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Acervo FHC e Ruth » FHC: Ação Política

Um compromisso com a estabilidade e a modernização

Para Fernando Henrique Cardoso, as privatizações não eram uma questão ideológica e sim uma necessidade para estabilizar e modernizar a economia e redefinir o papel do Estado

A privatização das empresas estatais foi um tema central durante os oito anos do governo Fernando Henrique. Entre 1995 e 2003, foram realizadas as maiores privatizações da história do Brasil. Ingressaram R$ 80 bilhões nos cofres públicos, em valores da época, correspondentes à venda de 125 empresas estatais (federais e estaduais). 

Não era uma proposta nova. Fazia parte de uma tendência global desde meados dos anos 80. No Brasil, as privatizações se haviam iniciado, timidamente, ainda no governo Sarney (1985-1990). No governo de Fernando Collor de Mello, de 1990 a 1992, se deu a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND).  Com o afastamento e o posterior impeachment do presidente, o programa ficou incompleto: das 68 estatais inicialmente incluídas, apenas 18 foram realmente privatizadas, nos setores siderúrgico e de fertilizantes. 

No governo seguinte, de Itamar Franco, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), um dos símbolos da industrialização do país, seria adquirida por um consórcio de empresas privadas liderado pelo empresário brasileiro Benjamin Steinbruch, do Grupo Vicunha. Entre 1990 e 1993, os setores de infraestrutura não foram incluídos no PND. A Constituição proibia. 

Maior acesso da população aos serviços

No governo de Fernando Henrique, as privatizações ganharam fôlego, com a estabilização da economia e as emendas constitucionais que abriram setores antes fechados ao investimento privado. Além de privatizar empresas estatais pertencentes à União, o governo federal apoiou governos estaduais na privatização de suas empresas.

O programa defendido pelo novo presidente buscava melhorar a produtividade da economia e ampliar o acesso da população a serviços, como, por exemplo, os de energia elétrica e de telefonia. As privatizações visaram também fechar ralos pelos quais escorriam recursos públicos que poderiam ser melhor empregados em outras funções do Estado. 

Elena Landau acompanhou o assunto de perto. Em setembro de 1993, ela ingressou no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para, logo em seguida, em janeiro de 1994, assumir a diretoria de privatizações do banco, cargo que manteve até junho de 1996. “O principal desafio enfrentado no início do processo foi explicar à sociedade a motivação e os benefícios que a privatização traria”, lembra ela, ressaltando que os benefícios não seriam percebidos de imediato.  

Diante das resistências, Elena destaca a importância da determinação do presidente: “Fernando Henrique já havia se conscientizado, primeiro como ministro da Fazenda e, logo depois, como presidente. Toda a resistência dos sindicatos e de parte do Congresso Nacional, eu só consegui enfrentar porque tive o apoio do presidente do BNDES, do ministro do Planejamento e, mais ainda, do presidente da República”.

Social-democrata, Fernando Henrique acreditava ser possível adotar uma posição intermediária entre os polos estatista e privatista. A privatização teria de vir acompanhada do fortalecimento da capacidade de regulação do Estado para que o monopólio público não fosse substituído pelo monopólio privado e a competição pudesse gerar benefícios para o cidadão. Daí a criação das agências reguladoras, com diretores eleitos por mandatos fixos, como a ANATEL, para o setor de telecomunicações, a ANEEL, para a energia elétrica, e a ANP, para petróleo e gás, todas elas criadas já no primeiro mandato de FHC. O presidente nunca cogitou privatizar a Petrobras ou os bancos públicos federais. 

FHC nega privatização da Petrobras e do BB - Reportagem do jornal Diário de Pernambuco - 4 de abril de 1999

Gestão estatal tornava a empresa menos competitiva 

A primeira privatização de grande impacto no governo FHC foi a da Companhia Vale do Rio Doce, em 1997. O governo decidira privatizar a Vale por considerar que a gestão estatal tornava a empresa menos competitiva. Além disso, o setor mineral, com exceção do urânio, que permaneceu sob o monopólio estatal, havia perdido o caráter “estratégico” que tivera no início da industrialização. 

