Eleições e o futuro da Amazônia
Promovido pela Fundação FHC e Fundação Amazônia Sustentável, este webinar apresentou e debateu os resultados da pesquisa “Eleições 2022 na Amazônia”.
“Os índios do Brasil são contra o desenvolvimento econômico? Não, não somos contrários, mas precisamos de projetos sustentáveis que mantenham a floresta em pé, preservem os biomas da região amazônia e respeitem o conhecimento dos povos indígenas e das comunidades ribeirinhas e quilombolas”, disse Toya Manchineri, coordenador da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), neste webinar realizado pela Fundação FHC e pela FAS (Fundação Amazônia Sustentável).
“O desafio é construir políticas públicas e programas que possibilitem que todo o povo da Amazônia viva com dignidade e respeito. Para isso, é fundamental retomar o diálogo porque no governo Bolsonaro não há nenhum espaço de debate”, continuou o líder indígena, que há anos luta pelas demarcações nos territórios indígenas no estado do Acre.
O que pensam os amazônidas sobre preservação e desenvolvimento?
“Estamos diante de um ponto de encruzilhada para a Amazônia, que está seriamente ameaçada. Somos a última geração de brasileiros que pode salvar a floresta amazônica. Este tema é central para o futuro do Brasil e também do planeta, mas não tem ocupado um espaço central no debate político tanto na esfera federal como nos estados da região e no Congresso”, disse o superintendente da FAS, Virgílio Viana, engenheiro florestal com PhD em biologia evolutiva pela Harvard University e pós-doutorado em Desenvolvimento Sustentável pela University of Florida.
Em sua fala inicial, Viana apresentou os resultados da pesquisa Eleições 2022 na Amazônia, em que os próprios amazônidas – como são chamados todos os 38 milhões de habitantes da região – foram entrevistados sobre como eles percebem os problemas e os desafios relacionados à preservação da floresta e ao desenvolvimento econômico e social da Amazônia. O estudo foi realizado pela FAS e pelo Instituto Clima e Sociedade.
“Esta é a maior pesquisa já realizada, como rigor e solidez amostral, sobre o que as pessoas que vivem na Amazônia pensam sobre as questões fundamentais da região. Em uma escala de zero a dez, as principais preocupações dos amazônidas são saúde (9,3), educação (9,2), segurança (8,8), corrupção (8,8), emprego e renda (8,7) e, em sexto lugar, meio ambiente (8,7)”, disse Viana.
“As principais preocupações dos amazônidas são saúde, educação, segurança, corrupção, emprego e renda e, em sexto lugar, meio ambiente”, disse Virgílio Viana.
“Ao mesmo tempo, 83% afirmam que as queimadas impactam negativamente a sua saúde e de sua família e 82,9% consideram que o garimpo ilegal contamina as águas e os peixes e afeta a saúde da população”, destaca. Para 56,5%, a Amazônia não recebe a devida importância no debate político. Preservar é a palavra que vem à mente da maioria dos entrevistados para resumir o que pensam sobre a Amazônia.
Viana lembrou ainda que, entre 2003 e 2010 (dois mandatos de Lula), o desmatamento da Amazônia foi reduzido em 72%. De 2019 a 2021, primeiros três anos do atual governo, houve um aumento de 29% no desmatamento, sendo que os dados de 2022 não foram incluídos.
“Independentemente da posição político-partidária de cada pessoa, os números são claros. Houve um enorme retrocesso nos últimos anos e, se continuarmos neste rumo, a Amazônia poderá chegar muito rapidamente a um ponto de não retorno, como têm alertado vários cientistas, entre eles o climatologista brasileiro Carlos Nobre”, afirmou o representante da FAS.
Doenças na Amazônia têm relação com meio ambiente
“Quando os amazônidas apontam a saúde como principal problema, enquanto o meio ambiente aparece em sexto lugar, é preciso levar em consideração que as pessoas não associam a saúde aos temas ambientais. No entanto, 70% das doenças na região amazônica estão relacionadas à falta de saneamento e ao descarte do lixo em córregos e rios, que se tornam vetores de contaminação. Também a poluição do ar causada pelas queimadas tem grande impacto”, lembrou o geógrafo e ambientalista Mario Mantovani, presidente da Fundação Florestal.
Mantovani acusou o governo Bolsonaro de ter se associado ao desmatamento ilegal e ao crime ambiental e o próprio Congresso de omissão. “A bancada ruralista fez mais de 50 tentativas de alteração do Código Florestal para facilitar a abertura de novas áreas agrícolas, embora publicamente diga que isto não é necessário para a produção de alimentos no país. Também integrantes da Frente Parlamentar Ambientalista se omitiram em questões importantes relacionadas à defesa da Amazônia”, disse Mantovani, que trabalhou na Fundação SOS Mata Atlântica por mais de 30 anos.
