Dois Acervos, Dois Olhares: os objetos de FHC e Ema Klabin

Dois Acervos, Dois Olhares:
os objetos de FHC e Ema Klabin

Esta exposição propõe exibir os acervos da Fundação FHC e do Museu Casa Ema Klabin. Mais especificamente, um recorte desses dois conjuntos, para apreciarmos e para apresentar suas similaridades e diferenças. São objetos que falam das trajetórias de vida dos colecionadores e estão sob a guarda de instituições que funcionam a partir de lógicas de dois campos do conhecimento – a museologia e a arquivologia. 

Museus e arquivos são centros de difusão do saber, espaços onde se fazem a coleta, a preservação e a transmissão de patrimônios culturais e que têm, entre si, laços de parentesco. Mas eles não são iguais. Os museus reúnem documentos a partir de um processo seletivo, por meio de aquisições, de acordo com uma linha temática. Os arquivos reúnem documentos produzidos e acumulados por uma pessoa ou entidade, depositados ao longo do tempo, e por meio deles se comprovam as funções da vida de quem os acumulou. 

As duas instituições representadas nesta exposição detêm conjuntos de documentos. Fernando Henrique Cardoso acumulou presentes recebidos como homenagem na vida pública, e sua Fundação trata e divulga esses objetos como itens de arquivo. Ema Klabin adquiriu objetos ao longo de sua vida e formou uma coleção em sua Casa, tratando-os como peças de museu.

Museus e arquivos têm diferentes perspectivas no tratamento de documentos, de acordo com a lógica de cada área. Esta exposição vai exibir a beleza e as peculiaridades dos objetos e mostrar a especificidade dos olhares em relação a eles.

Duas trajetórias

Quem são Fernando Henrique Cardoso e Ema Klabin?

Ema Klabin e Fernando Henrique Cardoso têm vários pontos em comum: eles vêm de famílias com forte inserção social – a dela, ligada à indústria, e a dele, à política – e ambos acumularam objetos representativos de suas posições. Mas tinham intenções distintas: o acervo de Ema é eminentemente pessoal e reflete seu desejo de usar e colecionar peças artesanais e industriais que exibem um gosto refinado e são testemunho da cultura material em momentos de culminância, além de ela ter possuído obras de arte únicas. Já o acervo de Fernando Henrique reflete a trajetória de um homem público e tem caráter funcional, pois foi acumulado como testemunho das relações de um presidente com a nação que representa. O acervo presidencial formou-se de fora para dentro, sendo constituído pelos itens presenteados a uma pessoa investida de um cargo eletivo, e não pode ser disperso pois pertence à sociedade.

Ema Gordon Klabin

Ema Gordon Klabin (1907 – 1994) era a filha do meio do casal Hessel e Fanny Klabin, imigrantes vindos de Želva, Lituânia, para o Brasil, na última década do século XIX. Sua infância e juventude foram divididas por longas temporadas de estudo na Europa (Alemanha e Suíça), alternadas por estadias no Brasil, onde Ema seguia seus estudos com professores particulares.

Após a morte de seu pai, em 1946, Ema assumiu o posto dele como sócia-gerente na empresa familiar e, nas décadas seguintes, deu início à formação de sua coleção de arte, construindo uma nova casa, no Jardim Europa, para abrigá-la. Tornou-se uma das grandes anfitriãs da cidade, e por sua casa passaram personalidades de destaque do mundo da política, dos negócios e das artes.

Grande apreciadora de música e de arte, leitora voraz e frequentadora de concertos e exposições em museus e galerias, Ema teve também uma relevante atuação na vida cultural da cidade. Dentre as atividades filantrópicas, sua atuação mais significativa foi a contribuição para a criação do Hospital Israelita Albert Einstein.

Ema Klabin veio a falecer no dia 27 de janeiro de 1994, dois dias após ter completado 87 anos. Sua coleção e os ricos ambientes por ela criados permanecem como um vivo testemunho de uma personalidade ímpar e dos momentos históricos que ela presenciou ao longo da vida.

Fernando Henrique Cardoso

Fernando Henrique Cardoso nasceu no Rio de Janeiro em 1931, em uma influente família de militares, muitos com funções públicas. Formou-se em Sociologia na Universidade de São Paulo (USP), onde se tornou professor e obteve os graus de doutor e livre docente. Engajado nas lutas pela modernização da universidade, sofreu ameaças após o golpe de 1964 e se exilou no Chile e na França nos anos seguintes. De volta ao Brasil, teve seus direitos políticos cassados, mas firmou-se como pesquisador e lecionou em diversas universidades estrangeiras. Escreveu livros que foram traduzidos em outras línguas, foi articulista de jornais e revistas acadêmicas.

