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Debates

Reforma tributária: mudança abrangente ou estratégica?

/ auditório da Fundação FHC


“O custo político de uma reforma fatiada - e incompleta - pode ser tão grande quanto o de uma reforma ampla."

Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal

“Prefiro reformas estratégicas, pois, ao enviarmos uma proposta de emenda constitucional ao Congresso, não sabemos o que vai acontecer. Pela minha experiência, piora."

Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal

Uma reforma abrangente, que implique em alterações constitucionais e um período longo de transição entre o antigo e o novo modelo, ou diversas pequenas reformas de caráter estratégico, focando em problemas específicos? Esta foi a principal divergência entre os participantes do seminário “A difícil reforma tributária: desafios políticos, conceituais e práticos”, que reuniu Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal (Governo FHC) e Bernard Appy, ex-secretário de Política Econômica (Governo Lula), na Fundação FHC.

Para Appy, que dirige hoje o Centro de Cidadania Fiscal, um think tank independente que tem como objetivo contribuir para a simplificação do sistema tributário brasileiro, um bom sistema tributário, além de arrecadar, deve ser “simples, neutro, transparente e justo”. “O sistema brasileiro não tem nenhuma dessas características”, afirmou.

Segundo o economista, a agenda de reformas do modelo brasileiro é ampla e envolve diversas áreas:

- Tributos sobre bens e serviços: agenda mais importante para a produtividade e a redução das tensões federativas;

- Tributos sobre a renda: agenda distributiva;

- Tributos sobre a folha de pagamentos: formalização;

- Regimes simplificados: correção de distorções;

- Processo administrativo fiscal (e relação fisco/contribuinte): segurança jurídica.

Em sua fala, ele focou principalmente no primeiro item, ao propor a substituição dos cinco impostos sobre bens e serviços existentes hoje no país (IPI, ICMS, ISS e PIS/Cofins) por apenas um imposto sobre o valor adicionado (IVA). “A ideia é substituir cinco impostos ruins por um imposto bom, sobre o consumo”, disse.

“Dá para melhorar o sistema? Sim, mas não dá para manter o sistema atual. O problema é estrutural e só vai piorar com a nova economia”, disse, salientando que uma eventual mudança exigiria reformas constitucionais, com aprovação de três quintos dos votos de deputados e senadores.

A proposta elaborada pelo Centro de Cidadania Fiscal (veja detalhes, incluindo a agenda distributiva, na seção Conteúdos Relacionados, à direita desta página) prevê um período de transição de até dez anos para os cidadãos/consumidores e até 50 anos no que diz respeito à repartição dos impostos entre a União, os Estados e os municípios. “A proposta do CCiF não é um modelo fechado, mas uma contribuição ao debate”, disse. 

       ‘Nunca foi prioridade presidencial’

Segundo Appy, uma reforma tão abrangente como a sugerida só teria chance de passar se for prioridade do(a) próximo(a) presidente da República. “É fundamental que o ou a presidente coloque seu capital político para aprovar uma mudança mais abrangente, pois, se ficar como está, o Brasil estará fora do parâmetro produtivo da nova economia mundial”, afirmou.

Ele citou a Índia como exemplo de país que realizou recentemente uma ampla reforma tributária: “Virou prioridade do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. Quando ele era governador, era contra várias das mudanças realizadas, mas depois que se tornou premiê (em 2014) liderou a reforma, que aparentemente melhorou o ambiente de negócios.”

       ‘Processo permanente’

Segundo Everardo Maciel, “a reforma tributária não é um evento, mas um processo permanente com diversos eventos relevantes”. Segundo e ex-secretário da Receita Federal (1995-2002), um “modelo de tributação ótimo é uma ficção”, assim como não existe “um paradigma tributário, pois cada sistema é modelado por circunstâncias locais e históricas”.

