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Debates

Formação de professores: o que o Brasil tem a aprender com a Finlândia?

/ auditório da Fundação FHC


Na década de 1970, a Finlândia iniciou uma reforma de seu sistema educacional com base em duas premissas. Em primeiro lugar, tomou-se a decisão de separar a política partidária da educação. As  diretrizes desta última passaram a ser definidas pelos especialistas em educação. Paralelamente, o país nórdico estabeleceu novos critérios e métodos para a formação dos professores, elemento fundamental de um processo educacional bem-sucedido.

“Cabe aos políticos apoiar a educação de forma inequívoca, mas as decisões sobre o que fazer devem ser tomadas pelos especialistas na área, com base em evidências científicas e conhecimento pedagógico.”

Minna Mäkihonko, especialista em políticas educacionais e desenvolvimento de sistemas e estratégias educacionais

Em palestra na Fundação FHC sobre o tema “Formação de professores: o que o Brasil tem a aprender com a Finlândia?”, a educadora finlandesa lembrou que, antes e logo após a Segunda Guerra Mundial (1939-45), a Finlândia era um dos países mais pobres da Europa e, até os anos 70/80, o desempenho dos alunos finlandeses em leitura, matemática e ciência estava abaixo da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).

Entre o final dos anos 80 e o início dos anos 2000, quando as medidas destinadas a incrementar a formação dos professores surtiram efeito, a qualidade da educação no país deu um salto (ver gráfico abaixo) e hoje a Finlândia é frequentemente citada como exemplo mundial.

Segundo a palestrante, o impacto na renda per capita não demorou a aparecer nas estatísticas. Em 1970, antes da reforma, a renda per capita finlandesa era inferior à média dos países da Europa Ocidental e significativamente abaixo da vizinha Suécia. No início dos anos 2000, as três linhas se juntaram (ver gráfico abaixo).

 

Embora tenha apenas 5,5 milhões de habitantes, a Finlândia é um país extenso, com mais de 20.000 ilhas e áreas remotas, principalmente na Lapônia, cuja capital fica no Círculo Polar Ártico (extremo norte do planeta). A grande maioria da população está concentrada na região de Helsinque (capital do país), e é difícil atrair professores para trabalhar nas regiões mais distantes, onde no inverno o frio é intenso e as noites duram até três meses. “Por isso, iniciamos a reforma justamente pela Lapônia e, pouco a pouco, a estendemos para o sul”, contou a palestrante.

      Ensino igual para todos, mas flexível

“Mais do que transmitir conhecimentos, buscamos estimular a capacidade de análise e de escolha dos estudantes, pois é muito difícil prever em que mundo eles terão de atuar. Daí a necessidade de serem flexíveis e criativos.”

Minna Mäkihonko, educadora finlandesa

Em 1970, governo e sociedade reconheceram as deficiências do sistema educacional e elaboraram um projeto de reforma com quatro pilares:

1. Nove anos de escola para todos os estudantes;

2. Ênfase na igualdade de oportunidades;

3. Nova formação de professores centrada na universidade;

4. Todos os professores devem concluir mestrado na Faculdade de Educação.

“Apenas aumentar a exigência de certificados por parte dos professores não garante impacto no aprendizado dos alunos. É a qualidade da formação dos professores que realmente importa, o que e como eles estão aprendendo”, afirmou a professora e pesquisadora.

“Dentro da sala de aula, os objetivos principais são promover a diversidade, o bem-estar, a motivação e a flexibilidade, tendo como foco sempre os alunos”, disse Minna, chefe de educação inclusiva na Universidade de Tampere. Os conteúdos são apresentados a partir de diferentes pontos de vista e se estabelecem conexões entre as disciplinas para que os jovens se sintam capazes de atuar em um mundo em constante transformação.