Coordenou, em 1974, a elaboração da plataforma eleitoral do então único partido de oposição ao regime militar, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), concorrendo ao Senado por São Paulo e assumindo a cadeira em 1983. Reelegeu-se senador, participou da elaboração da Constituição de 1988 e da campanha das Diretas Já, que resultou no fim do regime militar.

Em 1993, sob o governo de Itamar Franco, assumiu o Ministério da Fazenda em um período de exacerbação inflacionária. Contando com um time de economistas de peso, implantou um plano de estabilização, que culminou com a entrada em circulação de uma nova moeda, o Real, em julho de 1994. 

Candidatou-se à Presidência da República, foi eleito em 1995 e se reelegeu para um segundo mandato, findo em 2002. Nesse papel, manteve a estabilização econômica, projetou o país no exterior e consolidou a democracia brasileira.

Casa Museu Ema Klabin

Ema Klabin formou, ao longo de sua vida, uma grande coleção de caráter panorâmico, indissociável dos ambientes que construiu para abrigá-la e de sua casa, com o desejo de cercar-se dos objetos que admirava desde a juventude e que traduziam sua própria personalidade. Múltiplos tempos da história da arte estão nela representados, entre um bronze arcaico chinês do século XIV a.C. e uma gravura brasileira da década de 1980, em um conjunto que contém exemplares das mais variadas procedências e técnicas. Seu denominador comum é o período da vida de Ema Klabin e o julgamento estético e histórico que norteou suas escolhas, no âmbito de uma cultura feminina.

No final de sua vida, Ema decidiu criar uma fundação cultural destinada a preservar o conjunto reunido, que porta inúmeros signos, materiais e imateriais, que por sua vez permitem a construção de diversas narrativas e abordagens. Não se trata apenas de compreender cada objeto exclusivamente do ponto de vista do momento de sua criação, mas também de buscar todos os significados que a ele foram atribuídos ao longo do tempo, inserindo-o assim na história do colecionismo. Ao incluir, ainda, objetos de uso pessoal ou destinados ao funcionamento da casa, a Casa Museu Ema Klabin preserva um importante registro histórico dos modos de viver da elite paulistana na segunda metade do século XX.

Fundação FHC

O acervo de Fernando Henrique Cardoso é regulado pela lei dos arquivos presidenciais (n. 8.394, de 1991), que trata da preservação e do acesso dos documentos produzidos e recebidos pelos presidentes da República. Conforme a legislação federal, tais arquivos, apesar de privados, têm interesse público e devem ser disponibilizados à Nação; sob tal premissa se constituiu a Fundação custodiadora desse patrimônio, no ano de 2004. 

Cardoso, nos seus dois mandatos (1995 a 2002), cumpriu uma intensa agenda de política externa e colocou a diplomacia presidencial na vertente das visitas de chefes de Estado. Elas envolvem o cerimonial do Ministério das Relações Exteriores, e as trocas de presentes privilegiam itens com função simbólica, a partir de uma estratégia diplomática e sob as bênçãos do protocolo. Aí está em jogo a representatividade cultural que espelha a jornada civilizatória dos respectivos países. 

Parte dos objetos aqui exibidos são presentes oficiais ofertados por presidentes, ministros, embaixadores, altos funcionários de instituições governamentais e do Poder Legislativo. Há também objetos ofertados sem protocolo, como homenagens espontâneas de cidadãos: funcionários de entidades públicas, de instituições privadas, empresas, sindicatos, associações e anônimos. Todo esse conjunto possibilita estabelecer relações entre os que presenteiam e aquele que recebe.

A invenção da caneta esferográfica

Esta caneta com as iniciais de Hessel Klabin é um objeto de afeto que Ema guardou por toda a vida como recordação do pai. Além disso, é uma peça rara, o primeiro modelo de caneta esferográfica a ser produzido com sucesso pelo inventor húngaro László József Bíró, que havia emigrado para a Argentina durante a Segunda Guerra Mundial. Ao final da guerra, Bíró vendeu a patente de suas canetas esferográficas ao barão Marcel Bich, que criou a caneta Bic, sucesso de vendas até hoje. Bíró não foi, contudo, esquecido: em muitos países, é pelo nome dele que as canetas esferográficas são conhecidas até hoje.

 

M-1610. Caneta esferográfica “Birome”. Bíró & Meyne. Argentina, década de 1940. Metal com banho de ouro, 12,5 x 1,5 cm.

