Debates
04 de agosto de 2020

O bolsonarismo está em crise? Efeitos da pandemia sobre a popularidade presidencial

Conversamos com dois especialistas em pesquisa de opinião: a socióloga Esther Solano e o economista Maurício Moura.

Pesquisas quantitativas feitas nas regiões mais pobres do interior do Brasil, principalmente no Nordeste, revelam que a popularidade do presidente Jair Bolsonaro depende hoje da transformação do auxílio emergencial provisório concedido durante a pandemia em renda permanente, o que representa um grande desafio fiscal para o governo no pós-pandemia.

Já pesquisas qualitativas mostram que, embora a gestão da pandemia seja hoje uma fraqueza de Bolsonaro – devido à percepção de que ele não fez tudo o que pôde para reduzir o impacto da Covid-19 e lhe faltou empatia com as dezenas de milhares de mortos e suas famílias – pode se tornar uma fortaleza, pois a população mais pobre vê o isolamento social como um privilégio dos mais ricos e o presidente sempre se posicionou favoravelmente à manutenção das atividades econômicas, mesmo contra o conselho de médicos, sanitaristas e cientistas.

Estas foram as principais conclusões deste webinar que reuniu dois especialistas em pesquisa de opinião: a socióloga Esther Solano, que vem realizando pesquisas qualitativas entre eleitores de Bolsonaro, e o economista Maurício Moura, fundador e presidente do IDEIA Big Data, o primeiro analista a prever a vitória de Bolsonaro em 2018.

“Oito em cada dez pesquisados no interior do Brasil acham que a ajuda emergencial é permanente e já faz parte de sua renda futura. No interior do Norte e Nordeste, esses R$ 600, valor quase três vezes superior ao da Bolsa Família, resultaram em um choque de renda e consumo inesperado. O resultado é que cerca de um terço da aprovação de Bolsonaro hoje vem das classes D e E dessas regiões, ainda que o auxílio tenha sido originalmente uma iniciativa do Congresso Nacional e não do governo federal”, explicou o economista Maurício Moura, pesquisador da Universidade George Washington (EUA). O auxílio emergencial de R$ 600 para a população de baixa renda foi aprovado por deputados e senadores no final de março deste ano; o governo havia proposto o valor de R$ 200 mensais.

“A dicotomia vida versus economia ecoou junto a esse eleitorado mais pobre, para quem Bolsonaro é visto como o presidente que deixou as pessoas saírem para trabalhar. Algumas acham que o auxílio emergencial foi autoria de Bolsonaro, outras sabem que a iniciativa partiu do Congresso, mas no fim é o governo que distribui o dinheiro e o impacto positivo em suas vidas se refletiu no aumento da popularidade presidencial”, disse a socióloga Esther Solano Gallego, espanhola radicada no Brasil, professora da Universidade Federal de São Paulo. 

Decisão de gastar

Moura e Solano concordam que Bolsonaro já tomou a decisão de gastar recursos da União para manter essa renda extra, pois sua popularidade futura depende disso. “Ou ele gasta ou se desgasta. A ideia da Renda Brasil (proposta em estudo de transformar diversos programas sociais do governo em uma renda mensal com valor mais elevado do que o Bolsa Família) se tornou central no pós-pandemia”, disse Moura. “Bolsonaro já tomou a decisão de destinar recursos aos mais pobres, que estão com muito medo do desemprego e da fome. Sua visita ao Nordeste no final de julho mostra isso claramente”, concordou Solano.

O Brasil enfrenta, no entanto, uma crise fiscal agravada pela pandemia e viabilizar essa renda permanente exigirá mudanças de rumo por parte da equipe econômica do ministro Paulo Guedes. “Guedes perde espaço no governo? Pode ser, mas Bolsonaro entendeu que essa é uma decisão crucial para seu futuro político. O ex-presidente Lula também apostou no Bolsa Família para se recuperar do desgaste causado pelo Mensalão”, afirmou o economista.

“Com a demissão do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, Bolsonaro perdeu os ‘lava jatistas’, que representavam parcela significativa do apoio junto à classe média. Pode perder também os ‘guedistas’, mas isso pode ser compensado por um apoio maior das camadas mais pobres, o que já vem acontecendo”, explicou a socióloga.

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Altos e baixos

Durante sua fala inicial, Moura fez um relato detalhado da evolução da popularidade presidencial desde a posse em janeiro de 2019 até o início da pandemia (assista à íntegra do webinar na seção Conteúdos Relacionados, à direita desta página). “Apesar dos altos e baixos daquele período, em março deste ano ele tinha entre 30 e 40 pontos percentuais de ótimo e bom, o que é significativo. A pandemia mudou tudo. Diferentemente da maioria dos chefes de Estado da Europa, Ásia, Oceania e mesmo da América do Sul, Bolsonaro não ganhou popularidade durante a pandemia, ao contrário, perdeu. A demissão de Moro em abril contribuiu para essa tendência e, na virada de maio para junho, ele tinha cerca de 25% de apoio. Desde então, houve uma recuperação para algo em torno de 30% a 35% por causa do auxílio emergencial”, disse.

