Memórias Políticas: FHC e as Diretas Já!

Esta exposição mostra aspectos da luta pelo voto direto para a presidência da República, nos anos 1980, na vigência do regime militar, em meio à busca pela redemocratização do País, que havia começado na década anterior. A resistência à ditadura revelava novos atores que viriam a estar no centro da vida pública no século 20 e no seguinte. Um deles era Fernando Henrique Cardoso, intelectual engajado, sociólogo e pesquisador, professor que, expulso da universidade pública, fora para o exílio. Sua voz e suas ideias eram amplificadas pela presença como colunista político na grande imprensa e pela adesão ao MDB, partido de oposição.

A Fundação que tem o seu nome quer lembrar esse período a partir do pensamento e argumentação de Fernando Henrique pelos jornais, no calor dos acontecimentos. E pelas avaliações posteriores feitas a frio, depois da experiência como presidente, recolhidas em depoimento ao nosso projeto de história oral. Documentos de outros arquivos e entidades significativas se somaram aos registros do acervo da Fundação FHC.

A voz de FHC será o fio condutor da narrativa que inclui eventos com a participação de lideranças políticas, intelectuais e artísticas e dos cidadãos que desafiaram a ditadura nas ruas, apesar das ameaças de represália. Carregada de emoção, essa memória diz respeito a estratégias políticas coletivas para contornar barreiras legais, mas também à coragem individual de algumas pessoas. “Diretas Já” foi o brado de um país farto da ditadura e ávido por viver em democracia.

Sobre a exposição

Esta exposição mostra aspectos da luta pelo voto direto para a presidência da República, nos anos 1980, na vigência do regime militar, em meio à busca pela redemocratização do País, que havia começado na década anterior. A resistência à ditadura revelava novos atores que viriam a estar no centro da vida pública no século 20 e no seguinte. Um deles era Fernando Henrique Cardoso, intelectual engajado, sociólogo e pesquisador, professor que, expulso da universidade pública, fora para o exílio. Sua voz e suas ideias eram amplificadas pela presença como colunista político na grande imprensa e pela adesão ao MDB, partido de oposição.

A Fundação que tem o seu nome quer lembrar esse período a partir do pensamento e argumentação de Fernando Henrique pelos jornais, no calor dos acontecimentos. E pelas avaliações posteriores feitas a frio, depois da experiência como presidente, recolhidas em depoimento ao nosso projeto de história oral. Documentos de outros arquivos e entidades significativas se somaram aos registros do acervo da Fundação FHC.

A voz de FHC será o fio condutor da narrativa que inclui eventos com a participação de lideranças políticas, intelectuais e artísticas e dos cidadãos que desafiaram a ditadura nas ruas, apesar das ameaças de represália. Carregada de emoção, essa memória diz respeito a estratégias políticas coletivas para contornar barreiras legais, mas também à coragem individual de algumas pessoas. “Diretas Já!” foi o brado de um país farto da ditadura e ávido por viver em democracia.

Prólogo

A transição para a democracia no Brasil foi lenta. Começou em 1974, com a redução gradual da repressão. O regime autoritário pretendia manter a transição sob seu controle. As forças de oposição queriam acelerá-la e tomar as rédeas do processo. Nas eleições para o Congresso, em 1974 e 1978, a oposição aumentou a sua bancada na Câmara e no Senado, mas sem conquistar a maioria. Em outubro de 1978, o regime militar revogou o AI-5 e em agosto de 1979 foi sancionada a Lei da Anistia, atos que criaram as bases para um ambiente de menor medo e maior esperança na luta pela redemocratização completa do país.


Artigo de Fernando Henrique Cardoso intitulado “A saída civil”, sobre a conjuntura política da época e a necessidade de eleições diretas. Folha de S. Paulo, São Paulo, 10 set. 1978. Acervo Pres. F. H. Cardoso.

O início da década de 1980 foi marcado pela crise econômica e pelo crescimento das mobilizações de protesto, abrangendo diferentes setores da sociedade. Realizadas em 1982, as eleições diretas para governador representaram um marco. Com governadores eleitos nos principais estados, a oposição colocou o governo autoritário na defensiva. Nesse contexto, tomou forma um movimento político pela retomada das eleições diretas para a presidência, proibidas desde o golpe de 1964. Em 1983, houve dois comícios relativamente pequenos. O movimento ganharia fôlego no ano seguinte, impulsionado pelo maior partido da oposição, o PMDB. Todos os partidos e forças da oposição (sindicatos e associações da sociedade civil) se unificaram em torno da divisa Diretas Já e da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional n. 5, apresentada pelo deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT). 