Objetos com história

O conjunto de caneta e lapiseira Parker 51, acondicionado em estojo de metal revestido em couro, tem história. Foi presenteado ao Presidente Getúlio Vargas por trabalhadores do Belenzinho, que deixaram inscrita a data da homenagem: “São Paulo, 31-1-1951”. Passou para o general Augusto do Espírito Santo Cardoso, ministro da Guerra de Vargas em 1932, tio-avô de FHC, que por sua vez o doou ao filho, Ciro do Espírito Santo Cardoso, também ministro da Guerra de Getúlio entre 1952 e 1954. Fernando Henrique a recebeu das mãos do primo Ciro e com esse artefato assinou a posse como Presidente do Brasil em 1995.

Caneta-tinteiro e lapiseira Parker 51. Atividade: Homenagem prestada a FHC pelo general Ciro do Espírito Santo Cardoso (ministro da Guerra 1952-1954). Brasília, 1995.

Planejamento e requinte

Em sua casa, Ema Klabin adotou os hábitos da elite paulistana de seu tempo, promovendo almoços e jantares conhecidos pela sofisticação. Embora o serviço fosse sempre à francesa, adotou um padrão inglês de disposição de mesa e reuniu um extenso conjunto de porcelanas, cristais e prataria, com peças que, apesar de utilizadas com frequência, eram itens raros de coleção. Este porta-cardápio vitoriano é um exemplo disso, e ela própria escrevia os menus de cada refeição em cartões específicos, que depois guardava como lembrança da ocasião.

M-1361. Porta-cardápio (par). Kendal & W.B. Inglaterra, Birmingham, 1886. Prata martelada e cinzelada,14,1 x 9,3 x 0,5 cm.

Cerimonial da realeza

Este cardápio não foi feito em papel, e a ornamentação colorida remete à heráldica, com símbolos, brasões e fachadas de edifícios. É o modelo adotado pela monarquia inglesa para ocasiões cerimoniais – neste caso, um banquete oferecido pela Prefeitura de Londres em comemoração ao cinquentenário do fim da Segunda Guerra Mundial, evento ao qual compareceu Fernando Henrique Cardoso, representando o Brasil. A peça exibida traz impressa, em tecido de poliéster com franjas e borlas douradas, o menu da refeição e a música executada no evento.

Cardápio. Atividade: Aniversário (50 anos) do fim da Segunda Guerra Mundial, comemorado com banquete pela Prefeitura de Londres, 6 maio 1995.

Klabin, irmãos & Cia

Este simples chaveiro é um dos muitos produzidos ao longo dos anos com o objetivo de promover a empresa familiar junto aos seus clientes e fornecedores. Ema guardou vários exemplares de épocas distintas e os utilizava para as chaves de sua própria casa. Curiosamente, esse conjunto acaba sendo um registro histórico da evolução do logotipo da Klabin antes da adoção do atual, desenhado por Alexandre Wollner, um dos mais importantes designers gráficos do país.

M-1606 Chaveiro. Autoria desconhecida. Brasil, São Paulo, década de 1960. Metal e esmalte. Sobre fundo azul, apresenta os dizeres em relevo: “Klabin Irmãos & CIA”, além da logomarca. No verso: “Papel / Papelão ondulado / Azulejos e pisos”.

Dois chaveiros, dois contextos

O primeiro artefato, de esmalte e metal, cumpre a função de souvenir, termo que significa “memória” em francês, pois estampa uma representação da Grande Muralha e foi ofertado ao presidente, em 12 de dezembro de 1995, no início do primeiro mandato, quando ele esteve na China, primeiro país visitado na Ásia.

Chaveiro, China, 1995. Atividade: Homenagem prestada a FHC por ocasião de visita à Grande Muralha. Pequim (China), 12 dez. 1995.

O chaveiro, de metal e plástico, foi produzido no contexto das eleições presidenciais de 1998 e traz o número do candidato a ser lembrado para preencher a cédula no dia da votação. Ele é um dos itens de um conjunto de objetos de campanha, como niqueleiras, bótons, flâmulas, camisetas e bonés, distribuídos pelo PSDB ao eleitorado.

Chaveiro, São Paulo, 1998. Atividade: eleições presidenciais de FHC. S.l., 1998.

As moiras e o destino

Este relógio de parede em estilo Régence (1715-1723) é atribuído à oficina de André-Charles Boulle (1642-1732), famoso pela técnica de marchetaria em metal e materiais nobres que desenvolveu e nomeou. Possui uma rica decoração em bronze dourado com diversas figuras femininas da mitologia grega: na parte central, temos as três deusas do destino, ou moiras: à esquerda, Cloto segura o fuso e fia a linha da vida; à direita, Láquesis mede e enrola o fio, determinando o destino de cada um; ao centro, Átropos aguarda para cortá-lo, encerrando o ciclo.

