Os desafios da política externa brasileira – com Aloysio Nunes
O ex-ministro das Relações Exteriores falou sobre quais devem ser os objetivos da política externa brasileira e como o país deve atuar nos principais tabuleiros da vida internacional.
“Ao permitir que obsessões ideológicas contaminem a política externa brasileira, corre-se o risco de importar problemas que não são nossos e prejudicar a imagem externa e as relações do Brasil a longo prazo.”
Aloysio Nunes Ferreira, ex-ministro das Relações Exteriores (2017-2019)
O Brasil já é reconhecido como um relevante ator regional e internacional: quinto maior país em extensão territorial e população, tem a maior floresta tropical do planeta, amplos recursos naturais, um grande mercado consumidor, economia diversificada e é líder global na produção de alimentos. Multiétnico e multicultural, possui relações estáveis e pacíficas com nações de todo o globo, é signatário dos principais tratados internacionais e participa ativamente dos debates sobre questões fundamentais como clima, direitos humanos, imigração e comércio mundial.
“Este é a imagem que o mundo tem do Brasil. Não há por que reinventar a roda ou importar problemas que não são nossos”, disse o ex-ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes Ferreira (2017-2019) durante a palestra “O lugar do Brasil num mundo incerto: desafios da política externa”, na Fundação FHC. Bacharel em direito, o ex-deputado federal e ex-senador lembrou que os fundamentos da política externa estão definidos na Constituição de 1988: respeito à democracia e aos direitos humanos, ao princípio de não intervenção e ao direito de asilo.
‘Pacto de Migração interessa ao Brasil’
Aloysio discordou da retirada do país do Pacto Global de Migração da ONU, anunciada pelo atual governo em janeiro. “Apesar dos problemas recentes na fronteira com a Venezuela, o Brasil não enfrenta uma grave crise de imigração. Pelo contrário: enquanto aqui há cerca de 1 milhão de imigrantes, outros 3 milhões de brasileiros vivem no exterior, muitos em situação difícil. É de nosso interesse que a questão migratória seja tratada de forma cooperativa, segura e ordenada pelos diversos países, a partir de bases humanistas. Só assim poderemos combater o tráfico de seres humanos, por exemplo”, disse.
O palestrante também criticou a decisão do governo Bolsonaro de não mais sediar a próxima Conferência do Clima das Nações Unidas, que aconteceria em novembro no Brasil e, com a desistência do Brasil, será em Santiago (Chile) no início de dezembro. “Ao abrir mão de ser o anfitrião poucos meses antes do evento, o novo governo criou um grande mal-estar, despertou desconfiança em relação à sua política de meio ambiente e, mais importante, perdeu a oportunidade de exercer um papel central em um debate no qual temos credenciais para sermos protagonistas”, disse.
Sobre a promessa do atual presidente de transferir a Embaixada do Brasil em Tel Aviv para Jerusalém, feita durante a campanha eleitoral no ano passado, Nunes Ferreira relatou que, durante visita oficial a Israel quando era chanceler, nenhuma autoridade israelense lhe fez esse pedido. “É mais um exemplo de importação de pautas alheias que não trazem nada de positivo ao país”, afirmou.
‘Diplomacia é arte da discrição’
Segundo Aloysio Nunes Ferreira, o Brasil deve focar sua atuação diplomática na América Latina, onde tem capacidade de exercer influência concreta, e em organismos internacionais e multilaterais, como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OMC (Organização Mundial do Comércio), entre outros.
“Como dizia Joaquim Nabuco, não se pode querer ser grande dando pulos”, disse.
Criticou, por exemplo, a tentativa fracassada do Brasil de, junto com a Turquia, apresentar uma proposta de solução para o impasse nuclear iraniano, em 2010. “Não temos excedente de poder para resolver um problema dessa magnitude, que envolve superpotências nucleares como Estados Unidos e Rússia. Mas podemos agir com eficácia em nossa vizinhança, como quando mediamos um processo de negociação que pôs fim a uma disputa territorial entre Peru e Equador nos anos 90, evitando uma guerra entre os dois países”, disse.
“A política externa exige discrição e deve ser tocada por profissionais da diplomacia para que possamos obter os melhores resultados para o país em processos de longo prazo que envolvem atores estatais e não estatais”, disse. Aloysio defendeu maior integração do país ao mundo, com a conclusão do acordo entre Mercosul e União Europeia e a entrada do país na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento), entre outras negociações em curso.
‘Saída para Venezuela está no direito internacional’
O ex-ministro demonstrou preocupação em relação à decisão do Brasil e de outros países do Grupo de Lima, dos EUA e da União Europeia de reconhecer Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, como presidente interino da Venezuela. “Há um grande risco ao reconhecermos como presidente alguém que, de fato, não controla o Estado e o território venezuelanos. (Nicolás) Maduro continua tendo apoio dos militares e não nos interessa um eventual rompimento de relações diplomáticas e o fechamento das fronteiras. É importante manter canais de diálogo e cooperação com as autoridades venezuelanas”, disse.
Nunes Ferreira vê com ressalvas a estratégia, até agora mal sucedida, de enviar ajuda humanitária à Venezuela à revelia do governo Maduro. “Como levar os produtos até o outro lado da fronteira, se o atual governo não admite receber ajuda humanitária? E depois, quem vai distribuí-los? Ou vamos lançar alimentos e remédios de paraquedas?”, perguntou.
De acordo com o ex-chanceler, a solução para a crise venezuelana deve estar alicerçada no regramento jurídico dos tratados regionais. “Quando assumimos o MRE, invocamos a cláusula democrática do Mercosul e a Carta Democrática Interamericana para, junto com a Argentina e outros países da região, pressionar o governo da Venezuela a retornar ao Estado democrático de direito. Em seguida, trabalhamos para fortalecer o chamado Grupo de Lima, que tem sido importante e atuante. Devemos evitar qualquer tipo de aventura intervencionista que resulte no acirramento do conflito internamente, com possíveis reflexos nos países vizinhos ou até mesmo a internacionalização da crise”, alertou.
Otávio Dias, jornalista, é especializado em política e assuntos internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do site estadao.com.br e editor-chefe do Huffington Post no Brasil.