Ir para o conteúdo
Logotipo do FFHC Menu mobile

/imagens/33/63/pdt_bnn_13363.jpg

Acervo FHC e Ruth » FHC: Ação Política

Uma oposição implacável

Em seus oito anos de mandato, Fernando Henrique Cardoso precisou conviver com ataques do PT e até mesmo de aliados, como o senador Antônio Carlos Magalhães

Fernando Henrique Cardoso chegou ao governo sob marcação cerrada da oposição, mas, de certa maneira, sabia o que o esperava. Derrotados por Fernando Collor em 1989, ausentes por decisão própria da imensa coalizão que se formou para sustentar o governo Itamar Franco logo depois do impeachment de Collor e novamente derrotados, agora por Fernando Henrique, em 1994, o PT e Lula acumulavam críticas a todos os governos desde que o partido havia sido fundado em 1980. Assim, fazer uma oposição acirrada foi a solução encontrada pelo partido para marcar posição e tentar se viabilizar como alternativa para as próximas eleições.

O presidente eleito se irritava com a oposição que sofria. Em gravações feitas no calor da hora, depois publicadas nos quatro volumes dos Diários da Presidência, registrou: “Eles não estavam fazendo oposição ao governo. Estavam fazendo oposição ao Brasil”. E acrescentou: “Em abril de 1995, eu recém-eleito por maioria absoluta, surge o ‘Fora FHC!’. Esses são germens do autoritarismo na oposição. É golpismo. E isso foi permanente”.

A despeito da irritação momentânea, ele jamais desconheceu a importância da oposição para a democracia: “A oposição precisa tomar partido e precisa mais do que ninguém da instituição parlamentar para fazer o seu brado ser escutado, ter ressonância na sociedade”.

A barganha miúda no Congresso, esta sim, lhe parecia negativa. Ela não o surpreendia, já que havia sido senador por quase dez anos, mas o preocupava. Via na barganha clientelista e setorial um risco de enfraquecimento não apenas do governo, mas também da oposição, e do próprio Congresso. “Os partidos se transformaram em clubes congressuais, abandonando as ruas; muitos parlamentares trocaram o exercício do poder no Congresso por um prato de lentilhas: a cada nova negociação para assegurar a 'governabilidade', mais vantagens recebem os congressistas e menos força político-transformadora tem o Congresso”, avaliaria mais tarde Fernando Henrique. 

O partido de situação ficava acuado

Diante da força e da influência da oposição feita pelo PT e seus aliados (fossem eles constantes ou ocasionais), o PSDB, partido do presidente, se sentia acuado e era tímido na defesa das políticas do governo, embora votasse a seu favor no Congresso. Não abraçou com convicção, por exemplo, os programas sociais de transferência direta de renda, como o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação que, então, o próprio Lula acusava de serem esmolas, mas que voltariam com toda a força no governo seguinte, comandado pelo mesmo Lula. Assim, o PSDB abria espaço para que os projetos de governo fossem duramente criticados ou obscurecidos pelo PT, como a política de valorização do salário mínimo, que se iniciou no governo Itamar Franco, se firmou no do PSDB e, mais tarde, viraria uma das grandes bandeiras do governo petista. 

Lula e o PT foram os primeiros e mais fortes nomes da oposição. Ainda assim, Fernando Henrique reconhecia que o caráter político não diminuía o bom convívio pessoal. “Gosto do Lula”, admitia Fernando Henrique, lembrando uma proximidade iniciada nas eleições de 1978, quando concorreu ao Senado pelo MDB. “Mas agora eu não assisto aos programas do PT para não ver o Lula me criticando, até porque ainda me agrada falar com ele”. 