M-0139. Relógio de parede. Jacob Boucheret (ativo entre 1680-1722), maquinário; André-Charles Boulle (1642-1732), caixa. França, Paris, c. 1710-1720. Madeira, lâminas de tartaruga, bronze dourado, vidro, porcelana, pigmento azul e metal, 99,5 x 48,5 x 23,7 cm.

Tempo & dinheiro

Este relógio, oferecido durante um café da manhã em Washington D.C., não poderia ser mais simbólico. Representa a Golden Gate, ponte que cruza a Baía de São Francisco, um dos maiores portos de carga dos Estados Unidos. Foi ofertado ao chefe da nação brasileira e a presidentes de empresas estadunidenses pelo Bank of America, em 1996, em um encontro comercial. A peça surpreende pelo inusitado do relógio encaixado na miniatura da ponte: uma relação entre os negócios e seu timing?

Relógio, Estados Unidos, 1996. Atividade: Homenagem prestada a FHC em café da manhã com presidentes de empresas estadunidenses, pelo Bank of America. Washington D.C., 11 mar. 1996.

Orgulho asiático

Um dos núcleos mais importantes da Coleção Ema Klabin é aquele formado por peças asiáticas de diversas épocas, majoritariamente chinesas, com destaque para um raro conjunto de figuras funerárias da dinastia Tang (618–907) em cerâmica de três cores (sancai). Originalmente feitas para uso ritual funerário, essas peças depois se tornaram itens de decoração valorizados em todo o mundo e passaram a ser produzidas em larga escala para exportação. Este cavalo da coleção, produzido no século XX como cópia de um modelo antigo, é um exemplo disso e de como a cerâmica está profundamente ligada à identidade nacional chinesa.

M-0661. Figura de cavalo. Autoria desconhecida. China, século XX. Cerâmica pintada a frio, 27,7 x 29,0 x 15,8 cm.

Estatueta com tradição

Em 2002, ao final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, o embaixador da China no Brasil, Wan Yongxiang, o presenteou com a estatueta em forma de cavalo, aludindo à trajetória política do líder, marcada por estabilidade e abertura internacional. O suporte é a porcelana, uma das expressões culturais mais antigas do país, e que exerceu influência cultural decisiva tanto na Ásia quanto no Ocidente.

Estatueta, China, 2002. Atividade: Homenagem prestada a FHC por Wan Yongxiang (embaixador da China). Brasília (DF), 2002.

Para decorar e impressionar

Durante muito tempo, a fórmula para a produção da porcelana permaneceu um segredo dos chineses, que já criavam delicadas peças nesse material desde o início da dinastia Song (960–1279). Na Europa, a manufatura de Meissen, com o apoio de Augusto II, o Forte, foi pioneira na produção de porcelana verdadeira e logo teve grande destaque pela criação de estatuetas que se tornaram extremamente populares para a decoração de ambientes. Esta carruagem real da coleção (c. 1910), que já decorava a casa dos pais de Ema, é um belo exemplo dessa sofisticada produção alemã, que aproveita ao máximo o fino detalhamento permitido pelo material.

M-0976. Figura de carruagem real. Antiga manufatura de porcelanas de Volkstedt. Alemanha, Volkstedt – Rudolstadt, c. 1910. Porcelana policromada e dourada, metal, 35,5 x 89,7 x 22,5 cm.

A perfeição da filigrana

A filigrana de prata é um marco significativo do artesanato peruano por preservar tradições e técnicas muito antigas, constituindo um patrimônio do país. A miniatura da carruagem, trabalhada como joia, foi oferecida pelo presidente Alberto Fujimori em 20 de julho de 1999, um presente que expressa o refinamento artesanal da cultura andina e a qualidade do metal extraído no Peru.

Carruagem (miniatura), Peru, 1999. Atividade: Homenagem prestada a FHC por Alberto Fujimori (presidente do Peru). Lima, 20 jul. 1999.

Flores de lótus

Produzido no século XVI, durante a dinastia Ming (1368-1644), este vaso do tipo “Hu”, decorado com flores de lótus e folhagens em esmalte cloisonné, era originalmente destinado a guardar vinho. Com um corpo em formato de pera apoiado em um pedestal amplo, seu formato deriva dos vasos rituais arcaicos de bronze das dinastias Zhou (c. 1050 – 221 a.C.) e Han (206 a.C. – 220 d.C.). A peça, adquirida em 1955, foi adaptada para uso como abajur e colocada na entrada do quarto de Ema Klabin.