Houve grande resistência. Até o presidente da CNBB à época, Dom Luciano Mendes de Almeida, se manifestou contrariamente à privatização da CVRD. Sindicatos e associações de geólogos se opuseram, alegando que o preço mínimo fixado para a venda da companhia não refletia o valor real de suas jazidas minerais. Houve uma guerra de liminares na tentativa de impedir o leilão, mas este finalmente ocorreu em 6 de maio de 1997. 

A CVRD acabou sendo arrematada por US$ 3,3 bilhões, com um ágio de 20% sobre o preço mínimo, pelo consórcio Brasil, liderado pela CSN e que incluía fundos de pensão de empresas estatais. A temida “desnacionalização” da Vale não ocorreu. 

Privatizada, a empresa passou a gerar mais empregos ao país e mais impostos ao Tesouro do que na época em que ainda era estatal. A privatização fez com que a Vale se tornasse uma das maiores empresas privadas do Brasil. “O caso da privatização da Vale é talvez o maior exemplo de extremo sucesso”, analisa Elena.

Má gestão e ingerência política 

No governo FHC, as privatizações alcançaram também o sistema financeiro. Houve a venda de vários bancos estaduais, como o Banerj, no Rio de Janeiro, e o Banespa, em São Paulo. Se em 1992, havia 32 instituições bancárias estaduais, hoje elas podem ser contadas nos dedos de uma mão. A decisão de privatizá-las se deu com base no diagnóstico de que elas eram mal geridas, sofriam interferência política e prejudicavam o controle das contas públicas. 

A maioria dos bancos estatais foi adquirida por bancos privados nacionais, como Bradesco e Itaú. O Santander foi o único banco estrangeiro que se consolidou no país na esteira das privatizações. A instituição financeira espanhola arrematou o Banespa por R$ 7 bilhões, pagando 281,02% acima do preço mínimo. 

Na telefonia, a maior transformação

A maior das transformações se deu nas telecomunicações. O governo queria atrair investimentos privados para modernizar um setor que passava por grandes mudanças tecnológicas no mundo todo. Isso se tornou possível com a aprovação de uma emenda constitucional que quebrou o monopólio estatal no setor, ainda no primeiro ano de governo.  

Nos anos seguintes, o governo fez concessões para atrair o capital para a telefonia celular e preparou a legislação para a privatização do sistema Telebrás. Ao final de julho de 1998, ocorreu a maior venda de empresas públicas ocorrida até então no país. Dividida em 12 blocos, compreendendo três empresas de telefonia fixa, oito de telefonia móvel e uma de longa distância, a Embratel, a Telebras foi à leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, sendo vendida por R$ 22 bilhões, um valor quase 65% maior do que o preço mínimo fixado para o leilão. Assim como a privatização da Vale, a venda da Telebras foi antecedida por uma batalha de liminares e motivou, nos arredores da Bolsa de Valores, confrontos entre a polícia e os manifestantes contrários à privatização.

FHC e Sergio Motta, Brasília (DF), 6 jun. 1995; foto: Domingos Tadeu

Hoje praticamente a totalidade dos municípios brasileiros conta com serviços de telefonia móvel e, na grande maioria, o usuário pode escolher entre pelo menos três operadoras. O número de celulares no país supera o número de habitantes. O telefone deixou de ser um bem escasso, acessível apenas a uma parcela minoritária da população. Sem a privatização, o acesso à internet não poderia ter avançado como avançou. Hoje ninguém nega – nem os opositores de então – que o processo foi um passo importante na direção certa.