O movimento ganhou as ruas, e grandes comícios foram realizados nas principais cidades do País. Embora a Emenda Dante de Oliveira não tenha sido aprovada, por não obter os votos suficientes no Congresso, as Diretas Já! abriram o caminho para que o regime autoritário fosse definitivamente derrotado. Em janeiro de 1985, o candidato da oposição, Tancredo Neves (PMDB-MG), venceu o candidato do governo, Paulo Maluf (PDS-SP) no Colégio Eleitoral. O regime autoritário sofreu sua derrota definitiva pelo voto indireto, dentro das regras do jogo que havia criado para se perpetuar no poder. O movimento Diretas Já! levou a melhor ao final. A Constituição de 1988 incluiu o voto direto para a presidência entre suas cláusulas pétreas, e o Brasil desde então tem obedecido à vontade livre e soberana do seu povo na eleição para o máximo cargo político da nação.

Uma trilha sonora

Do samba ao punk rock algumas canções expressaram o desejo da sociedade pela redemocratização, depois de duas décadas de regime autoritário. Elas embalaram as mobilizações populares em várias cidades brasileiras. Feita especialmente para o momento, o “Menestrel das Alagoas”, de autoria de Milton Nascimento e Fernando Brant, cantava a coragem de Teotônio Vilela.

Político alagoano e apoiador do golpe de 1964, Vilela rompeu com o regime autoritário e ficou conhecido por defender a anistia ampla, geral e irrestrita para os oposicionistas ao regime militar. Morto em novembro de 1983, vítima de câncer, ele se tornou um símbolo da luta pela redemocratização, em geral, e do movimento Diretas Já!, em particular.

Na foto: Teotônio Vilela. (S.l.:S.d.).  Acervo Instituto Teotônio Vilela.

 

Cidadania: mostra a sua cara!

A expectativa de que o Congresso Nacional aprovaria a Emenda Dante de Oliveira gerou mobilização popular. O clima político era, ao mesmo tempo, de esperança e de temor quanto a uma eventual reviravolta autoritária.

Nesta seção FHC relembra alguns episódios do processo, como a conturbada aliança entre as forças oposicionistas, o início de sua participação no movimento e o surpreendente e massivo apoio de diversos setores da sociedade.

 

Cartazes de divulgação dos comícios do movimento Diretas Já!. Acervo Instituto Ulysses Guimarães.

 

Dante de Oliveira

Aqui, apresentamos alguns trechos da entrevista com Dante de Oliveira, cedida em 2004 à revista comemorativa de 20 anos do movimento Diretas Já! do Instituto Teotônio Vilela:

“[…] Em 1982 eu fiz a campanha pra deputado federal e durante a campanha eu fiz muito debate […] abordava a necessidade de derrubarmos a ditadura e votarmos para presidente da República, eu sentia que a população respondia com mais força, respondia com mais veemência, aplausos mais fortes. E aquilo foi me marcando. Quando eu me elegi deputado, eu falei: eu vou apresentar uma emenda restabelecendo as eleições diretas para presidente da República.  […] Peguei o papai, papai é advogado, […] aí ele redigiu a emenda e eu saí atrás das assinaturas […].”

“Quando chegou em junho de 1983, depois de muito insistir […] conseguimos fazer um comício dia 16 de junho, em Goiânia. Esse foi o primeiro. Ulysses foi, de lá voltou entusiasmado: ‘Essa coisa vai pegar, tem tudo pra pegar…’ Compareceram umas oito mil pessoas. E nós, jovens, muito intempestivos, queríamos botar o bloco na rua.”

“Bem, teve todo esse movimento maravilhoso, depois teve a votação, eu chorei, todo mundo chorou, o país chorou… a emenda não passou. Mas pra mim isso não foi uma derrota, a gente imaginou na hora que foi, mas no fundo foi uma campanha maravilhosa, porque assim acabou a ditadura.”

Comício do Partido dos Trabalhadores. São Paulo (SP), 1983. Crédito: Autoria desconhecida. Acervo: Centro Sérgio Buarque de Holanda/Fundação Perseu Abramo.

A vaia que não houve

Antes da formação da frente suprapartidária em defesa da Emenda Dante de Oliveira, o PT organizou comícios próprios, e pouco conciliadores com os demais partidos oposicionistas, como o realizado em frente ao Estádio do Pacaembu, em 1983.

“[…] Bom, eu fui representar o MDB nesse comício do PT que era ali no Pacaembu [Estádio Municipal]. Era um comício pequeno e eles vaiavam todo mundo que não era do PT. Eu não fui vaiado porque, infelizmente, eu fui lá para anunciar a morte do senador Teotônio Vilela, o que comoveu – escapei da vaia […].”

Franco Montoro e FHC, 1983. Crédito: Sonia Morgenstern Russo. Acervo Pres. F. H. Cardoso.