M-0690. Vaso. Autoria desconhecida. China, século XVI. Metal e esmalte, 38 x 27 cm (diâm.).

O dragão e a fênix

O vaso de metal foi oferecido ao presidente por Li Changjiang, ministro da Defesa Agropecuária da China, durante uma visita à Brasília, presumidamente em 2002. O artefato apresenta duas figuras míticas, o pássaro vermelho, identificado com a fênix, e o dragão verde, dualidades que se complementam e representam harmonia, equilíbrio e poder imperial.

 

Vaso, China, 2002. Atividade: Homenagem prestada a FHC por Li Changjiang, ministro da Defesa Agropecuária da China, em audiência concedida. Brasília (DF), 9 ago. 2002.

Diana caçadora

Esta peça de gosto clássico, em alabastro esculpido, integrava um par que originalmente pertencia à residência dos pais de Ema, no bairro de Santa Cecília. É decorada com uma figura da deusa Diana, da mitologia romana, pela qual a colecionadora nutria um apreço especial, pois se identificava com seu espírito de independência e coragem. Não à toa, a obra favorita de Ema da coleção era o Retrato de dama como Diana Caçadora, pintura italiana de Pompeo Batoni, do século XVIII.

M-1590. Ânfora. Autoria desconhecida. Local desconhecido, século XIX – XX. Alabastro esculpido, 65,0 x 29,0 x 24,5 cm.

Estética húngara

O presidente da Hungria Árpád Göncz homenageou FHC com esta ânfora de porcelana, em uma troca de presentes ocorrida em Brasília, no mês de abril de 1997. Esses vasos ovoides, com alças simétricas, têm forma e funções idênticas desde o Neolítico. A peça ofertada não tem nada de rústico, e sim atesta a excelência das manufaturas húngaras, estabelecidas no século XVIII. Elas produziram utilitários de luxo, famosos na Europa pelos padrões característicos de ornamentação, expressos nas cores e desenhos aplicados.

Ânfora, Hungria, 1997. Atividade: Homenagem prestada a FHC por Árpád Göncz (presidente da Hungria). Brasília (DF), 3 abr. 1977.

Objets de vertu

A categoria dos chamados objets de vertu possui longa tradição no colecionismo europeu. Compreende peças produzidas de forma artesanal a partir de materiais raros e preciosos, englobando desde peças de ourivesaria – como relicários, caixas, tabaqueiras, frascos de perfume e rapé – até instrumentos de precisão ou científicos. Com o passar do tempo, peças de marfim, jade e cristal de rocha produzidos por culturas não europeias também foram avidamente colecionadas. Exemplo disso é esta caixa chinesa do século XIX, decorada com figuras de ratos, símbolos de inteligência, prosperidade e vitalidade na cultura chinesa.

M-0305. Caixa. Autoria desconhecida. China, século XIX. Marfim esculpido e ébano, 9,4 x 13,1 x 11,7 cm.

Pela democracia, pela inclusão

Esta caixa de estanho foi ofertada em uma audiência com a delegação de parlamentares do Inter-American Dialogue, think tank formado por líderes globais, instituições parceiras e mais de 100 membros influentes, unidos pela missão de preservar a democracia e promover a inclusão social. FHC teve uma relação de destaque com a entidade pela longa parceria e pela contribuição política e intelectual, sobretudo quanto à visão de integração regional, política externa e desafios socioeconômicos das Américas. O objeto traz na tampa uma imagem em relevo da Casa Branca, símbolo da capital estadunidense, próxima à sede da IAD, em Washington.

 

Caixa, Brasília, 2000. Atividade: Homenagem prestada a FHC pela delegação de parlamentares do Inter-American Dialogue. Brasília, 19 jan. 2000.

Candelabro

A partir da década de 1930, Hessel Klabin, possivelmente orientado pelo gosto de sua filha, passou a adquirir diversas peças de prataria portuguesa e brasileira para decorar sua casa, comprando bandejas, medalhões, jogos de chá, jarras e candelabros – como este, para cinco velas, produzido em 1936 por Antônio Rodrigues da Costa em São Paulo. Mais tarde, interessada por peças mais antigas e valiosas, Ema viria a reunir em sua coleção um importante conjunto de prataria europeia e luso-brasileira.

M-1264. Candelabro. Antônio Rodrigues da Costa. Brasil, São Paulo, 1936. Prata fundida e cinzelada, 52,8 x 34,7 x 34,7 cm.