Três adversários então irreconciliáveis

A simpatia do presidente por Lula não se estendia a outros importantes líderes políticos que lhe faziam ou viriam a fazer oposição: Itamar Franco, seu antecessor na Presidência da República; Ciro Gomes, seu sucessor no Ministério da Fazenda e então formatando sua candidatura a presidente pelo PPS em 1998; e Leonel Brizola, presidente nacional do PDT, e ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. “Eles passaram dos limites comigo. São desleais. Nunca tiveram motivos para romper o diálogo democrático e romperam”, disse o presidente em entrevista à revista Época em março de 2000. A despeito da irritação, Fernando Henrique jamais deixou de tratá-los de maneira republicana, mesmo quando Itamar Franco, eleito governador de Minas Gerais, ameaçou mobilizar a PM mineira contra a eventual privatização de Furnas. Ciro Gomes, por sua vez, foi recebido em audiência, assim como todos os demais candidatos à presidência nas eleições de 2002, para que ouvisse do próprio presidente Fernando Henrique as explicações de um acordo preventivo recém-concluído com o FMI. 

Além de Lula, Fernando Henrique revela em seus diários respeito por outros adversários políticos: os governadores Zeca do PT, do Mato Grosso do Sul, Olívio Dutra, do Rio Grande do Sul, e Jorge Viana, do Acre. “O Zeca faz um trabalho sério. Digo que é o representante do FMI no Mato Grosso do Sul. Esse menino do Acre é honesto, leal, pede nossa ajuda e recebe. Vai mudar o estado. E o Olívio, que antes falava comigo parecendo fazer discurso num palanque, é meio chucro. Mas tem espírito público”.

Entrevista de FHC à revista Época em março de 2000

A oposição surgida dentro do governo

Ao final do mandato, em dezembro de 2002, já com seu candidato, José Serra, derrotado, e com Lula eleito como seu sucessor, Fernando Henrique em entrevista ao jornal O Globo, recordaria mais um nome entre os que fizeram forte oposição ao seu governo: Antônio Carlos Magalhães. À distância que o tempo permitia, o presidente avaliava: “Acho que quem fez oposição mesmo ao meu governo foi Antônio Carlos Magalhães”.

Ex-governador da Bahia, senador e presidente do Senado, ACM, no primeiro mandato, teve um comportamento equilibrado, em parte por causa da forte influência que seu filho, Luís Eduardo Magalhães – presidente da Câmara e muito próximo de FHC – exercia. Porém, com a morte de Luís Eduardo em 1998, ACM sentiu-se à vontade para exercer a política da maneira que mais acreditava: a partir do confronto.

Ora irritado por algum movimento político que o desagradasse – a aproximação de Fernando Henrique com o PMDB, por exemplo –, ora insatisfeito por não ver algum pedido seu atendido, ACM batia de imediato e forte. Fernando Henrique reconhecia o adversário: “O Antônio Carlos tem sensibilidade política, ele sabe definir um inimigo”. Ao contrário do PT, porém, a oposição de ACM foi pontual e não sistemática. 

“A oposição precisa tomar partido e precisa mais do que ninguém da instituição parlamentar para fazer o seu brado ser escutado, ter ressonância na sociedade”, disse FHC.

Na mesma entrevista, perguntado pelos jornalistas se não poderia ter reagido de maneira igualmente enérgica e forte aos ataques do senador baiano, com “um pouco de paternalismo, caudilhismo” ou com “o presidente dando um murro na mesa”, Fernando Henrique explicou que isso sim seria partir para a inviabilidade do governo. Para ele, essa seria a confirmação de que “não temos uma cultura cívica democrática”. E apontava: “Nossa política é tradicionalista, clientelista, caudilhesca e, portanto, populista e autoritária. O populismo é sempre autoritário”. 

O contorcionismo de Lula e do PT

No fim de 2002, preparando-se para deixar o poder, Fernando Henrique fazia um balanço de seus oito anos de governo, admitia a causa da derrota eleitoral do PSDB – “a vitória da oposição foi resultado da fadiga de material, cansaço depois de certo tempo, o que é natural” – e demonstrava como pretendia se colocar a partir do momento que estivesse já fora do Palácio do Planalto: “Farei com o Lula o que ele não fez comigo, quando nem sequer reconheceu a minha vitória. Não deu um telefonema”. No mesmo volume dos seus Diários, Fernando Henrique apontava a mudança pela qual o PT começava a passar. “Era possível notar a capacidade de contorcionismo do PT, com a Carta ao Povo Brasileiro (texto assinado em junho de 2002 pelo então candidato à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, assegurando que, em caso de sua vitória, o PT respeitaria os contratos nacionais e internacionais). (A mudança) se desnudou quando Lula foi simultaneamente ao Fórum Social de Porto Alegre e a Davos. Era o sinal de ‘adeus às armas’: socialismo só para enganar trouxas, diagnosticava o presidente. “É como se dá a adesão progressiva – no começo envergonhada e por fim mais deslavada – do petismo lulista à nova ordem e a suas ideologias”.