Telesp vale R$ 3,52 bi e será a primeira leiloada - Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo - 11 de junho de 1998

Visite a exposição virtual do Acervo da Fundação FHC: Embate político e discussão pública: a privatização das telecomunicações no Brasil

O monopólio da Petrobras já não atendia mais os interesses nacionais  

A quebra do monopólio da Petrobras na exploração, refino, transporte e distribuição de petróleo e gás foi carregada de simbolismo. Nenhuma outra empresa estatal tinha (e tem) a mesma importância real e simbólica. Tanto assim que a emenda constitucional quebrando o monopólio da Petrobras só foi aprovada no Congresso depois que o presidente Fernando Henrique escreveu uma carta aos senadores assegurando que a empresa não seria privatizada. Nela, ele invocava a lembrança de seu pai, general e deputado Leônidas Cardoso, que havia sido uma das lideranças da campanha do “Petróleo é Nosso” que resultou na criação da Petrobras nos anos 50. Registrou que ele próprio havia participado daquela campanha. De fato, a companhia permaneceu sob controle estatal. A competição lhe fez bem. Entre 1995 e 2002, a produção de petróleo mais do que dobrou. Com a descoberta do pré-sal e os investimentos da Petrobras e empresas estrangeiras privadas e estatais, hoje o Brasil produz cinco vezes mais petróleo do que há trinta anos. 

Arrendamento de terminais portuários

No caso dos portos, não houve propriamente privatização, mas concessões para o setor privado, em particular de terminais portuários. A reforma institucional do setor se iniciou ainda no governo Itamar Franco, com a chamada nova Lei dos Portos. O programa de concessões deslanchou no governo FHC. A modernização resultante beneficiou portos em todas as regiões do país: Rio Grande-RS, Itajaí-SC, Paranaguá-PR, Santos-SP, Suape-PE etc.

Conforme destaca o consultor Frederico Bussinger, especialista em logística, os ganhos de eficiência e capacidade foram exponenciais, e os custos caíram, graças a pesados investimentos privados na mecanização, automação e ampliação da infraestrutura portuária. A movimentação de carga, segundo ele, passou a crescer “a taxas chinesas”. 

O crescimento vertiginoso das exportações do agronegócio nos últimos vinte anos não teria sido possível sem a reforma institucional do setor portuário feita nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. 

Um paradoxo e algumas explicações 

Em 1994, antes que Fernando Henrique assumisse o governo, uma pesquisa do Ibope indicou que 43% dos brasileiros eram a favor das privatizações e 34% eram contra. Quatro anos depois, em 1998, uma pesquisa da Latinobarómetro mostrou que metade dos brasileiros consideravam que as privatizações beneficiaram o país. O índice era superior à média dos países da América Latina, de 46%. O apoio às privatizações, no entanto, vem declinando. Pesquisa Datafolha realizada em março de 2023 mostra que os favoráveis às privatizações somam 38%, ao passo que os contrários atingem 45% dos entrevistados, sendo o restante indiferente.  

Quais as razões do paradoxo entre os resultados em geral positivos e a queda no apoio às privatizações? Pode-se pensar em três, pelo menos. Em primeiro lugar, a maioria das pessoas não tem memória viva do período anterior às privatizações. Em segundo, os serviços prestados ao consumidor – como fornecimento de energia elétrica e telecomunicações – não são perfeitos, embora bem melhores do que no passado, nem baratos, ainda que por razões que pouco ou nada têm a ver com as privatizações. Por fim, porque os adversários ideológicos das privatizações conseguiram criar um estigma. Na época do governo FHC, a oposição falava em “privataria”. A verdade, porém, é que o processo transcorreu dentro das regras do jogo, sem que jamais se tenha comprovado o favorecimento deste ou daquele grupo nos leilões realizados.

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Este texto faz parte da série “FHC: Ação Política”. Por meio de textos, fotos, vídeos e documentos do Acervo da Fundação FHC, abordamos momentos e fatos marcantes da trajetória política e intelectual de Fernando Henrique Cardoso.

Márcio Pinheiro é jornalista com passagens pelo O Estado de S. Paulo, JB e Zero Hora. Autor do livro “Rato de Redação - Sig e A História do Pasquim" (Matrix, 2022).

 

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