Menorah

O candelabro de oito braços que ladeiam a estrela de Davi, um dos mais conhecidos símbolos do judaísmo, foi oferecido a FHC pela Congregação Israelita Paulista (CIP) no aniversário de 60 anos da instituição, em 1996. O evento marcou a concessão do título de sócio honorário da entidade ao presidente, pelo compromisso com a democracia e o respeito ao pluralismo religioso, racial, cultural e político.

Candelabro, São Paulo, 1996. Atividade: Aniversário da Congregação Israelita Paulista (CIP); Jantar oferecido a FHC pela instituição. São Paulo (SP), 6 out. 1996.

Cristal da Boêmia

O cristal é um tipo específico de vidro desenvolvido a partir do século XV em Veneza, com a adição de potássio, chumbo ou cálcio ao quartzo. Com maior dureza e leveza que o vidro comum, o cristal logo foi adotado por toda a Europa, especialmente na região da Boêmia, de onde vem esta taça, adquirida por Ema em 1937, durante sua última viagem à Europa antes da Segunda Guerra Mundial.

 

M-1456. Taça para champanhe. Manufatura Ludwig Moser & Filhos. Tchéquia, Karlovy Vary, c. 1937. Cristal lapidado e gravado, 12,4 x 10,1 cm (diâm.)

Tradição alemã

O aniversário de 500 anos do Brasil, em 2000, foi comemorado em vários eventos e locais do país. FHC foi homenageado nessa data com um par de taças produzido pela Cristais Hering, indústria tradicional de Blumenau, hoje fora de atividade. Datas cívicas muitas vezes se materializaram em presentes ao presidente, pela representatividade de seu cargo.

Taças (par), Blumenau (SC), 2000. Atividade: Homenagem prestada a FHC pelo aniversário de 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil, pela fábrica de Cristais Hering. Brasília (DF), 2000.

 

 

Paisagens inglesas

Entre os diversos conjuntos de porcelana que Ema adquiriu para uso em seus famosos jantares, encontra-se este prato, parte de um conjunto em que cada prato foi pintado à mão, pelo artista Percy H. Simpson, com paisagens típicas do norte da Inglaterra e da Escócia. A manufatura de Coalport, fundada em 1796, é uma das mais antigas a produzir porcelana no Reino Unido.

M-0872. Prato raso. Coalport Porcelain Works; Percy Simpson. Inglaterra, Coalport, 1910-1920. Porcelana dourada e policromada, 2,5 x 23 cm (diâm.)

A águia e a América

O prato com o qual o presidente foi homenageado foi feito para ser exposto, pois estampa um brasão com a representação de um pássaro, emoldurado por uma solene douração. A águia, símbolo nacional dos Estados Unidos, representa força, liberdade e poder, valores cultivados pelo país. A peça foi oferecida pela Câmara dos Representantes do Congresso, que atua com o Senado compondo o Poder Legislativo estadunidense.

 

Prato, Estados Unidos, 2002. Atividade: Homenagem prestada a FHC pela Câmara dos Representantes (House of Representatives) do Congresso. Estados Unidos, out. 2002.

Uvas em prata

Esta jarra decorada com parreiras e cachos de uva provavelmente nunca foi utilizada na casa de Ema Klabin para servir bebidas. Como tantas outras peças da coleção, era um objeto decorativo para ser exibido, especialmente pela qualidade de sua manufatura em prata forjada, martelada e cinzelada.

M-1269. Jarra. Antônio Rodrigues da Costa. São Paulo, 1936. Prata forjada, martelada e cinzelada, 22,5 x 24,5 x 17,2 cm.

Retrato de um país rural

O presente protocolar foi ofertado a FHC pelo presidente do Paraguai, Luis Ángel González Macchi, na 16ª Reunião do Conselho do Mercado Comum do Sul (Mercosul), na cidade de Assunção, em junho de 1999. A jarra de prata é decorada com folhas em alto-relevo, e no centro há uma paisagem bucólica: uma carroça puxada por bois, uma árvore em segundo plano e o nome do país encimando o desenho. 

Jarra, Paraguai, 1999. Atividade: Homenagem prestada a FHC por Luis Ángel González Macchi (presidente do Paraguai). Assunção, 15 jun. 1999.

Para o cafezinho

Este samovar, produzido na década de 1930 pela Reis Filhos Joalheiros, da cidade de Porto, foi bastante utilizado por Ema Klabin em sua casa. Contudo, em vez de funcionar apenas para aquecer a água para o chá – função tradicional de um samovar –, ele era destinado ao serviço de café quando havia um número grande de convidados.

 

M-1248. Samovar. Reis Filhos Joalheiros. Portugal, Porto, década de 1930. Prata fundida, martelada e cinzelada, 52,5 x 31 x 26,5 cm.