É preciso evitar as maledicências diárias

Análise mais elaborada sobre o papel da oposição seria feita em abril de 2011, quando, já há quase uma década afastado da presidência, Fernando Henrique faria um relato sobre o que se espera de quem está na oposição – e naquele tempo ele já estava na oposição há quase uma década.

Em texto publicado na revista Interesse Nacional, Fernando Henrique recuperava o início de sua militância político-partidária, recordando que, nos anos 70, havia escrito um artigo sob encomenda para o jornal Opinião. O tema central era o MDB, partido que Fernando Henrique integrava, presidido pelo deputado paulista Ulysses Guimarães e voz isolada na oposição à ditadura militar. “Na época, me parecia ser necessário reforçar a frente única antiautoritária e eu conclamava as esquerdas não armadas, sobretudo as universitárias, a se unirem com um objetivo claro: apoiar a luta do MDB no Congresso e mobilizar a sociedade pela democracia”, escreveu. 

Além de afrontar a ditadura, o MDB enfrentava um adversário político, a Arena, partido governista que estava fortalecido. Vivia-se no embalo do crescimento econômico e da aceitação popular dos generais-presidentes, sendo que o mais criticado pelas oposições, em função do aumento de práticas repressivas, o general Médici, paradoxalmente era o mais popular: 75% de aprovação. A estratégia de não desanimar deu resultado. “Graças à persistência de algumas vozes, como a de Ulysses, as oposições não calavam”. O resultado veio logo a seguir: em 1974, o MDB alcançou uma expressiva vitória eleitoral em pleno regime autoritário. 

Fernando Henrique, então, compararia a oposição que praticou com a oposição que sofreu. “Cabe às oposições, como é óbvio e quase ridículo de constatar, se oporem ao governo. Mas para tal precisam afirmar posições, pois, se não falam em nome de alguma causa, alguma política e alguns valores, as vozes se perdem no burburinho das maledicências diárias”. 

Em sua avaliação, Fernando Henrique entendia que, no mundo contemporâneo, o caminho do entendimento político não se constrói apenas por partidos políticos, nem se limita ao jogo institucional. “Ele brota também da sociedade, de seus blogs, twitters, redes sociais, da mídia, das organizações da sociedade civil, enfim, é um processo coletivo”. E concluía: “Não existe apenas uma oposição, a da arena institucional; existem vários focos de oposição, nas várias dimensões da sociedade”. 

Àquela altura, não se podia prever o quanto o espaço público virtual seria dominado pelas fake news e pelos discursos de ódio, contribuindo para a polarização destrutiva da sociedade brasileira. A oposição que FHC sofreu na presidência foi implacável, mas não foi desleal à Constituição, que tem a democracia entre suas cláusulas pétreas. Diante das ameaças que surgiram no período mais recente, Fernando Henrique se uniu a antigos adversários para, mais uma vez, defender a democracia brasileira.

 

Leia também:

A amizade entre dois presidentes

O permanente conflito envolvendo a questão agrária

Um ajuste de contas com a história

Fernando Henrique chega ao Palácio do Planalto

Saiba mais:

Conheça o Acervo da Fundação FHC

Pesquise no Portal do Acervo

 

Este texto faz parte da série “FHC: Ação Política”. Por meio de textos, fotos, vídeos e documentos do Acervo da Fundação FHC, abordamos momentos e fatos marcantes da trajetória política e intelectual de Fernando Henrique Cardoso.

Márcio Pinheiro é jornalista com passagens pelo O Estado de S. Paulo, JB e Zero Hora. Autor do livro “Rato de Redação - Sig e A História do Pasquim" (Matrix, 2022).

 

Mais sobre FHC: Ação Política