O ambientalista defendeu a aprovação de uma “Lei da Amazônia”, que detalhe uma legislação específica para a região, conforme prevê a Constituição de 1988. “É essencial definirmos um marco legal para estruturar a economia da floresta, a bioeconomia, o uso da terra e dos rios, a exploração mineral, o turismo ecológico, assim como todas as políticas públicas relacionadas à preservação e ao desenvolvimento sustentável. A Amazônia é única, não dá para aplicar na região as mesmas regras de outras partes do país”, disse.
Especialista em recursos hídricos, Mantovani também propôs políticas para proteger os “rios voadores”, formados pelo vapor d’água produzido pela floresta e levado pelas correntes de ar para diversas partes da América do Sul, principalmente as regiões Centro Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, mas também Argentina e Uruguai. “A existência desses rios e sua importância para o regime de chuvas no continente está comprovada. Não é papo de ambientalista.”
Amazônia está no centro das preocupações do mundo
“Acabei de voltar de uma viagem à Alemanha e lá não se fala em outra coisa: todo mundo na Europa quer saber o que vai acontecer se o desmatamento continuar aumentando, como tem acontecido nos últimos anos no Brasil”, disse Marina Caetano, articuladora sênior de diálogo político no Instituto Talanoa e chancellor fellow da Fundação Humboldt.
Caetano citou o estudo “Amazônia Por Inteiro – Histórico, Panorama e Análise das Políticas Públicas Federais”, lançado em 5 de setembro, Dia da Amazônia, que reúne e consolida as decisões que o poder Executivo federal tem tomado em relação à região, entre elas:
- diversos atos infralegais que enfraquecem a governança ambiental;
- desmantelamento de órgãos, comitês e conselhos;
- decisões políticas não fundamentadas por dados concretos;
- ausência de políticas de incentivo à pesquisa.
“A descarbonização da economia brasileira passa necessariamente pela Amazônia e por um verdadeiro pacto federativo que envolva União, estados e municípios da região, assim como a iniciativa privada e o terceiro setor. Todos devem se unir para conter rapidamente os danos à floresta e seus rios, reduzir a criminalidade e a violência e conectar as políticas de preservação, desenvolvimento social e econômico”, disse Caetano, cujo instituto participou da elaboração do Plano de 10 Pontos para a Descarbonização do Brasil – Recomendações para o Governo Federal 2023-2026.
Por fim, a ativista ambiental defendeu um melhor aproveitamento da disposição de outros países de cooperar com recursos financeiros, tecnológicos e humanos para a preservação e o desenvolvimento sustentável da Amazônia. “A Amazônia está no centro das preocupações do mundo, e o atual governo está nos deixando cada vez mais isolados”, concluiu.
“O Brasil tem capacidade de tomar conta sozinho da Amazônia? Sim, já fizemos isto. Mas tem o outro lado da moeda: por que não aproveitar o enorme interesse em relação à Amazônia para mobilizar amplos recursos nacionais e internacionais, públicos e privados, para financiar um grande projeto de proteção e recuperação da floresta e garantir o desenvolvimento sustentável de toda a região? O mundo está ávido para cooperar e recursos não faltam”, disse Virgílio Viana.
Viana relatou recente conversa com o embaixador Celso Amorim – ex-ministro das Relações Exteriores de Lula e seu principal assessor na área de política externa – sobre a convocação de uma conferência internacional sobre a Amazônia, no caso de vitória do ex-presidente.
“A ideia é reunir todos os países da região amazônica e outras nações relevantes como Alemanha, Noruega, França, Reino Unido, Estados Unidos, Japão e China, assim como instituições como a ONU e o Banco Mundial, para discutir como financiar a prosperidade da Amazônia, alavancando a economia com a floresta em pé”, disse.
“É fundamental pensar em programas de educação para conscientizar o indígena e o caboclo amazônico sobre as políticas dos Estados Unidos e da Europa, assim como as decisões de nossos representantes no Executivo e no Legislativo, que influenciam o rio e a floresta onde vivemos e de onde tiramos nosso sustento. Só assim seremos donos do nosso destino”, disse Manchineri.
“Uma coisa é certa: a mobilização dos povos indígenas e daqueles que nos apoiam vai continuar independentemente de quem for eleito presidente do Brasil em 30 de novembro”, concluiu o líder indígena.
Assista ao vídeo completo do webinar.
Leia o artigo “Projeto Amazônia: definindo uma terceira via para a Amazônia”, escrito pelo climatologista Carlos Nobre e pelo biólogo Ismael Nobre para a revista “Futuribles em Português”, publicada pela Fundação FHC.
Conheça o projeto Linhas do Tempo:
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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.