A Rússia e sua tradução

Chaleira metálica de origem russa, o samovar é usado para aquecer e ferver água, objeto tradicionalmente associado à cultura russa e, por extensão, a outras regiões da Europa Oriental, Central e da Ásia. O modelo ofertado pelo embaixador da Rússia no Brasil, Iossif Podrajanets, em audiência concedida no Distrito Federal, é um equipamento popular e onipresente no cotidiano.

Samovar, Rússia, 1995. Atividade: homenagem prestada a FHC por Iossif Podrajanets, embaixador da Rússia no Brasil, em audiência concedida pelo presidente. Brasília (DF), 14 jun. 1995.

Chinoiserie

Além de sua função prática, este tinteiro era um elemento decorativo importante, que refletia o gosto da época em que foi criado. Feito de bronze, ormolu e madrepérola, possui uma decoração em estilo asiático, ou chinoiserie, típica do rococó, com figuras de aves que remetem às penas que eram então utilizadas para a escrita.

 

M-0003 Tinteiro-escrivaninha. Autoria desconhecida. França, século XVIII. Bronze, ormolu e madrepérola, 9,8 x 39,7 x 28,8 cm.

Tinta solene

Nos anos 1990, o presidente argentino Carlos Menem presenteou Fernando Henrique Cardoso com um tinteiro de prata. O termo remete a argentum, palavra latina que designa o metal nobre, elemento simbólico da identidade nacional argentina. A peça é investida da aura da escrita e sobressaem a elegância do desenho e seu valor material. Ela remete a assinaturas de acordos diplomáticos e comerciais que viriam a se consolidar no Mercosul.

 

Tinteiro, Argentina, 1995 (data presumida). Atividade: Homenagem prestada a FHC por Carlos Menem (presidente da Argentina). S.l, s.d.

Elegância no dia a dia

Itens de luxo, estes elaborados abridores de envelope ou espátulas tinham, originalmente, mais funções: eram também utilizados para abrir as páginas de livros não encadernados ou para cortar e dobrar folhas de papel. Este exemplar de prata brasileira é decorado com uma pequena figura de um monumento e folhagens estilizadas. 

 

 

 

M-1247. Abridor de envelope. A. Costa. Brasil, São Paulo, século XX. Prata cinzelada, 21,6 x 1,6 cm.

Abridores de livro

A espátula foi um presente protocolar de Vicente Fox Quesada, presidente do México, que alude ao hábito de leitura de quem procura a sabedoria nos livros. Com design elegante, ela fala também da prata de alta qualidade extraída naquele país.

A outra peça foi oferecida pelo presidente do Chile Patricio Aylwin, também como presente protocolar na década de 1990. Ela carrega uma camada complementar de significado, pois no topo da espátula estão inscritos o nome e as datas do mandato daquele que sucedeu o ditador Augusto Pinochet.

Espátula, México, 2000. Atividade: Homenagem prestada a FHC por Vicente Fox Quesada (presidente do México). Brasília (DF), 9 ago. 2000.

Espátula, Chile, 2000. Atividade: Homenagem prestada a FHC por Patricio Aylwin (presidente do Chile). S.l, s.d.

Souvenir

Na época em que Ema Klabin viveu, o consumo de cigarros, charutos e cachimbos era socialmente mais aceito. Dessa forma, havia sempre uma grande quantidade de cinzeiros de diversos tipos espalhados por todos os ambientes de sua casa. Este pequeno cinzeiro, em forma de tamanco, é provavelmente um souvenir de viagem.

 

M-1094. Cinzeiro. Autoria desconhecida. Países Baixos (?), século XX. Prata cinzelada, 4,2 x 10,9 x 3,8 cm.

No Tukanistão

O cinzeiro recebido em 1998 dos grão-mestres da maçonaria Grande Oriente do Brasil imita o perfil do tucano, ave marcante da fauna brasileira. Representado em azul e amarelo, cores da campanha pelas eleições diretas, tornou-se símbolo do PSDB, o Partido da Social da Democracia Brasileira, criado por Fernando Henrique Cardoso e por egressos do MDB, partido de oposição ao governo militar. O perfil de madeira resume o reconhecimento à trajetória política desse grupo e busca reforçar laços institucionais com o presidente pela valorização da mascote de seu partido.

 

Cinzeiro (tucano), Brasília, 1998. Atividade: Homenagem prestada a FHC pelos grão-mestres da maçonaria Grande Oriente do Brasil (GOB) em audiência concedida pelo presidente. Brasília (DF), 23 jun. 1998.

