No teatro da política: campanhas eleitorais e democracia (Ato 3)

Era imprescindível a mudança da Constituição no país que vislumbrara a democracia com a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Vigorava a Carta decretada em 1967 pelo regime militar. Ela não admitia eleições diretas para a Presidência da República, centralizava o poder em Brasília, restringia o exercício de direitos civis e políticos e não assegurava direitos sociais.

A ideia de uma Assembleia Nacional Constituinte vinha de longe. Em 1971, ainda no auge da ditadura, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) havia levantado timidamente essa bandeira. Nos anos seguintes, a abertura política avançou, com o crescimento da votação do MDB nas eleições legislativas e, em 1982, a eleição direta de governadores da oposição nos principais estados do país. Mas a nova Constituição só viria em 1988.

Em 1986 o mundo desportivo fervilhava com a Copa do Mundo do futebol masculino, ocorrida no México. Enquanto a Argentina apresentava Maradona e ganhava o campeonato, o Brasil foi cedo eliminado pela França e ainda purgava os efeitos da crise econômica herdada dos anos 1970. O Plano Cruzado, lançado pelo governo José Sarney, tentou diminuir o índice de 200% de inflação ao mês. Foram congelados preços e salários, o cruzado substituiu o cruzeiro e foram reduzidas as taxas de juros. Inicialmente o Plano obteve sucesso. Nesse ano, Fernando Henrique Cardoso entrou na campanha para senador constituinte e terminou vitorioso, com mais de 6 milhões de votos.

Santinho da campanha de 1986 de FHC para o senado com a tabela da Copa do Mundo do México

Nos anos 1970, o artista plástico Juarez Machado atuava no popular quadro de mímica do Fantástico, programa de domingo à noite da Rede Globo. No vídeo que estrelou para a campanha de Fernando Henrique Cardoso, ele dialogava com um país que precisava mudar: o voto era a chave.

Trecho da entrevista de Fernando Henrique Cardoso para o diário popular no caderno das eleições, em 7 de setembro de 1986

FHC entrou na campanha de 1986 como político, distanciando-se da imagem de intelectual, desconstruída nos pleitos anteriores. O alinhamento com colegas de peso, como Franco Montoro, mostrou o amadurecimento dessa sua faceta. No entanto, as eleições para senador constituinte precisavam do professor e FHC incorporou uma personagem, que na verdade, nunca havia se descolado de todo de sua pessoa.

Naquele ano, a eleição direta para o governo estadual eclipsou a campanha dos senadores constituintes. Chamar a atenção da mídia e da população para os candidatos ao Senado foi o maior desafio para os aspirantes ao Legislativo. A campanha de FHC usou um tom didático para explicar ao eleitorado a importância da Constituinte.

Franco Montoro e FHC. São Paulo (SP), 1986.

A derrota para Jânio Quadros na campanha para a Prefeitura por uma pequena porcentagem de votos comprovou a consolidação de FHC no imaginário paulista. O outro lado da moeda foi lidar com o rastro da desqualificação que a máquina de propaganda do adversário havia plantado.

Para o pleito de 1986 era de suma importância neutralizar essas alegações, sobretudo para atrair o eleitorado mais conservador do interior do Estado. A defesa da democracia e a importância da Assembleia Nacional Constituinte foram as pedras de toque. Outro ponto foi a profissionalização da campanha, mais preparada para rebater críticas, como as acusações de ateísmo. Em programa de rádio, o candidato falou de seus laços com a Igreja Católica.

Programa radiofônico de Fernando Henrique Cardoso na campanha eleitoral de 1986

As campanhas eleitorais foram parte essencial da redemocratização do Brasil. Participando delas, como candidato, Fernando Henrique Cardoso se projetou na política nacional. Sua primeira experiência para o Senado, em 1978, foi feita “a muitas mãos”, voluntárias em sua maioria, entusiasmadas com o intelectual público que se arriscava na política. Em seguida, na corrida para a prefeitura da maior cidade do país, se adensou o político. Na jornada para o Senado em 1986, começou a despontar o líder de alcance nacional.