      Mentorias e comunidade

Durante o curso de formação, que a partir dos anos 70 passou a ser responsabilidade da Faculdade de Educação, os futuros professores dedicam um terço do tempo de estudo a sua área específica, um terço à teoria pedagógica e um terço a práticas de ensino, sob a mentoria de um profissional já experiente. Também fazem estágios em escolas. “Os professores devem ter à disposição um leque de ferramentas e métodos, mas cabe a eles decidir o que utilizar em cada situação”, disse.

Outro aspecto importante da formação é o desenvolvimento de uma ética profissional, que inclui diálogo permanente com a sociedade. “O professor é bastante valorizado no país. Ele não trabalha isolado, mas em permanente contato com a comunidade onde atua”, disse. O vídeo e a apresentação feita pela palestrante estão disponíveis na seção Conteúdos Relacionados (à direita desta página).

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     ‘É preciso entender o mapa da educação no Brasil’

“O Brasil está cheio de boas iniciativas, tanto na esfera pública como na privada. A questão é como coordenar essas experiências e fazê-las ganhar musculatura e escala.”

Beatriz Cardoso, doutora em educação pela USP, é presidente do Laboratório da Educação

Para a educadora brasileira Beatriz Cardoso, as experiências internacionais são sempre bem-vindas, mas antes de buscar copiá-las é necessário levar em conta que o sistema educacional brasileiro é “complexo e imbricado”. “Temos uma estrutura federativa com camadas superpostas, um complicador que deve ser levado em conta em qualquer reforma. Antes de tudo, é preciso ter em mente o mapa da educação no país”, afirmou Beatriz, que em 2012 colaborou com o projeto Destino Cultura, da TV Futura, que mostrou experiências educacionais bem-sucedidas na China, na Coreia, na Finlândia, no Chile, no Canadá e no Brasil.

Beatriz concordou que a formação de professores é central, mas que é preciso “olhar para outras dimensões ou o professor fica sobrecarregado”. “No Brasil, a maioria dos futuros professores se forma em faculdades privadas, paga caro e não tem garantia de boa formação. As faculdades dão ênfase à formação teórica e, em alguns casos, à pesquisa, mas raramente trabalham a experiência prática na sala de aula. É fundamental haver casamento entre teoria e prática para criar um professor com capacidade de decisão e resposta aos desafios concretos do processo educacional”, disse.

O estágio, por exemplo, não é considerado um elemento fundamental no processo de formação e as fragilidades da formação inicial se estendem à formação continuada, essencial diante das rápidas transformações tecnológicas. “Como parte das condições de trabalho do professor, é importante reservar tempo para atividades fora da sala de aula, que incluem não somente planejamento, mas estudo, educação continuada e contato frequente com pais e alunos”, defendeu.

Também na área de pesquisa, há pouca interação com a prática. “Como se dá a interação entre os pesquisadores e a cultura escolar? A prática pedagógica não é suficientemente valorizada”.

Beatriz lembrou que, diferentemente da Finlândia, no Brasil o setor privado tem papel importante na educação. “Nada contra a existência de um mercado da educação, mas como regulá-lo adequadamente? Há anos discute-se a necessidade de uma Base Nacional Comum Curricular, que está avançando, mas tem dificuldades de implementação em um sistema tão desigual”, afirmou.

Diante da complexidade do sistema público, com atribuições distribuídas nos âmbitos federal, estadual e municipal, e a existência de um amplo mercado privado, com dinâmicas próprias, é fundamental haver maior coordenação. “Não faltam boas experiências e gente competente, mas é preciso ligar os pontos para definir objetivos com coerência e de maneira alinhada”, disse Beatriz Cardoso (veja detalhes de sua apresentação em Conteúdos Relacionados).

“Na Finlândia, não temos escolas ou faculdades privadas. Com exceção de escolas de idiomas e cursos específicos, a educação é 100% pública e gratuita”, comentou Minna Mähihonko. “Cada país tem suas características. Nós também enfrentamos dificuldades e cometemos erros no processo. Mas é importante definir o rumo e avançar pouco a pouco, com consistência”, concluiu.

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Otávio Dias, jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. Atualmente é editor de conteúdo da Fundação FHC.

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