Transição verde e socialmente justa: novas oportunidades para o Brasil e a Alemanha
Em discussão neste debate: como a maior economia europeia vê essa agenda comum e qual a avaliação acerca do papel a ser desempenhado pelo Brasil?
Após definir o novo arcabouço fiscal, aprovado pelo Congresso Nacional no 1º semestre e sancionado pelo presidente Lula em 31 de agosto, e encaminhar a reforma tributária, em fase final de aprovação pela Câmara dos Deputados, o Ministério da Fazenda, sob o comando de Fernando Haddad, pretende consolidar o Plano para a Transformação Ecológica do Brasil, anunciado em abril deste ano e atualmente em fase de detalhamento.
“O novo marco fiscal e a reforma tributária são medidas estruturantes da economia, agora trabalhamos na construção de uma agenda de futuro, estabelecendo as bases de um projeto de desenvolvimento socioeconômico com um forte componente ecológico e sustentável, em parceria com os ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, entre outros”, disse Rafael Dubeux, assessor especial do ministro da Fazenda e responsável pela coordenação do plano.
No início de dezembro deste ano, ao participar da 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-28), realizada em Dubai, nos Emirados Árabes, que também contou com a presença do presidente Lula, o ministro Fernando Haddad afirmou que o Plano para a Transformação Ecológica do Brasil precisará de US$ 130 bilhões a US$ 160 bilhões por ano ao longo da próxima década.
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Doutor em Relações Internacionais pelo IREL/UnB, Dubeux esteve na Fundação Fernando Henrique Cardoso para detalhar o plano, em seminário presencial que teve as participações da embaixadora alemã em Brasília, Bettina Cadenbach, e de Paulo Alvarenga, presidente da Câmara Brasil-Alemanha de São Paulo (AHK São Paulo) e da thyssenkrupp na América do Sul. O evento foi realizado em parceria com a Embaixada da Alemanha em 8 de novembro.
Segundo o palestrante, o plano em gestação tem três objetivos principais:
- Melhorar a produtividade da economia brasileira, incorporando inovação tecnológica;
- Garantir que os ganhos de produtividade sejam compartilhados de maneira justa e equilibrada por todos os brasileiros e brasileiras, possibilitando que o país supere uma situação de renda média baixa crônica;
- Construir uma agenda específica para a redução de emissões de CO2, contribuindo para os esforços mundiais de enfrentamento da crise climática.
“Como dar coesão a essas ações é o desafio que enfrentamos no momento. Para isso, estamos desenvolvendo novos instrumentos e, junto com o Congresso, criando novas leis, como o PL nº 412, que regulamenta o mercado de carbono no Brasil, já aprovado no Senado”, disse Dubeux.
De acordo com o secretário, o plano deve ter seis eixos:
- Criação de instrumentos de Finanças Sustentáveis, com o objetivo de canalizar recursos públicos e privados para atividades sustentáveis
Além do lançamento de títulos e bônus verdes, o governo pretende criar a Taxonomia Sustentável Brasileira, já em fase de consulta pública, que visa estabelecer regras e padrões para definir o que é uma atividade sustentável e com base em quais métricas ela deve ser avaliada, alinhando o Brasil a outros países ou regiões que já têm uma taxonomia, como a União Europeia.
- Promover o adensamento tecnológico do setor produtivo brasileiro, com o objetivo de reverter o processo de desindustrialização e desenvolver tecnologias localmente
A ideia é lançar mão das compras públicas para fomentar a inovação, assim como direcionar recursos de fundos já existentes, como os do setor elétrico e do petróleo, para impulsionar projetos de descarbonização. O governo também pretende investir na formação e treinamento de mão de obra qualificada, por meio da expansão do ensino técnico, com foco em energias renováveis na região Nordeste e biotecnologia na região Norte.
- Desenvolver a bioeconomia na Amazônia
O Brasil tem uma matriz energética em grande parte renovável e limpa, mas a maior parte das emissões de CO2 do país é resultante do desmatamento e das queimadas na Amazônia. Para reduzir a destruição da floresta, e atingir a meta de zerar o desmatamento, o governo precisa criar alternativas de emprego e renda para a população da região amazônica, com o desenvolvimento de uma bioeconomia, o pagamento por serviços florestais, etc.
- Acelerar a transição energética
Por ter investido em hidrelétricas e desenvolvido o etanol há várias décadas, o Brasil tem uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo. Cerca de 90% da energia produzida e consumida no país vem de fontes renováveis, enquanto a média global é de apenas 25%. Nos últimos anos, a produção de energia eólica e solar também tem crescido bastante. O governo pretende acelerar esse processo de transição energética com o incentivo a novas fontes de energia renovável como hidrogênio verde, diesel verde, etc.
- Estimular a economia circular
O país ainda tem muito a avançar na reciclagem e na reutilização de materiais, assim como no tratamento correto do lixo e do esgoto.
- Adaptação à mudança climática
Mesmo com os esforços globais para limitar o aumento da temperatura nas próximas décadas, principalmente por meio da redução das emissões de carbono, o aquecimento global já é uma realidade e tem resultado no aumento de secas, tempestades, ventos e outros fenômenos climáticos em todo o mundo, impactando sobretudo as populações mais vulneráveis. O governo pretende apoiar essa população sob risco, por meio de parcerias com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por exemplo.
“O governo Lula vai retomar o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), que foi criado em 2009 e terá R$ 10 bilhões para financiar projetos de desenvolvimento sustentável, em parte captados no mercado internacional por meio da emissão de títulos sustentáveis. Esses recursos serão geridos pelo BNDES, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA)”, disse Rafael Dubeux.