A teimosia cívica de Franco Montoro

O PMDB era a maior agremiação partidária e encabeçou o movimento Diretas Já!. Fundado em 1966, vigência do bipartidarismo imposto pela ditadura, o MDB era o partido da oposição consentida pelo regime. A partir da segunda metade dos anos 70, o partido assumiu uma oposição cada vez mais autêntica ao autoritarismo. Isso implicou “colocar o partido na rua”, embora tal ideia não fosse unanimidade.

“[…] Eu era na ocasião presidente do diretório de São Paulo, então [Franco Montoro] me chamou para dizer que precisava fazer uma manifestação. Eu reuni a executiva estadual do diretório na casa da deputada Ruth Escobar […] ali no Pacaembu. E a imensa maioria, aliás, todos do diretório, se manifestou contrária, sob o fundamento de que não haveria clima, e que não havendo clima, ia ser um fracasso e para quê fazer o comício. 

Então eu fui ao Montoro e disse: ‘Olha, o pessoal, o partido, não acha oportuno’. O Montoro era uma pessoa determinada – ele era teimoso, quando se fixava numa ideia, ele não arredava o pé. Então, ele insistiu na ideia. E começamos a negociar com outros partidos, para ver se algum… ninguém queria, não havia clima. Mas o Montoro resolveu fazer o comício, ele era o governador, ‘faz porque faz, porque faz’ […].”

O povo na praça

“[…] E fomos convocados para o dia 25 de janeiro de 1984. Bem, 25 de janeiro, aqui em São Paulo, é o aniversário da USP [Universidade de São Paulo], da fundação da USP, e havia uma solenidade na USP, e eu como professor da USP, embora naquela altura estava afastado, não, tinha sido reintegrado, mas estava aposentado.

Fui com o Montoro para a USP, para o salão nobre para uma solenidade. Quando estou lá, toca o telefone, era o José Gregori, que na época era deputado estadual. Ele me disse: ‘Olhe, venham aqui para a praça da Sé, que está uma enxurrada de gente e nós não conseguimos saber o que vai acontecer, conter esse pessoal aqui’. E eu e o Montoro fomos para a praça da Sé. A praça da Sé estava inundada de gente e começou a chover, até. E lá não tínhamos alto-falantes com a cobertura suficiente para o número de pessoas que estavam lá, nós não imaginávamos que fosse ter tanta gente na praça da Sé […].”   

Comício das Diretas Já!, na Praça da Sé. São Paulo (SP), 1984. Acervo Jornal Movimento/Arquivo Público do Estado de São
Paulo.

Política e cultura se encontram

“[…] Essa foi a época em que realmente a mobilização se dava na sociedade. Era muito importante ter os grandes artistas de televisão, os cantores, as pessoas de expressão cultural presentes no comício, e eles estavam lá, eu não me lembro exatamente quem estava nesse dia da praça da Sé, mas no conjunto.”

“[…] A Fafá era uma espécie de ícone, ela ia lá, ela cantava. […] Cantava o Hino Nacional, ela simbolizava isso muito fortemente. […] O Chico Buarque participava às vezes, a Regina Duarte.”

“O Osmar Santos era simbólico também, era grande locutor de futebol, popular, ele que anunciava tudo, enfim, isso mostra também simbolicamente como era o movimento da sociedade. Essa participação de artistas foi também importante depois eleitoralmente, depois foi esmaecendo, as próprias televisões acabam proibindo, […] mas houve um momento em que havia muita vinculação entre a vida política e a vida cultural e social. Então, nas Diretas Já, o palanque era um, tinha essa representação.”

Apoio à candidatura de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral

Apesar de não aprovada, a Emenda Dante de Oliveira foi um momento crucial na história política, um marco na transição para a democracia plena. Seu impacto foi sentido ao longo dos anos seguintes por ter influenciado o curso dos acontecimentos políticos e fortalecido a consciência democrática da sociedade.

Nessa seção, FHC trata do esforço para evitar a ruptura entre os partidos políticos, para manter o apoio à candidatura de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. A meta era evitar a vitória de Paulo Maluf, candidato governista.

 


Comício em prol da eleição de Tancredo Neves para presidente da República. São Paulo (SP), dez. 1984. Acervo Pres. F. H. Cardoso.

Reunião com Luiz Inácio Lula da Silva em apoiamento à candidatura de FHC ao Senado . São Paulo (SP), 1978. Acervo Pres. F. H. Cardoso.

Frente ampla e a dissidência do PT

“Essa era a grande discussão política na época. […] Vamos manter uma frente unida para derrubar a ditadura ou vamos fazer partidos já? Bom, eu fiquei no MDB ainda, e depois no PMDB, porque eu era favorável a fazer uma frente para derrubar a ditadura. O PT rompeu, fez o partido, não topou ficar na mesma frente, e o Brizola tinha uma visão também diferente […].” 

