Debates
17 de maio de 2018

Revitalização de Centros Históricos Metropolitanos

“Intervenções urbanísticas isoladas não resolverão o problema do centro de São Paulo. É necessária a articulação de diversas políticas públicas, como segurança urbana, habitacional, assistência social e saúde pública”, disse a arquiteta Heloisa M. Salles Penteado Proença.

Não faltam argumentos econômicos, sociais, culturais e urbanísticos para a revitalização do centro de São Paulo, mas qualquer projeto nesse sentido (vários foram anunciados nas últimas décadas, por sucessivas administrações municipais) só se concretizará se envolver não apenas a Prefeitura e suas diversas secretarias, como também os governos estadual e federal, os poderes Legislativo e Judiciário, órgãos de controle governamental e proteção do patrimônio histórico, a iniciativa privada e a sociedade civil.

Foi o que disse o prefeito Bruno Covas na abertura do seminário Revitalização dos Centros Históricos Metropolitanos, realizado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso e pelo Arq.Futuro. “Para aperfeiçoar as iniciativas e conseguir tirá-las do papel, é fundamental haver maior articulação entre os setores público, privado e a população, assim como entre os diversos níveis de governo. Quanto mais atores envolvidos, melhor”, afirmou Covas.

“Intervenções urbanísticas isoladas não resolverão o problema do centro de São Paulo. É necessária a articulação de diversas políticas públicas, como segurança urbana, habitacional, assistência social e saúde pública”, disse a arquiteta Heloisa M. Salles Penteado Proença, secretária municipal de Urbanismo e Licenciamento. Proença lembrou que o centro é, paradoxalmente, a região da cidade mais bem servida de infraestrutura, com grande concentração de empregos e detentora de um significativo parque imobiliário e rede de transporte público e, no entanto, concentra importante população de baixa renda em situação precária (cerca de 15 mil moradores de rua).

‘Síntese dos problemas brasileiros’

“A decadência dos centros das antigas capitais brasileiras espelham uma mudança em nosso projeto de país. Anteriormente, tínhamos cidades menores, mas mais adensadas, e havia um convívio mais próximo entre diversos segmentos econômicos e sociais. Depois, começamos a separar pobres de ricos, com o carro nos levando o mais longe possível dos centros, que foram se esvaziando e se degradando. Hoje os centros históricos sintetizam e cristalizam os principais problemas brasileiros”, disse o arquiteto e urbanista José Armênio de Brito Cruz, presidente da SP Urbanismo, empresa pública ligada à Prefeitura de São Paulo.

“Nas áreas centrais de nossas cidades estão as respostas para nossos maiores desafios”, concordou o também arquiteto e urbanista Washington Fajardo, que assessorou o prefeito Eduardo Paes durante a preparação para os Jogos Olímpicos Rio 2016 e presidiu o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH). “Se conseguirmos destravar o potencial dos centros históricos, eles podem se tornar uma importante base de inovação para a sociedade brasileira. Para isso, é fundamental atrair a juventude”, disse.

“Nos Estados Unidos, grande parte da população mais jovem prefere viver nas regiões centrais das grandes cidades, devido à mobilidade, pois muitos não desejam mais ter carro, e a oferta de trabalho, cultura e lazer. Aqui em São Paulo, como em outras cidades do Brasil, precisamos atrair essa massa crítica para as regiões centrais. Se conseguirmos fazer isso, a revitalização decola por conta própria”, disse o empresário Mauro Teixeira Pinto, sócio da TPA Empreendimentos e membro consultivo do Secovi – SP.

Adensamento populacional

No final de julho, após uma revisão da Operação Urbana Centro, a Prefeitura paulistana anunciou que pretende levar ao menos mais 140 mil novos moradores para 11 distritos do centro expandido, com a reforma de prédios abandonados para fins sociais. Além do adensamento habitacional, a Prefeitura quer fortalecer a economia local, recuperar espaços públicos (com a reforma da Praça Júlio Prestes e adjacências, onde se concentrava a Cracolândia, ainda presente na região) e investir na preservação do patrimônio histórico. “Não temos sido competentes em dar destino adequado aos imóveis importantes do centro antigo, muitos desocupados ou ocupados de forma ilegal e em péssimas condições de segurança e preservação”, reconheceu a secretária Heloisa Proença.

Entre outras medidas, a prefeitura planeja reduzir a oferta de vagas de estacionamento nas ruas, com a contrapartida da criação de edifícios-garagem, ampliar áreas de desembarque e carga e descarga e alargar vias fora do miolo comercial, como as Avenidas do Estado e Celso Garcia. Para melhorar a mobilidade, estuda criar uma linha circular de bonde, conectada a estações de trem e metrô já existentes e com passagem por polos comerciais, espaços culturais e outras atrações do centro. Os detalhes do projeto devem ser apresentados à Câmara de Vereadores em 2019.

‘Prima pobre’

Brito Cruz apresentou uma linha do tempo dos projetos de revitalização do centro desde 1971 até os dias de hoje e destacou a importância de encontrar recursos (públicos e privados, no Brasil e no exterior) para garantir a sustentabilidade das iniciativas em estudo.