A trajetória dos pleitos mostra o retorno à democracia. A eleição de 1978, sob a Lei Falcão, pôs FHC em contato direto com os eleitores. A eleição para o Executivo municipal obrigou-o a se colocar como aspirante a gestor. E a de 1986 o forçou a competir pela atenção do eleitorado com políticos de estatura nacional.

Tudo isso culminou na Assembleia Nacional Constituinte, na qual FHC desempenhou um papel importante como relator do regimento e sub-relator da poderosa Comissão de Sistematização, responsável por dar método às propostas aprovadas nas subcomissões e organizar o anteprojeto de Constituição.

1. AGÊNCIA SENADO. Constituições brasileiras. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/constituicoes-brasileiras. Acesso em: 1 jul. 2023.
2. AGÊNCIA SENADO. Campanha pela Constituinte começou na década de 70. Brasília, DF, 2003. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2003/10/08/campanha-pela-constituinte-comecou-na-decada-de-70. Acesso em: 1 jul. 2023.
3. CARDOSO, Fernando Henrique. Democracia para mudar: Fernando Henrique Cardoso em 30 horas de entrevistas. Organização de José Augusto Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. 108 p. (Documentos da Democracia Brasileira, 4).
4. CARDOSO, Fernando Henrique. O presidente segundo o sociólogo: entrevista de Fernando Henrique Cardoso a Roberto Pompeu de Toledo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 366 p. ISBN 8571647690.
5. CARDOSO, Fernando Henrique. A arte da política: a história que vivi. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 699 p. ISBN 852000735X.
6. CARDOSO, Fernando Henrique. Um intelectual na política: memórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. 315 p., il., fotos. ISBN 9786559210671.
7. FUNDAÇÃO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO (FFHC). Direitos Humanos e Justiça – Parte IV. Youtube, 1 de jul. 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4bBZxhm8kZE. Acesso em: 1 jul. 2023.
8. FUNDAÇÃO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO (FFHC). 30 anos da Constituição: a copa da democracia. Youtube, 21 de out. 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=v48TwUZ64GA. Acesso em: 1 jul. 2023.
9. LIMONGI, Fernando; MESQUITA, Lara. Estratégia partidária e preferência dos eleitores: as eleições municipais em São Paulo entre 1985 e 2004. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 81, p. 49-67, jul. 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/RpFhg5LhSnhrjM6PtWYXtFm/abstract/?lang=pt#. Acesso em: 1 jul. 2023.
   MEMÓRIA GLOBO. Juarez Machado. Rio de Janeiro, 22 de fev. 2022, 23:04. Disponível em: https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/jornalismo-e-
   telejornais/fantastico/quadros/noticia/juarez-machado.ghtml. Acesso em: 1 jul. 2023.
10. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DO BRASIL (STF). Histórias da Constituinte – Fernando Henrique Cardoso. Youtube, 29 de nov. 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pS23YRQz4Hw. Acesso em: 1 jul. 2023.

Ficha técnica

Concepção:

Grifo Projetos e Fundação FHC

Curadoria e desenvolvimento:

Alexandre de Almeida, Jéssica de Almeida, Laura Mollo, Mariana Popperl, Silvana Goulart

Pesquisa:

Alexandre de Almeida, Jéssica Almeida, Laura Mollo e Mariana Popperl

Depoimentos:

Eduardo Graeff, Gilda Portugal Gouvea e Marie Worms

Textos:

Alexandre de Almeida, Laura Mollo e Mariana Popperl

Edição:

Silvana Goulart

Identidade visual, tratamento de imagens:

Sintrópika

Agradecimentos:

Eduardo Graeff, Gilda Portugal Gouvea, Isabel Penz, Marie Worms, Renata Bassetto, Sergio Fausto.