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Debates

Arcabouço fiscal: O que esperar do ajuste pelo lado da receita?

/ Transmissão online - via Zoom


A intenção do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de reduzir isenções e incentivos fiscais para ajudar a fechar a conta do novo arcabouço fiscal proposto pelo governo Lula faz sentido do ponto de vista de eficiência econômica e justiça tributária, mas não trará grandes resultados arrecadatórios.

Assim, para atingir as metas de superávit primário previstas no arcabouço, mesmo que de forma paulatina, sem cortar despesas, será necessário aumentar a carga tributária, o que gera resistência no setor produtivo e no Congresso Nacional, ou garantir um forte crescimento econômico.

Estas foram as principais conclusões do webinar “Arcabouço fiscal: o que esperar do ajuste pelo lado da receita”, que teve como convidados dois especialistas em política fiscal/tributária, Vanessa Rahal Canado (Insper) e Manoel Pires (FGV IBRE).

“Durante anos, o país tentou fazer o ajuste fiscal pelo corte de despesa, por meio do antigo teto de gastos, e agora se propõe a fazer pelo aumento da receita”, disse Manoel Pires, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE). “O esforço proposto pelo ministro Haddad de, por um lado, criar novas fontes de arrecadação e, por outro, reduzir isenções e incentivos, é legítimo, mas acho difícil conseguir elevar suficientemente a arrecadação para alcançar as metas delineadas pelo novo arcabouço.”

“Quando se busca incrementar a receita ampliando a base, ou seja, diminuindo renúncias fiscais, subsídios, tratamentos privilegiados, este é sem dúvida um movimento positivo”, disse Vanessa Canado, coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper. “O problema é que em todo o mundo, mesmo nos países desenvolvidos, os incentivos fiscais são concedidos por motivos políticos, sem análise de custo e benefício, e depois você não consegue mais tirar.”

Segundo Canado, essa agenda estrutural de revisão dos benefícios fiscais, para ser consistente, teria de incluir uma revisão do Simples, do abatimento de despesas de saúde e educação do Imposto de Renda, da isenção de itens da cesta básica e da Zona Franca de Manaus, entre outros pontos que certamente resultarão em enorme resistência por parte da sociedade, dos setores atingidos e da classe política. 

“Não temos uma caixa-preta de benefícios fiscais a abrir, eles são bastante conhecidos e muito difíceis de mexer”, afirmou a ex-diretora do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) (2017-2019).

“O que o Ministério da Fazenda está colocando é uma agenda em construção e, dentro da discussão política, algumas derrotas vão acontecer, mas também haverá algumas vitórias”, disse Pires. “Minha visão é que, se o governo tiver empenho em tratar desses temas, vai conseguir obter algum nível de aumento de arrecadação e, no final da história, teremos um resultado fiscal melhor, preservando os gastos produtivos”, continuou o coordenador do Observatório da Política Fiscal.

Economia brasileira precisa voltar a crescer

Canado e Pires concordaram que, para que o novo arcabouço fiscal se sustente ao longo do tempo, o país precisa voltar a crescer de maneira sustentável e sólida. 

“Sem crescimento econômico, a receita não aumenta e só nos resta enxugar gelo. Então estamos falando de um governo que tem que acelerar o crescimento econômico”, disse Pires. “O que está nas mãos do governo federal e do Congresso Nacional para criar as condições de um maior crescimento econômico?”, perguntou o professor da FGV, propondo em seguida quatro frentes de atuação:

- reforma tributária; 

- investimentos em infraestrutura; 

- investimentos verdes;

- abertura e inserção internacional.

“O Executivo e o Legislativo têm uma agenda importante de reforma tributária, alguns pontos já são quase consensuais, outros precisam ser mais discutidos. Ela terá impacto no crescimento, mas vai levar um tempo. Enquanto isso, devemos aproveitar as vantagens que já temos na área ambiental, transformando-as em reindustrialização verde e crescimento econômico”, disse Pires.

“Por fim, o governo Lula deve apostar na agenda internacional, com o objetivo de melhorar a inserção do país no mundo, atrair investimentos externos e concluir acordos importantes, como o do Mercosul com a União Europeia”, continuou.

“Uma pergunta que faço é se a previsão do governo de destinar R$ 70 bilhões por ano para investimentos públicos é suficiente para trazer uma melhor perspectiva em termos de crescimento econômico. Não seria melhor apostar no estímulo ao investimento privado?, disse Canado.

“O governo Lula colocou em dúvida aspectos importantes do Marco do Saneamento, vimos empresas estatais sendo retiradas do programa de privatização e até mesmo a ameaça de revisão da privatização da Eletrobras. Nada disso surpreende diante da postura política que o PT sempre teve, mas acho importante avaliar se, do ponto de vista técnico, R$ 70 bilhões anuais de investimento público é algo representativo para de fato impulsionar o crescimento econômico que o país precisa”, disse a professora do Insper. 

Em seguida, a palestrante propôs uma agenda de apoio ao crescimento impulsionado pela iniciativa privada:

- reforçar as agências reguladoras e garantir sua autonomia de fato;

- agenda de melhoria da produtividade;

- dar seguimento à agenda de desburocratização econômica;

- abertura comercial;

- melhor coordenação entre Ministério Público e Poderes  Executivo, Legislativo e Judiciário para reduzir ações e decisões conflitantes.

“Existe toda uma agenda super importante para melhorar o ambiente de negócios e a segurança jurídica, que é composta por pequenas medidas, aparentemente invisíveis, mas que são muito relevantes”, disse Canado, que foi assessora especial do Ministério da Economia entre 2019 e 2021.

Vídeo do webinar na íntegra.

Ao vídeo Fura Bolha “O que falta ao Brasil para se tornar uma nação próspera?”, com Eduardo Giannetti e Nelson Barbosa.

Leia também:

A política econômica no novo governo: desafios e escolhas críticas

 

Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 
 

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