“A Operação Urbana Centro sempre foi a prima pobre das operações urbanas na capital Desde 1997, captou menos de R$ 60 milhões do setor imobiliário enquanto a Operação Água Espraiada obteve quase R$ 4 bilhões e a Operação Faria Lima, cerca de R$ 2,4 bilhões”, disse o presidente da SP Urbanismo, que defendeu a simplificação da legislação de proteção do patrimônio histórico e a agilização de processos para viabilizar a reforma de prédios tombados. “Por que não facilitar, por exemplo, que imóveis tombados transfiram potencial construtivo para empreendimentos comerciais, de forma a viabilizar a restauração da área tombada?”, sugeriu o arquiteto, que citou casos  em que isso já foi feito, como na reforma do Centro Cultural Banco do Brasil.

Brito Cruz anunciou a restauração de 60 mil metros quadrados de calçadões na região central, cujo mau estado resulta em cerca de 5.400 quedas ao ano: “Gastamos mais de R$ 30 milhões anuais para resgatar e cuidar de pessoas acidentadas devido ao mau estado das vias para pedestres e calçadas.”

“A transformação dos centros antigos não é incompatível com a preservação de seu patrimônio histórico”, afirmou Fajardo, com a experiência acumulada de oito anos à frente do plano de recuperação do centro e da zona portuária do Rio. Segundo o ex-presidente do IRPH, os centros antigos, por guardarem relevante carga simbólica de nossa identidade enquanto sociedade, representam um espaço de exercício da cidadania. “Não é à toa que recorremos a eles por ocasião de manifestações como as Diretas Já (1984) e, novamente, durante as marchas de junho de 2013”, lembrou.

“Entre 1984 e 2013, o Brasil se democratizou, estabilizou a economia e obteve importantes conquistas em termos de inclusão social. Mas ainda temos muito a fazer em relação à política urbana, à gestão dos territórios e à oferta de habitação urbana para fins sociais. Está mais do que na hora de conter a expansão das manchas urbanas em direção às periferias distantes e revalorizar as regiões centrais de nossas cidades”, afirmou o arquiteto carioca.

Segundo Fajardo, “não falta diagnóstico, mas vontade política, legislação adequada e recursos, ou seja, debruçarmo-nos pra valer sobre este desafio e alcançarmos resultados”. Entre as mudanças necessárias, ele sugeriu maior oferta de recursos públicos para a restauração de propriedades privadas com valor histórico. Propôs também a aprovação de uma Lei de Responsabilidade Urbana, inspirada na Lei de Responsabilidade Fiscal, como forma de desestimular o abandono de áreas da cidade pelos governantes. 

‘Trabalho de formiguinha’

“O principal motor da restauração das regiões centrais deve ser a iniciativa privada”, sugeriu Mauro Teixeira Pinto, que trouxe dados que mostram que, nos EUA, a cada US$ 2 de investimento público, a iniciativa privada entra com outros US$ 15. O representante do Secovi lembrou que todos os últimos prefeitos paulistanos, de Marta Suplicy a João Doria, apresentaram ousados planos de revitalização do centro: “Todos fracassaram. Grandes planos com frequência se sobrepõem ao trabalho de formiguinha. Por isso, sou favorável a soluções mais pontuais e cotidianas.” Veja reportagem da BBC Brasil que mostra como seria São Paulo hoje se alguns projetos de urbanismo anunciados pela Prefeitura tivessem saído do papel.

O empresário propôs melhorar a zeladoria (ruas mais limpas, conserto de calçadas, troca de lâmpadas) e a governança das regiões centrais, sempre em estreita colaboração com a população, ONGs, empresas e comércio local, assim como investir em renovação tecnológica (acesso gratuito à internet, novas fontes de energia renovável e meios de transporte não poluentes).

Teixeira Pinto também propôs a revisão de leis e procedimentos que regulamentam a propriedade, o aluguel e o uso de imóveis. “Aos poucos, novos modelos de uso de imóveis vão surgindo, como o airbnb. O mercado em geral vai na frente e a legislação, a reboque. Por que não pensar em formas de estimular uma ocupação mais dinâmica dos imóveis na região central?”, sugeriu.

Por fim, ele sugeriu a revisão do que ele qualificou de “excesso de tombamentos, que atinge quase 70% dos prédios da região”. “Do jeito que está, é muito difícil empreender no centro”, disse Mauro, responsável por nove empreendimentos na região central de São Paulo.

Nova York: há 60 anos e agora

“Quando visitei Nova York pela primeira vez, há mais de 60 anos, era muito perigoso andar por certas regiões. Havia assaltos, ruas fechadas por gangues, tráfico de drogas, conflitos raciais. Hoje pode-se andar com tranquilidade por qualquer lugar de Manhattan. Também aqui no Brasil temos exemplos de intervenções urbanas bem-sucedidas. É preciso estudá-las, aprofundá-las e reproduzi-las em outros lugares”, lembrou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao final do encontro.

Otávio Dias, jornalista, é especializado em questões internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.