“[…] Então, ele quis fazer o PTB. E o Golbery tinha preparado essas jogadas, a essa altura já não era mais Golbery, mas de qualquer maneira tinha preparado, anteriormente, para pulverizar a oposição. Então, eles deram força aos novos partidos, especialmente a dois, ao PT e ao PP, que era o partido do Magalhães Pinto e do Setúbal.

Maluf nunca mais

“A partir daí, toda a discussão se deslocou. Nós perdemos a votação, perdemos ganhando, não conseguimos dois terços, mas tivemos a maioria. Então, você tem que refazer os cálculos políticos […] Aí houve novamente divisão. Havia os que disseram: ‘Não, é só Diretas’ […].” 

“[…] Bem, e havia outros, eu me incluo entre os outros, que dizia o seguinte: ‘Esse só Diretas vai dar Maluf, quer dizer, o resultado dessa posição é que o governo vai fazer o sucessor, era o Andreazza  [Mário] ou o Maluf, eu achava que ia dar o Maluf. Bom, e nós temos a maioria, hoje, nós sabíamos que podíamos ter a maioria, tínhamos tido, então por que dar a chance do governo segurar mais cinco, seis anos o poder com esta gente, ao invés de nós entrarmos no poder?’ […].”

Entre Montoro e Ulysses, vai Tancredo

“[…] Quer dizer, o Montoro não reivindicou pra ele a candidatura porque ele achou que o Tancredo tinha mais chance do que ele no Congresso [Nacional]. Então, ele teve a grandeza e a compreensão de apoiar o Tancredo, e mesmo o Ulysses, que podia, e era de fato, historicamente, por gratidão devia ser o Ulysses, mas não dava, o Ulysses ia perder, era muito mais difícil obter apoios para o Ulysses no Congresso do que para o Tancredo, exatamente porque o Ulysses tinha sido um grande lutador. A história é cruel, não é? A virtude do Ulysses levava a inviabilizar o Ulysses.”

Comício em prol da campanha Tancredo Já!. São Paulo (SP), 1984. Acervo Pres. F. H. Cardoso.

“[…] O Ulysses era uma pessoa de frases duras, tinha capacidade de ir duro em cima, mas ele não era, ele era uma pessoa negociadora, negociador no bom sentido, ele viu como o caminho possível, mas ele também sabia dar fisgada, e ele foi muito importante na manutenção do espírito de altivez diante do regime militar. Aquela fotografia dele com os cachorros, lá na Bahia, o Ulysses era uma pessoa de coragem, ele foi anticandidato várias vezes, isso é muito interessante, ele se lançava para perder, para nem ir ao Colégio Eleitoral, ia só pra marcar posição, só.”

VER PDF

Entrevista de Fernando Henrique Cardoso intitulada "Primeiro limpar o entulho autoritário", sobre os desafios da Nova República. O Estado de S. Paulo, São Paulo (SP), 27 jan. 1985. 6 p. Entrevista concedida a Lourenço Dantas Mota. Acervo Pres. F. H. Cardoso.

Epílogo

A eleição da chapa de Tancredo Neves com José Sarney para vice-presidente foi um marco na história da democracia brasileira, apesar do episódio não ter representado o fim da tutela militar. Vigorava ainda a Constituição de 1967 e as eleições presidenciais seguintes seriam decididas no Colégio Eleitoral. Nesse sentido, a atuação dos congressistas democratas foi decisiva para alterar os dispositivos constitucionais apelidados de “entulho autoritário”.

Em relação ao restabelecimento das eleições diretas para presidente da República e seu vice, destacam-se como marcos legais a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional n.25, de maio, e o Projeto de Lei, de novembro, ambos de 1985. O final do processo ocorreu com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, que consolidou como cláusula pétrea o voto direto, secreto, universal e periódico.

Ficha técnica

Concepção

Fundação FHC e Grifo Projetos

Pesquisa e textos

Alexandre de Almeida

Jéssica Almeida

Sarah Pontes

Foto de abertura

Acervo Orlando Brito

Acervos consultados

Acervo Orlando Brito

Acervo do Senado Federal

Arquivo Público do Estado de São Paulo – APESP

Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil –  CPDOC

Centro Sérgio Buarque de Holanda/Fundação Perseu Abramo

Instituto Teotônio Vilela

Instituto Ulysses Guimarães

Edição de texto

Sergio Fausto

Silvana Goulart

Revisão

Alessandra Siedschlag

Montagem

Sintrópika

Identidade visual

Sintrópika