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Debates

O desafio da inserção da indústria brasileira em um mundo em transformação

/ Transmissão online - via Zoom


O Brasil dispõe de oportunidades para reverter um processo de desindustrialização que já dura mais de três décadas, mas para isso precisa enfrentar algumas agendas inconclusas, priorizar a qualidade regulatória, sobretudo em áreas cruciais no século 21 como digitalização e descarbonização, e se inserir melhor no comércio mundial, tornando-se mais produtivo, competitivo e integrado às cadeias globais de produção.

“São desafios grandes e complexos, mas que não devem ser magnificados. O importante é que existem janelas de oportunidades que o Brasil tem todas as condições de aproveitar, entre elas a crescente demanda por fontes renováveis de energia em várias partes do mundo”, disse o economista José Augusto Coelho Fernandes, autor do artigo “Indústria: Transformação Digital, Descarbonização e Integração Econômica”, que serviu de ponto de partida para este webinar, uma iniciativa da Fundação FHC e do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES). Veja sua apresentação em PowerPoint na seção Conteúdos Relacionados (à direita desta página).

“A sustentabilidade é uma oportunidade única para o Brasil: se a nossa indústria contribuir efetivamente para a criação de uma economia de baixo carbono tanto internamente como globalmente, teremos um lugar muito melhor no mundo”, afirmou o engenheiro químico e empresário Pedro Wongtschowski, presidente do Conselho de Administração da Ultrapar.

“Lá fora, toda a discussão gira em torno dos três grandes desafios que a humanidade enfrentará nesta e nas próximas décadas: Inteligência Artificial, Mudança Climática e Saúde. A visão externa é a de que o Brasil pode fazer muita coisa nessas três áreas, mas precisa decidir para onde vamos”, disse André Clark, vice-presidente sênior da Siemens Energy para a América Latina e presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB).

       Ambiente de inovação mais eficiente

Entre as agendas inconclusas, José Augusto citou problemas já conhecidos – , como um sistema tributário oneroso, injusto e causador de conflitos e a baixa produtividade brasileira em comparação com a de outros países (no levantamento de 2022 do Anuário Mundial de Competitividade, feito pelo International Institute for Management Development (IMD), o país caiu duas posições e aparece na 59ª posição entre as 63 economias analisadas). Defendeu concentrar esforços na elaboração e implementação de marcos regulatórios de ponta e tornar o ambiente de inovação mais eficiente.

“No mundo todo, há uma demanda por boas legislações, sobretudo relacionadas à digitalização e à descarbonização. Aqui no Brasil, não é diferente e o Banco Central tem dado um bom exemplo com a regularização das fintechs”, disse. “Já a agenda da inovação exige dar apoio às startups, priorizando a solução de problemas, tornar as fundações de amparo à pesquisa mais eficazes e avançar mais rapidamente nas reformas do ensino médio, profissionalizante e superior.”

Segundo o pesquisador do CINDES, o país precisa combater a ineficiência no uso de seus recursos energéticos. “Nossa matriz energética é em grande parte renovável, o que é um de nossos maiores ativos em relação a outros países, mas ainda há muito desperdício de recursos naturais. Reduzir o custo energético é fundamental para a indústria e deveria ser uma obsessão no Brasil”, disse.

       Preocupação com segurança volta a ocupar papel central

A pandemia do novo coronavírus, os efeitos da mudança climática (que já começam a ser sentidos) e a guerra da Ucrânia trouxeram de volta a preocupação com a segurança na oferta de produtos e serviços dos mais diversos tipos em todo o mundo, levando à revisão da extensão e dos participantes das cadeias de valor,  sobretudo para evitar o excesso de dependência em relação a um ou a muito poucos países na importação de determinados produtos. 

“Antes, vivíamos o dilema de equilibrar acessibilidade (affordability) e sustentabilidade. Agora, a segurança (security) volta à realidade. Seja qual for a política industrial deste ou daquele país, esse ‘trilema’ estará no centro”, explicou André Clark.

