Debates
19 de setembro de 2016

20 anos da lei e o futuro da arbitragem no Brasil

“Passados 20 anos da sanção da lei, temos hoje a sensação de que o Estado está finalmente chegando à arbitragem. E está fazendo isso não tanto porque queira, mas porque precisa”, afirmou Carlos Alberto Carmona, professor da Faculdade de Direito da USP.


“É importante que o direito se renove, e a negociação entre as partes é uma prerrogativa do mundo moderno.”
Fernando Henrique Cardoso

A Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307), sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 23 de setembro de 1996, chega aos 20 anos com um desafio: “convencer” o Estado brasileiro a recorrer à arbitragem como o caminho mais rápido e eficiente de resolver eventuais conflitos com o setor privado. Isto é especialmente importante neste momento em que o Brasil enfrenta grave crise econômica e fiscal e depende da participação da iniciativa privada para deslanchar projetos, especialmente na área de infraestrutura.

“Passados 20 anos da sanção da lei, temos hoje a sensação de que o Estado está finalmente chegando à arbitragem. E está fazendo isso não tanto porque queira, mas porque precisa”, afirmou Carlos Alberto Carmona, professor da Faculdade de Direito da USP e membro da Comissão Relatora da Lei de Arbitragem, em seminário na Fundação FHC.

Segundo Carmona, um dos pioneiros da ideia no Brasil, se deseja atrair capital e empresas estrangeiras para os tão necessários investimentos no país, o governo terá de se acostumar à arbitragem como forma de solucionar conflitos. “Nenhuma empresa estrangeira topa investir se tiver de se sujeitar ao Poder Judiciário de outro país”, disse o especialista. Também no caso das PPPs (parcerias público privadas), a arbitragem “é de rigor”.

“O Poder Judiciário brasileiro prestou um serviço fantástico à nação ao dar sinal verde para o desenvolvimento da arbitragem no país. Hoje praticamente não há contrato na esfera privada que não tenha uma cláusula de arbitragem”, disse Fernando Henrique Zanetti, diretor jurídico e de compliance da Bunge Brasil.

Processos arbitrais aumentaram 73%

A Lei da Arbitragem entrou em vigor em 1996, após um longo processo legislativo e em grande parte devido ao apoio do então senador pernambucano Marco Maciel, depois vice-presidente durante o Governo FHC (1995-2002). Mas ela só começou a deslanchar a partir de 2001, quando foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. A partir de 2004, o Superior Tribunal de Justiça (STF) recebeu a responsabilidade por acompanhar sua aplicação, o que, segundo os participantes, tem sido feito de forma exemplar.

“O STJ tem atuado como um tribunal de cidadania ao realizar um meticuloso trabalho de interpretação da Lei de Arbitragem e de criação de jurisprudência. Esse trabalho excepcional tem garantido que a arbitragem avance com segurança no país”, afirmou Luis Felipe Salomão, ministro do Superior Tribunal de Justiça e membro da Corte Especial do tribunal.

Segundo a pesquisa Arbitragem em Números e Valores, produzida pela advogada Selma Lemes, os conflitos resolvidos por via da da arbitragem no Brasil cresceram 73% nos últimos seis anos. Entre 2010 e 2015, os valores envolvidos em procedimentos solucionados extrajudicialmente somaram mais de R$ 38 bilhões. Nos primeiros quatro anos compreendidos na pesquisa, quase quadruplicaram, mas em 2015 houve pequena queda, provavelmente devido à crise econômica do país.

Para Zanetti, a alternativa à arbitragem, que seria recorrer ao Judiciário para resolver disputas, é muito complicada devido ao acúmulo de processos e à conhecida lentidão da Justiça brasileira. Segundo o relatório Justiça em Números 2016, divulgado em 17 de outubro pelo Conselho Nacional de Justiça, o total de processos que tramitaram no Judiciário no ano passado, excluindo aqueles que estavam no Supremo Tribunal Federal, chegou a 102 milhões (leia reportagem do Conjur).

‘Romper o dogma’

De acordo com Marcelo José Magalhães Bonizzi, procurador do Estado de São Paulo e professor da USP, “ao completar 20 anos a arbitragem é um organismo vivo e está progredindo, mas é preciso romper o dogma que ainda dificulta sua aplicação na relação entre governos e entes cidadãos”.

“O Estado não pode ser mero observador das atividades privadas. Ele deve ser parceiro da iniciativa privada na realização de grande projetos e precisa ir à arbitragem para celebrar acordos internacionais”, disse Bonizzi.

O procurador lembrou que a existência de cláusulas de arbitragem já é condição sine qua non para instituições globais como o Banco Mundial financiarem projetos em qualquer lugar do mundo.

Em 2015, a Lei 9.307/1996 foi atualizada e se transformou na Lei 13.129/2015, que em seu artigo 2º, parágrafo 3º determina que, nos procedimentos que envolva a administração pública, se deve respeitar o princípio da publicidade, com o intuito de zelar pela transparência. Já processos arbitrais entre dois entes privados costumam ser sigilosos. No ano passado, ainda segundo a pesquisa Arbitragem em Números e Valores, ocorreram 20 arbitragens envolvendo o poder público.

‘Mais popular’

Fernando Zanetti sustentou que a arbitragem precisa se “tornar mais popular” e salientou que o principal obstáculo para ela se tornar mais acessível é o alto custo para as partes envolvidas, pois são elas que arcam com os honorários do árbitro (ou câmara arbitral) escolhido para solucionar o conflito. Por outro lado, a possibilidade de chegar a uma solução mais rapidamente do que aconteceria num processo judicial em geral representa uma economia não só de tempo mas também de recursos.

Em entrevista ao Jota, Selma Lemes, também membro da Comissão Relatora da Lei de Arbitragem, dá uma exemplo de como empresas em dificuldades poderiam driblar o custo de arbitragens de valores elevados (superiores a US$ 1 milhão). “É algo que é bem praticado no exterior, chamado third party funding, em que uma financeira ou seguradora analisa o caso, verifica se tem chance de êxito e se propõe a financiar o procedimento arbitral para, depois, ter uma participação no resultado da arbitragem”, disse

“Espero que a arbitragem se torne mais barata e popular e que seja estendida para áreas onde ainda não é praticada, como a solução de disputas trabalhistas. Todos deveriam poder optar por essa via de solução de conflitos”, argumentou Zanetti. Ao sancionar a nova Lei de Arbitragem em 26 de maio de 2015, o então presidente em exercício Michel Temer vetou a arbitragem em relações de consumo e em contratos trabalhistas.

Obras de infraestrutura

“Não há dúvida de que a solução de conflitos pela via extrajudicial representa um avanço”.

Segundo o ministro do STJ Luis Felipe Salomão, uma das vantagens de se recorrer à arbitragem em grandes obras de infraestrutura é que, no caso de surgirem desavenças entre as partes envolvidas, é possível resolver a questão com maior agilidade sem que a obra seja interrompida por decisão judicial. “A arbitragem possibilita resolver problemas que com frequência ocorrem durante a realização de uma obra sem que ela precise parar”, disse.

Otávio Dias, jornalista, é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres, editor do site estadao.com.br e editor-chefe do Huffington Post no Brasil.