‘Presidente erra, mas é sincero’

Segundo Solano, as pesquisas qualitativas junto ao eleitorado bolsonarista mostram que existe um cansaço diante do comportamento agressivo e da falta de decoro presidencial. “Na campanha, falas mais virulentas são toleráveis, mas durante o governo a percepção é de que ele deveria respeitar o ritual do cargo. A demissão de dois ministros da Saúde em poucas semanas reforçou a ideia de que Bolsonaro não tolera quem o contradiz”, disse.

Denúncias de corrupção ou críticas ao comportamento dos três filhos políticos do presidente têm prejudicado a imagem do pai, que é visto como excessivamente “protetor de moleques atrevidos e irresponsáveis”. Entretanto, especialmente para a população mais pobre, o presidente tem a qualidade de ser autêntico. “Por mais que erre e às vezes seja infantil ou descontrolado, sua autenticidade permanece como um bastião para aqueles que têm uma avaliação positiva. A sinceridade tem uma potência simbólica forte e é algo difícil de desconstruir”, explicou Solano.

Ainda segundo a pesquisadora, mesmo entre os arrependidos de terem votado em Bolsonaro em 2018 a sensação de desencanto com a política continua forte e essa “orfandade política” pode levá-los a votar novamente no presidente em 2022 “porque não há outra alternativa”.

Fundamentos do bolsonarismo

De acordo com Solano, alguns fundamentos do bolsonarismo tendem a se manter firmes até as próximas eleições presidenciais, quando o presidente buscará a reeleição. São eles: o voto antissistêmico (negação da política, vista como corrupta); a defesa de valores morais e religiosos, especialmente forte entre os evangélicos (“nem sempre concordo com Bolsonaro, mas ele é um homem de fé e vai defender a família”) e a militarização da esfera pública (“a democracia pode resultar em caos em vez de ordem, segurança e disciplina”).

“Bolsonaro teve êxito ao levar temas comportamentais e morais para o centro da política e das conversas em família, principalmente as que são adeptas das religiões pentecostais e neopentecostais. Conseguiu demonizar o PT como sendo contra a família, favorável à sexualização precoce das crianças e defensor de pautas identitárias como os direitos LGBT. Ainda que Bolsonaro tenha decepcionado as mulheres evangélicas, por não ter defendido o valor da vida durante a pandemia, ele ainda é mais próximo a esse universo religioso do que a esquerda”, relatou a socióloga.

Segundo Solano, esse grupo populacional é contrário à violência contra a mulher e favorável à igualdade entre os sexos no mercado de trabalho, mas é contra o feminismo, visto como elitista (“coisa de intelectual”). Defende o respeito aos homossexuais, mas teme que a pauta LGBT destrua a família. “Existe uma rejeição brutal às pautas identitárias e a esquerda errou ao não levar a sério as pautas morais conservadoras. Se quiser mudar isso, vai ter de colocar a mão na massa”, disse.

“Não dá mais para vencer eleição no Brasil sem dialogar com os evangélicos, que estão se tornando cada vez mais numerosos, principalmente nas periferias das grandes cidades, e são cada mais ativos politicamente”, concordou Mauricio Moura.

Se as perspectivas do PT em 2022 são complicadas, as do PSDB também não são nada fáceis. “Vai ser difícil para o PSDB se descolar do que é visto como um sistema político que não deu certo. O governador João Doria (que almeja ser o candidato presidencial do partido) até ficou mais conhecido no resto do país durante a pandemia e é visto como um político educado que fala bem. Mas é muito identificado com o Estado de São Paulo e isso é tudo o que o Brasil não quer”, disse o pesquisador. Moura lembrou que Bolsonaro está sem partido (desde que deixou o PSL): “Se o presidente da República pode governar sem partido, para que servem eles? É esta a mensagem que ele passa.” 

Economia dominará sucessão 

Para ambos os palestrantes, a economia será o tema mais relevante na campanha presidencial de 2022. “Se em 2018 os brasileiros estavam indignados com a corrupção, em 2022 estarão desesperados com o desemprego e a falta de renda. Bolsonaro poderá até terceirizar parte da culpa para governadores e prefeitos, mas terá de juntar os cacos da recessão econômica resultante da pandemia e ver o que pode fazer daqui para frente”, afirmou Moura. “Medo e desespero são os afetos fundamentais que definirão o resultado das eleições de 2022”, concordou Solano.

Ao serem questionados sobre qual seria o perfil ideal de candidato para vencer daqui a dois anos, ambos disseram haver espaço para um candidato que seja ao mesmo tempo crítico ao PT e a Bolsonaro. “Antes da pandemia, Bolsonaro era o favorito e agora, embora menos, ainda tem chance. Um candidato que seja ao mesmo tempo anti-bolsonarista e antipetista pode ter ressonância”, disse Moura.

“Uma terceira via entre PT e Bolsonaro pode ser um elemento disruptivo, pois as pessoas querem estabilidade econômica e moderação política. Uma pauta mais liberal com sensibilidade social e proteção aos mais pobres pode ser bem sucedida. Outro aspecto importante é a defesa da família e dos valores tradicionais”, concluiu Solano.

 

Otávio Dias, jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. Atualmente é editor de conteúdo da Fundação FHC.