Delicadeza em marfim

Durante muito tempo, peças de marfim esculpido foram avidamente buscadas por colecionadores. Estas peças de xadrez, feitas na China para exportação, são um bom exemplo dessa produção minuciosamente elaborada. Na base, possuem uma “bola de Cantão”, espécie de quebra-cabeças em que o desafio era alinhar as aberturas das bolas concêntricas esculpidas em uma única peça de marfim.

M-0329 e M-0330 Peças de jogo de xadrez. Autoria desconhecida. China, século XVIII. Marfim esculpido, 9,2 x 4,0 x 3,2 cm cada.

Jogo que vem do Fogo

O xadrez é um jogo de estratégia que representa o combate interior na luta pelo equilíbrio entre o entusiasmo e o controle. Presente significativo para um chefe de Estado, foi oferecido pelo argentino José Arturo Estabillo, governador da Terra do Fogo, Antártida e Ilhas do Atlântico Sul, na 14ª Reunião do Mercosul, à qual compareceram seis presidentes latino-americanos. As peças, produzidas pelo escultor Antonino Pilello, representam as etnias originárias da Terra do Fogo: os Yámana, comunidade de canoeiros e nômades do mar que viviam ao sul, e os Selk’nam ou Onas, caçadores que viviam ao norte.

 

Jogo de xadrez, Ushuaia (Argentina), 1998. Atividade: Homenagem prestada a FHC na Cumbre de Jefes de Estado del Mercosur (14) por José Arturo Estabillo (governador da Terra do Fogo, Antártida e Ilhas do Atlântico Sul, Argentina. Ushuaia, 23 jul. 1998.

A memória

Dois modos de cuidar da memória

Museus e arquivos têm diferentes formas de olhar e descrever objetos, mas as duas instituições têm em comum a vocação maior de preservar a memória pessoal e coletiva.

Objetos têm funções intrínsecas: uma taça serve para beber, um prato para comer, um bibelô para enfeitar, um castiçal para portar velas. Mas não só, pois atribuímos aos objetos outros sentidos. Uma caneta não é apenas mais um instrumento de escrita depois de ter passado por Getúlio Vargas e ter sido usada para assinar a posse de outro presidente. Assim como um valioso prato de porcelana de produção extremamente complexa, de propriedade inicial desconhecida, pode nunca ter sido utilizado de fato, mas integra uma coleção como símbolo de técnica apurada e sofisticação, servindo para atestar o conhecimento e a riqueza de quem o possui e para conectar simbolicamente pontos distintos da história.

Depois [de tocar a mão] do convívio com o humano, o objeto conquista o status de documento, por comprovar ações e atividades. Os objetos guardam marcas de épocas, lugares, modos de ser, fazer e viver, ficando investidos de uma função testemunhal: não nasceram com um tal atributo, mas as funções simbólicas que adquirem os transformam em portadores de histórias da sociedade.

O olhar da museologia

A abordagem das pesquisas em um museu-casa de colecionador tem suas especificidades. Não se trata apenas de compreender cada objeto exclusivamente do ponto de vista do momento de sua criação, mas também de buscar todos os significados que a ele foram atribuídos ao longo do tempo, ou seja, inserindo-o na história do colecionismo. A coleção, como conjunto fechado, porta inúmeros signos, materiais e imateriais, possibilitando a construção de diversas narrativas, em uma abordagem multidisciplinar. Tais narrativas sempre buscam dar conta dessas diversas camadas de significados e, ao mesmo tempo, refletir sobre a relevância que esses objetos podem ter no tempo presente.

O olhar da arquivologia

Os objetos acumulados por uma pessoa comprovam interesses, o cumprimento de funções e a prática de atividades, sendo por isso investidos de uma função de prova em relação a uma trajetória de vida. Como arquivos são conjuntos de itens inter-relacionados, alguns documentos explicam outros, evidenciando os motivos da acumulação dos objetos, comumente não considerados como documentos de arquivo. No acervo Pres. F. H. Cardoso, os objetos têm comprovada a sua proveniência e agregam à sua função primeira outros significados ligados à compreensão do que se oferece a um homem público, ao conhecimento da cultura material humana e ao prazer estético que proporcionam.

 

Ficha técnica

Concepção
Fundação FHC, Grifo Projetos, Casa Museu Ema Klabin

Pesquisa e textos
Gabriely Momesso
Laura Mollo
Paulo de Freitas Costa
Renata Bassetto de Oliveira
Sarah Pontes
Silvana Goulart

Edição de texto
Paulo de Freitas Costa
Silvana Goulart

Revisão
Mariana Delfini

Montagem
Sintrópika

Identidade visual
Sintrópika