Hidrogênio verde é o caminho para o país se reindustrializar e ser uma potência global na produção de energia renovável
O engenheiro elétrico e administrador de empresas Paulo Alvarenga, CEO da thyssenkrupp na América do Sul, defendeu que a prioridade do governo federal e do setor privado deve ser a viabilização da produção de hidrogênio verde em grande escala no país, tanto para exportação como para consumo interno. “O hidrogênio verde tem potencial para ser a fonte de até 20% da matriz energética mundial até 2050, e o Brasil é o país que reúne as melhores condições para produzir essa nova fonte de energia renovável em grande quantidade e se tornar a principal potência mundial nesse mercado muito promissor”, disse.
Mas, segundo o presidente da AHK São Paulo, o custo de produção do hidrogênio verde ainda é alto em comparação com outras fontes de energia, sobretudo as resultantes da queima de hidrocarbonetos (petróleo, gás natural etc.), daí a necessidade do governo oferecer subsídios para alavancar essa nova indústria.
Dubeux salientou que o governo já está trabalhando com o Congresso na definição de um marco regulatório do hidrogênio verde, o Projeto de Lei 2308/2023, evitou se comprometer com a criação de um pacote de subsídios específico, mas sugeriu que os investimentos em projetos de hidrogênio podem ser enquadrados no Reidi (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura), desde que resultem em desenvolvimento de tecnologia localmente.
No final de novembro, o deputado Bacelar (PV/BA), relator do projeto de lei PL 2308/2023, retirou do texto final o pacote de subsídios e incentivos para produção de hidrogênio de baixo carbono, após acordo com a equipe econômica. Inicialmente, a proposta da Câmara dos Deputados previa um regime específico de desoneração de investimentos, além de descontos em encargos na tarifa de energia renovável utilizada na produção do hidrogênio. Chegou-se a cogitar a criação de um leilão de energia específico, mas a equipe econômica preferiu retirar essas alternativas do PL e se comprometeu a fazer um estudo de impacto financeiro para definir quais as medidas mais adequadas.
“Nos anos 1980, o governo apostou no programa do etanol e os resultados foram muito positivos, colocando o país na liderança mundial nessa área. No início dos anos 2000, foi a vez do Estado incentivar a produção de energia eólica e solar e temos hoje uma das indústrias de energia eólica mais competitivas do mundo. A bola da vez é o hidrogênio verde, que ainda não é competitivo em comparação com os combustíveis fósseis, mas, com políticas públicas adequadas, entre elas subsídios por um período determinado, tem tudo para se tornar uma alavanca para a neoindustrialização do Brasil e para o país dar uma contribuição decisiva para o combate ao aquecimento global”, disse Alvarenga.
Alvarenga lembrou que, em 2020, o governo Biden anunciou um plano de investimentos de US$ 2 trilhões para impulsionar a produção e o consumo de energia limpa nos Estados Unidos e garantir a soberania energética do país. O desenvolvimento de uma indústria de hidrogênio verde norte-americana é um dos pilares desse projeto. O Pacto Verde Europeu, lançado em 2019, também inclui a produção de hidrogênio verde como uma prioridade.
“Por reunir as condições para ser um grande produtor de hidrogênio verde, o Brasil pode receber muitos investimentos europeus para desenvolver essa indústria e se tornar um fornecedor sólido de hidrogênio verde para o mercado europeu”, disse o executivo. “A janela de oportunidade para viabilizarmos uma indústria de hidrogênio verde no Brasil é agora. Gostaria de ver essa discussão mais presente no país, tanto no setor público como no privado, e também nas universidades e centros de pesquisa”, concluiu.
Alemanha e Brasil devem trabalhar juntos na defesa da Amazônia e na transição energética para reduzir o aquecimento global
“Não preciso explicar para ninguém no Brasil as oportunidades incríveis que o país tem na área de energias renováveis. Vocês já têm uma matriz energética em grande parte renovável e têm todos os recursos naturais, minerais e humanos para aprofundar ainda mais essa transição internamente, assim como para contribuir decisivamente com o mundo para a construção de um futuro mais sustentável para todos. O Brasil e a Alemanha, que já têm uma longa história de parceria tanto entre os governos como entre as empresas, devem dar as mãos com esse objetivo”, afirmou a embaixadora alemã em Brasília, Bettina Cadenbach.
Cadenbach lembrou que, sobretudo após a pandemia e a guerra na Ucrânia, a Alemanha está decidida a diversificar suas fontes de energia, com ênfase nas energias renováveis, e o hidrogênio verde tem grande potencial para o estabelecimento de uma parceria entre os governos dos dois países e as empresas alemãs e brasileiras.
“Já existe uma cooperação importante em termos de pesquisa, precisamos agora resolver as questões legais, logísticas e de infraestrutura para podermos avançar na produção em grande escala de hidrogênio verde no Brasil, em parceria com empresas alemãs”, afirmou a representante do governo alemão.
Cadenbach elogiou o compromisso do governo Lula com a proteção da Amazônia e disse que a Alemanha está disposta a colaborar com o que for necessário para esse objetivo: “O Brasil tem papel fundamental na preservação da Floresta Amazônica – condição essencial para conseguirmos reverter o processo de mudança climática. É uma boa notícia que o presidente Lula se comprometeu em proteger a Amazônia e a Alemanha está aqui para dar o suporte necessário para o Brasil atingir esse objetivo”, disse.
Por fim, a diplomata alemã defendeu a conclusão o quanto antes do acordo estratégico entre a União Europeia e o Mercosul: “O acordo UE-Mercosul é o caminho para aproximar e transformar nossas nações e corporações na direção de um futuro mais sustentável, justo e inclusivo para as populações de nossos países.”
Assista ao vídeo do debate na íntegra.
Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.