“Com a pandemia, muitos empresários, industriais e governantes chegaram à conclusão de que o processo de globalização foi longe demais, resultando em um grau de dependência excessiva de fornecedores da China, principalmente, mas também da Índia. A invasão da Ucrânia revelou o grau de dependência energética da Europa em relação à Rússia. A percepção é de que houve uma hiperglobalização, o que pode representar uma ameaça em tempos de crise”, concordou Pedro Wongtschowski.

Segundo Clark, com o retorno da necessidade de maior segurança surgem nichos a serem explorados e o Brasil pode se beneficiar de alguns deles: “O mundo espera uma ação efetiva do Brasil no enfrentamento da mudança climática, e nossa economia é a que mais pode se beneficiar desse esforço.”

Para aproveitar esta oportunidade, o país precisa “furar o teto” da demanda interna e passar a exportar energia renovável. “Toda a nossa história de planejamento energético renovável foi voltada para dentro, para o mercado interno, chegou a hora de olhar para fora e conquistar o mundo. Podemos vender grandes quantidades de hidrogênio verde para a Europa, os Estados Unidos e o Japão, assim como amônia verde, aço verde, fertilizante verde”, disse André.

Outra área em que o país tem tradição é na fabricação de vacinas e em campanhas massivas de vacinação: “A competência e a segurança do Instituto Butantan e da Fiocruz são importantes ativos.”

       Inteligência Artificial: não basta comprar

Até mesmo em Inteligência Artificial (IA) o país tem condições de avançar, ressaltou Clark. “Não se compra IA, que é um capital intelectual de primeira ordem, um ativo intangível de alto valor. O Brasil não pode ficar pra trás. Temos potencial em recursos humanos, uma nova geração de empreendedores e há coisas relevantes acontecendo em algumas universidades,  como na PUC-Rio, e em centros de pesquisa brasileiros. Com um pouco de coordenação e mais investimento, é possível criar bons centros de Inteligência Artificial por aqui”, disse.

“A política industrial do século 21 é verde, de alta tecnologia e é pra fora. É importante criar uma agenda nesse sentido, em um ambiente de inovação, competição e abertura para o mundo. Não devemos deixar as empresas incumbentes sem desafios e, sim, valorizar a nova safra de empreendedores”, concluiu André.

       Aumentar fluxo de comércio nos dois sentidos

Segundo Wongtschowski, o Brasil tem quatro avenidas a percorrer para reverter o processo de desindustrialização:

- Melhorar o ambiente de negócios - “Temos um sistema tributário caro e ineficiente e um contencioso jurídico impressionante, além dos conhecidos problemas de logística”;

- Maior integração ao mundo - “É preciso simplificar a importação de tecnologia, aumentar o fluxo de comércio nos dois sentidos e competir de verdade no mercado internacional”;

Busca da produtividade - “Temos de recuperar o investimento em Ciência e Tecnologia, com incentivo e fomento à inovação, melhorar as universidades e apoiar a nova geração de empreendedores.”

“É ilusão imaginar que o setor industrial terá novamente o percentual de participação no PIB brasileiro que teve no passado, mas com políticas corretas é possível recuperar um ou dois pontos e, sobretudo, evitar cair ainda mais”, disse José Augusto C. Fernandes.

       Liderança nos setores público e privado

“O diagnóstico, nós já temos, como ficou claro aqui hoje. Mas como avançar na direção correta sem uma liderança política que tenha a cabeça no lugar?”, perguntou o empresário Horácio Lafer Piva, acionista da Klabin Irmãos & Cia, holding controladora da Klabin S/A e ex-presidente da Fiesp, na parte final do encontro.

“Liderança política é fundamental, mas é possível avançar por meio de mecanismos estruturados de governança. A pressão permanente da sociedade civil também é importante”, disse José Augusto.

“Preocupa a falta de percepção das lideranças políticas sobre as experiências bem-sucedidas e as experiências fracassadas do passado. Não podemos  voltar para trás e cometer os mesmos erros”, disse o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan.

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

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