Debates
24 de março de 2020

O que já aprendemos sobre a pandemia do Coronavírus? – Por André Medici

“Sem informação precisa, a solução é o bloqueio total. Na Itália, cidades que adotaram a quarentena mais rapidamente conseguiram conter a epidemia”, disse André Cezar Medici, economista sênior da área de saúde do Banco Mundial.

Realizar testes em larga escala é essencial para mapear onde estão as populações de maior risco dentro de cada país ou região e, assim, poder adotar medidas de isolamento e contenção mais focadas e eficientes nos locais onde elas são mais urgentes e necessárias. Este é o caminho racional para evitar uma paralisação geral das atividades por um período longo e indeterminado em todo o mundo, disse o brasileiro André Cezar Medici, economista sênior da área de saúde do Banco Mundial, em entrevista virtual para a Fundação FHC realizada nesta terça-feira, 24 de março, dos Estados Unidos, onde ele vive.  

“É fundamental entender melhor a cadeia de infecção dentro de cada país, região ou continente, para poder segmentar essa cadeia, isolar as áreas onde o Coronavírus está avançando mais, controlar quem está entrando e saindo e prestar auxílio mais rapidamente àqueles que estão sob maior risco” afirmou o especialista. “É possível fazer esse mapeamento por meio de testes em larga escala, como alguns países já mostraram, principalmente a Coreia do Sul, que até agora foi o país mais bem sucedido em achatar a curva de progressão da epidemia, reduzindo grande número de casos confirmados e evitando mortes.”

Enquanto esse mapeamento das infecções não estiver suficientemente claro e as autoridades responsáveis não definirem ações baseadas em informações concretas e focadas, flexibilizar medidas como fechamento de escolas, comércio etc. pode levar a um crescimento ainda mais rápido e descontrolado da pandemia.

“Quando não se tem informação mais precisa, a solução imediata é o ‘lockdown’ (bloqueio) generalizado. Na Itália (país com maior número de mortos até o momento), as cidades que impuseram quarentena mais rapidamente conseguiram conter antes a evolução da epidemia”, disse.

Segundo estudo realizado na Inglaterra cujos resultados foram publicados pela Folha de S.Paulo, medidas de isolamento social como fechar escolas e reduzir a circulação de pessoas foi fundamental para apressar o controle do Coronavírus na província de Wuhan (China), primeiro foco mundial da atual pandemia.

Medici apresentou um gráfico com o número de testes já realizados em diversos países até 20 de março, segundo o  site Our World in Data que compilou informações oficiais de cada país. A Coreia do Sul liderava, com mais de 315 mil testes naquela data, seguida pela Alemanha (167 mil). Em 20 de março, o Brasil tinha realizado pouco mais de 2.000 testes.

“A Coreia do Sul é hoje o principal exemplo de que testar maciçamente e concentrar os esforços do sistema de saúde em diagnóstico, mapeamento, isolamento e tratamento dos infectados é o melhor caminho para tomar decisões informadas, focadas e corretas. Mas há outros exemplos positivos e a situação está evoluindo muito rapidamente. Estamos aprendendo juntos a cada dia”, disse Medici. Veja apresentação completa preparada pelo especialista do Banco Mundial na seção Conteúdos Relacionados, à direita desta página.

Medici elogiou a rapidez com que a sociedade brasileira e autoridades, principalmente estaduais e municipais, adotaram medidas de isolamento, mas salientou que o país tem de avançar rapidamente na produção e aplicação de testes de detecção do COVID-19 para, então, ter capacidade de coordenar o combate à epidemia de forma mais inteligente, informada e focada. 

Brasil: áreas urbanas periféricas requerem atenção especial

Segundo o economista, uma das maiores fragilidades do país está nas periferias das metrópoles e bairros populosos, onde o poder público está menos presente e a infraestrutura é deficiente. “Nesses locais, é muito comum famílias numerosas viverem em um só cômodo e, na casa ao lado, a situação se repete, dificultando ou mesmo impossibilitando criar barreiras entre cada família e entre  membros da mesma família. Muitas vezes não há saneamento básico e faltam água e produtos de limpeza. É fundamental prover às comunidades mais carentes água, material de higiene, informação e treinamento para ajudá-las a combater a propagação do vírus”, afirmou.

