de Trump para o mundo e, se puderem, atuarão como obstáculos aos esforços de maior união da Europa. Ou seja, a hostilidade não vem só de fora, mas também de dentro da Europa”, disse. 

Balfour lembrou que eleições parlamentares realizadas recentemente no Canadá levaram à vitória Mark Carney, do Partido Liberal, que fez campanha com um discurso extremamente crítico a Trump. “Trump não é muito popular na Europa, os líderes que se associarem a ele sairão vitoriosos ou perdedores nas eleições europeias em 2025 e nos próximos anos?”, perguntou.

De acordo com Balfour, preocupa o apoio da atual administração norte-americana, mais explicitamente do vice-presidente JD Vance e de Elon Musk, próximo a Trump, 

a partidos de extrema direita como a Alternativa para a Alemanha (AfD), que dobrou o seu percentual de votos para 20,8% nas eleições parlamentares de fevereiro de 2025. De extrema direita, a AfD ficou fora da coalizão entre a direita e a esquerda que assumiu o governo alemão no início de maio, mas pode criar problemas para o governo do conservador Friedrich Merz no futuro próximo.

“O apoio do atual governo norte-americano a partidos que estão em uma zona cinzenta de acordo com os padrões democráticos preocupa: será apenas um parêntese e, depois de Trump, os EUA voltarão a apoiar a ordem internacional liberal e a Europa, ou os EUA não poderão mais ser considerados nossos aliados estratégicos?”, perguntou.

“Mesmo diante da grande ameaça representada pela invasão da Ucrânia por Putin (que já completou três anos sem um cessar-fogo), não acredito que a Europa tenha sucesso em criar um exército europeu. O que poderemos ver é uma coalizão de alguns países-membros que se sentem mais ameaçados pela Rússia no sentido de fortalecer uma espécie de ‘OTAN europeia’”, disse Michael Leigh.

Acordo UE-Mercosul deve ser ratificado pela Europa em 2026

Segundo André Sapir, o efeito Trump deve levar os países europeus a ratificarem o acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul, que já foi formalizado mas, para entrar em vigor, depende da aprovação do Parlamento Europeu e dos parlamentos dos diversos países envolvidos.

“Isso vai acontecer, provavelmente no próximo ano, porque a UE precisa dar uma resposta às medidas unilaterais de Trump. Uma boa forma de fazer isso é ampliando a sua rede de acordos comerciais. Conversei recentemente com várias fontes em Paris e a conclusão é que a França — cujo presidente, Emmanuel Macron, é contra o acordo — deve encontrar uma maneira de abrir caminho para a aprovação do acordo com o Mercosul, pelo menos não se opondo diretamente”, explicou o economista.


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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.

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