Ele disse não acreditar na “transposição acrítica de modelos tributários (de outros países)” e alertou para os riscos de uma reforma tributária de “caráter aventureiro, que cause exacerbação de conflitos e resulte em impasse”, pelos motivos citados abaixo:

- Possibilidade de introdução de normas inconvenientes ou inadequadas, em virtude da ação de lobbies (no Congresso);

- Efeitos imprevisíveis na arrecadação;

- Efeitos diferenciados sobre os contribuintes;

- Efeitos sobre o federalismo;

- Imprevisibilidade das repercussões, somente aferíveis na prática.

Ele defendeu o “meio caminho entre reformas disruptivas, que são bonitas mas claudicantes, e o imobilismo”. Para Maciel, as mudanças devem ser realistas, pragmáticas e baseadas na identificação de problemas específicos e na formulação de soluções que, preferencialmente, não demandem grandes mudanças legislativas, conferindo prioridade ao processo e aos procedimentos tributários.

"Se o Arcanjo Gabriel baixasse hoje aqui e dissesse que convenceu todos os parlamentares a aprovar uma ampla reforma, o que garante que o STF não irá declará-la inconstitucional? Mudanças tributárias exigem a mesma prudência com que porcos espinhos fazem sexo", disse Maciel, para quem a estabilidade normativa e a segurança jurídica são fatores determinantes para o investimento privado.

A reforma, ou “as reformas”, defendidas pelo ex-secretário (veja apresentação completa na seção Conteúdos Relacionados, à direita) devem atentar para as grandes transformações que estão ocorrendo no mundo contemporâneo, como:

- Globalização e 4ª revolução industrial (moedas virtuais, inteligência artificial, novas matrizes energética e de comunicações, novas formas de trabalho, novos modelos de determinação de preços, cadeias de valor, etc.);

- Evasão fiscal em um mundo cada vez mais digital (leia seminário sobre o BEPS, plano da OCDE para conter a evasão de divisas em nível internacional);

- Reformas tributárias em curso em outros países como EUA (‘Reforma Trump’ e seus imprevisíveis efeitos; ameaças tributárias à concentração nas operações de varejo – caso Amazon), França (extinção do imposto sobre grandes fortunas), União Europeia (medidas de retaliação aos paraísos fiscais; ‘Turnover Tax’), Itália (a proposta de criação de um imposto único), Austrália (criação do ‘Google Tax’), Reino Unido e Argentina (redução das alíquotas nominais do IRPJ).

       Segurança jurídica vs. eficiência econômica

Após a fala de Maciel, Appy disse haver uma diferença de enfoque entre os dois palestrantes: “Everardo tem uma preocupação maior com a segurança jurídica, que também é fundamental, daí ser necessário haver regras claras de transição. Já eu foquei mais na eficiência econômica, pois temos um problema estrutural gravíssimo. Não dá para o Brasil rumar para a nova economia mantendo o status quo (tributário)”, afirmou.

“Se o argumento de que alterações amplas são perigosas fosse levado ao pé da letra não teríamos feito nossa última reforma de maior envergadura, nos anos 1960”.

“É bom lembrar que a reforma tributária de 1965 ocorreu no início do regime militar (Governo Castelo Branco). Não creio que hoje, com um Congresso livre e muito dividido, seria possível ter o mesmo êxito”, respondeu Maciel.

Ambos, no entanto, concordaram que a ideia de tributar grandes fortunas, levantada por um integrante da plateia já na parte final de perguntas e respostas, não contribuiria para a redução da desigualdade social. “Infelizmente não funciona, pois os muito ricos simplesmente alterariam seu domicílio (tributário). É uma ideia atraente, mas que só daria certo se ocorresse a nível mundial”, disse Appy.

“Não funciona. A França, por exemplo, acaba de eliminar esse imposto, pois percebeu que ele representa apenas 0,4% ou 0,5% da arrecadação total”, afirmou Maciel.

Saiba mais:

Desenvolvimento econômico: Por que ficamos para trás? (com 9 gráficos)

Reforma Trabalhista: o que muda, o que deve mudar?

Martin Wolf: grandes tendências da economia global (em 9 gráficos)

Assista ao Diálogo na Web “O Brasil precisa de uma nova Constituição”, com o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias e o professor da FGV Oscar Vilhena Vieira.

Otávio Dias, jornalista, é especializado em questões internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.

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