Medici lembrou que uma epidemia dessas proporções em um país tão desigual como o Brasil pode levar a outros tipos de crises igualmente sérias, como perda abrupta de renda e desnutrição. “É essencial mobilizar todo o governo em todas as áreas e nos três níveis administrativos para que todos trabalhem juntos com o objetivo de impedir um colapso ainda maior e mais generalizado”, alertou.

Os governos também devem aumentar o número de leitos hospitalares, inclusive de UTI: “Os governos do Estado e da Prefeitura de São Paulo têm feito um bom trabalho nesse sentido, com a rápida criação de leitos provisórios no Estádio do Pacaembu e em outros locais, em parceria com hospitais privados”, disse. Também faltam leitos nas periferias e em cidades menores de todo o Brasil e é necessário desenvolver planos emergenciais para atender à população que vive nessas áreas desassistidas.

A iniciativa privada também deve se engajar no “esforço de guerra” produzindo equipamentos como respiradores (necessários para os doentes com insuficiência respiratória), máscaras e outros equipamentos protetores, além de álcool gel, desinfetante e outros insumos. Por fim, é preciso aumentar a escala das medidas de proteção e auxílio aos médicos e enfermeiros que estão na linha de frente do combate à pandemia, assim como convocar e treinar voluntários em todo o país.

“Com o SUS (Sistema Único de Saúde), muitos hospitais públicos e privados de excelência, grande quantidade de médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde, o Brasil tem capacidade de, em pouco tempo, reforçar bastante a capacidade de reagir, atender melhor os doentes e prevenir mais infecções”, concluiu.

Capacidade de resposta rápida é crucial

Embora ainda seja cedo para tirar lições definitivas do combate ao coronavírus ao redor do mundo, pois os países se encontram em estágios diferentes da evolução da pandemia, a capacidade de responder rapidamente, de forma organizada e fundamentada em decisões técnicas, é um importante diferencial.

Medici apresentou dados de um estudo chamado Global Health Security Index, de novembro de 2019, que mediu o nível de preparação do setor de saúde de 195 países, com notas de 0 a 100 em seis dimensões. Estados Unidos, Reino Unido e Holanda lideram o ranking, mas não estão entre os países que reagiram mais rapidamente e efetivamente à atual pandemia (até o momento). A Coreia do Sul ficou em 9º lugar.

“O modelo do sistema de saúde de cada país, se é universal (atinge toda a população), totalmente público, um mix de público e privado ou sobretudo privado, tudo isso é importante, mas reagir a uma situação pandêmica é diferente do dia-a-dia de um sistema de saúde em condições normais”, afirmou. “Em situações extremas como a que estamos vivendo, é fundamental ter capacidade de resposta, o que inclui prevenção, detecção e mapeamento dos casos confirmados, medidas de contenção e de tratamento.” 

Por enquanto, Coreia do Sul e Alemanha se destacam, mas uma avaliação mais fundamentada só será possível à medida que os países evoluírem no combate e na superação da epidemia. Medici avalia que a primeira resposta da China à disseminação do vírus foi ruim, mas que depois as autoridades chinesas agiram com eficiência.

“Tenho esperança de que, com toda a tecnologia e os amplos recursos médicos, científicos, econômicos e humanos que temos hoje, assim como com maior colaboração entre os países e instituições internacionais como a ONU e a OMS, evitaremos a tragédia ocorrida durante a Gripe Espanhola (1918-1920), concluiu.

A Gripe Espanhola foi causada por um agente da família viral influenza, já a atual pandemia é causada por um agente viral da família coronavírus. Não há estatísticas exatas, mas estima-se que a Gripe Espanhola teria infectado até 500 milhões de pessoas (¼ da população mundial na época), dos quais entre 17 e 50 milhões teriam morrido. No Brasil, a estimativa existente é de que até 300 mil pessoas foram infectadas, entre elas o então recém-eleito presidente da República, Rodrigues Alves, que não tomou posse para seu segundo mandato, que deveria ter se estendido de 1919 a 2022 (o primeiro mandato havia transcorrido entre 1902 e 1906). Alves morreu em janeiro de 2019.

Otávio Dias, jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. Atualmente é editor de conteúdo da Fundação FHC.