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A política econômica no futuro governo: desafios e escolhas críticas

/ Transmissão online - via Zoom


A partir da posse em 1º de janeiro de 2023, o presidente Lula terá uma margem de manobra estreita na condução da política econômica. Por um lado, precisará flexibilizar a política fiscal no início do mandato para ter condições de reorganizar a máquina pública e cumprir importantes promessas de campanha. Por outro lado, não poderá ser leniente com a ampliação excessiva de gastos no médio prazo, o que minaria a confiança no governo e prejudicaria o controle da inflação e o crescimento econômico.

“O novo governo não pode ser duro demais nem mole demais na política econômica. Precisará construir uma trajetória fiscal consistente ao longo do tempo e colocar em prática uma agenda que aumente o potencial de crescimento do país, contribuindo assim para o aumento da arrecadação e a melhoria das condições de vida da população”, disse o economista Bernard Appy, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

“Diferentemente do que se diz, não é somente o mercado financeiro que reage negativamente diante do temor de uma política fiscal excessivamente frouxa por parte do futuro governo. Também o setor produtivo e a sociedade estão de olho nos primeiros passos da nova equipe na gestão da economia. O espaço para erros é pequeno, o que exige pragmatismo e políticas bem desenhadas e articuladas”, disse a economista Zeina Latif, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Governo do Estado de São Paulo. 

Appy e Latif foram convidados pela Fundação FHC para analisar os principais desafios da política econômica do novo governo Lula.

Governo precisará elevar potencial de crescimento sustentável do país

Segundo Appy, a primeira sinalização do governo – ao propor gastos além da regra do teto que totalizam R$ 198 bilhões na chamada PEC da Transição, em discussão no Congresso Nacional – não foi das melhores, mas isso não quer dizer que a nova administração será irresponsável ao longo dos quatro anos. Para transmitir confiança, precisará propor uma nova regra fiscal clara e eficaz já nos primeiros meses do mandato. 

“É consenso que não dava para manter o teto de gastos como estava, mas vejo com preocupação uma ampliação de gastos tão grande. Se o novo governo adotar uma política fiscal excessivamente frouxa, não descarto o risco de ter de aumentar a carga tributária, o que seria muito ruim”, explicou Appy, que dirige o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e é um dos principais especialistas em questões tributárias do país.

Além de responsabilidade fiscal, o novo governo precisará adotar medidas que aumentem o potencial de crescimento do país nos próximos anos, de maneira sustentável e consistente. Sem entrar em detalhes, Appy citou algumas delas:

- Reforma tributária - “Há no Congresso vários projetos de reforma da tributação do consumo, incluindo bens e serviços, assim como da tributação da renda e da folha de pagamentos, já relativamente maduros para aprovação. Uma reforma bem feita dos tributos sobre bens e serviços terá efeito positivo sobre o crescimento da economia a médio e longo prazo. A reforma da tributação sobre a renda e a folha de pagamentos corrigirá desigualdades”;

- Política de investimentos em infraestrutura - “Também é consenso que é preciso abrir espaço no orçamento para um pouco mais de investimento público, mas este espaço é limitado, e o setor privado tem papel essencial para avançarmos em obras de infraestrutura, por meio de concessões e parcerias público-privadas”. Latif reforçou esse ponto chamando a atenção para os problemas de governança dos investimentos públicos, agravados com o orçamento secreto;

- Avançar na agenda de regulação - “Esta é uma área onde houve avanços nos últimos anos, como no caso do novo Marco do Saneamento Básico. É importante continuar avançando ou, no mínimo, evitar retrocessos”;

- Utilizar melhor o mercado de capitais para financiar o desenvolvimento - “Há espaço para políticas de financiamento tanto por parte de bancos públicos, como o BNDES, como de bancos privados, mas é preciso foco e transparência”;

Agenda microeconômica para melhorar o ambiente de negócios e aumentar a produtividade.

Por fim, Appy destacou a importância de uma relação construtiva entre o Executivo e Legislativo. 

“Apesar do crescimento de uma bancada de direita que promete fazer oposição ao governo, Lula tem condições de construir uma base de apoio no Congresso, mas a gestão política é influenciada pela gestão econômica, e vice-versa. Se o governo não conseguir cumprir promessas de campanha, ou se a economia piorar, Lula poderá perder popularidade rapidamente, o que se refletiria na relação com o Legislativo”, concluiu o palestrante.

Quanto tempo vai durar a lua de mel com o novo governo Lula?

Zeina Latif – que tem mestrado e doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e fez carreira no mercado financeiro, tendo passado por várias instituições, como a XP, onde foi economista-chefe – iniciou sua fala dizendo que o cenário econômico que Lula enfrentará em 2023 é bem diferente daquele que encontrou em 2003, quando chegou ao Palácio do Planalto pela primeira vez. 

“Em 2002, a inflação estava acima dos 10%, mas por razões mais pontuais, entre elas um cenário de incerteza diante do temor do favoritismo do PT na eleição presidencial daquele ano. Agora, temos uma inflação teimosa, cujo núcleo permanece em torno de 10% há vários meses, e que não aceitará desaforos, como uma política fiscal excessivamente frouxa por parte do novo governo”, disse a economista.

“Há um limite para a expansão fiscal proposta pela PEC da Transição. Haverá um contraponto com a criação de uma nova regra fiscal convincente? Ou a dívida pública vai continuar crescendo?”, perguntou.

Latif chamou atenção também para o fato de que, agora, o país tem um Banco Central independente, cujo presidente, Roberto Campos Neto, tem mandato até dezembro de 2024. “O atual presidente tem dado recados claros em relação aos limites da política monetária. O BC fará a sua parte para tentar controlar a inflação, mas se não houver uma mudança significativa no cenário fiscal, a atual taxa de juros de 13,75% permanecerá neste patamar a perder de vista (ou poderá até ser elevada), o que é ruim para o crescimento econômico”, disse. 

Com inflação alta e crescimento baixo, a popularidade de Lula pode não durar muito, encurtando a lua de mel entre o novo governo e a população. “A expansão fiscal é algo que está no DNA dos economistas do PT.  Mas Lula, no exercício do pragmatismo, uma qualidade que frequentemente lhe atribuem, precisa levar todos esses aspectos (o efeito da expansão do gasto sobre expectativas de inflação, taxas de juros e crescimento)  em conta”, disse.

Além da definição de um novo arcabouço fiscal para substituir a regra do teto de gastos – criada em 2016, durante o governo Michel Temer, e duramente atacada pelo PT e Lula, que prometeu acabar com a regra se eleito –, o novo governo precisará fazer reformas para reorganizar os gastos públicos, entre elas as reformas tributária e administrativa.

“O PT defende uma reforma tributária que aumente o imposto dos mais ricos e diminua o dos mais pobres, mas não a fez no passado e não apresentou uma proposta clara durante a campanha eleitoral. O que está maduro é a reforma sobre a tributação de bens e serviços, mas esta é para aumentar a eficiência e o potencial de crescimento da economia. Não vejo outras reformas importantes suficientemente amadurecidas para uma aprovação relativamente rápida no Congresso”, disse a palestrante.

Latif concluiu dizendo não ver Lula como um presidente comprometido com a realização de reformas difíceis e desgastantes, mas necessárias. “Em seus mandatos anteriores, Lula não foi um presidente reformista, como foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Vai ser diferente desta vez?”, perguntou.

Assista ao vídeo completo do webinar.

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

 

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