Debates
11 de maio de 2022

O Brasil e a Argentina diante da nova ordem geopolítica

Uma das questões centrais deste webinar foi a seguinte: o que as tensões crescentes entre Estados Unidos e China significam para as relações entre Brasil e Argentina e para o Mercosul?

A rivalidade entre os Estados Unidos e China no panorama geopolítico atual tende a impactar até mesmo as relações de países como o Brasil e a Argentina, parceiros no Mercosul, mas que vivem uma fase de distanciamento político, diplomático e até mesmo econômico. Frente à crescente bipolaridade sino-americana, Brasília e Buenos Aires devem evitar tomar partido e retomar o diálogo bilateral e no âmbito do Mercosul, com o objetivo de atuar de forma mais cooperativa e coordenada no novo cenário mundial.

Este foram os pontos centrais deste webinar promovido pela Fundação Fernando Henrique Cardoso em 11 de maio, com as participações de Gisela Pereyra Doval, professora da Faculdade de Ciências Políticas e Relações Internacionais da Universidad Nacional de Rosario (Argentina); Tatiana Prazeres, doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), professora na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e na Universidade de Negócios Internacionais e Economia (Pequim); Bernabé Malacalza, professor do doutorado em Desenvolvimento Econômico da Universidad Nacional de Quilmes (UNQ) e do mestrado em Estudos Internacionais na Universidad Torcuato Di Tella (Buenos Aires); e Juan Gabriel Tokatlian, professor do Departamento de Ciência Política e Estudos Internacionais e vice-reitor da Universidad Torcuato Di Tella. A mediação foi do cientista político Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC.

Primeiro a falar, Bernabé Malacalza fez um breve histórico de como se deram as relações entre Brasil e Argentina nas últimas quatro décadas. Se até 1980, a marca predominante era a rivalidade, a partir dos acordos de Itaipu as relações se estabilizaram e passou a haver uma cooperação, reforçada nos anos 90 com a criação do Mercosul (1991), no auge de uma ordem global unipolar, em que os Estados Unidos eram a potência mundial inconteste em termos econômicos, tecnológicos, militares e políticos.

Hoje o mundo é outro, com novos e complexos desafios, e a América do Sul não tem conseguido harmonizar seus interesses e agir de maneira coordenada: “A região vive um período de relativa desintegração regional, que também se faz presente ao sul do continente, com o esvaziamento do Mercosul nos últimos anos e o desacoplamento entre Brasil e Argentina”, disse Bernabé, lembrando a ausência de empresas binacionais e de vínculos produtivos mais estreitos entre os dois países.

Disputa pode ser uma oportunidade para os países sul-americanos

Gisela Pereyra Doval seguiu na mesma linha. Declarando-se pessimista, ela destacou a baixa intensidade dos contatos recentes, traduzida na ausência de reuniões entre os governos brasileiro e argentino, atualmente em polos ideológicos opostos. Mas, segundo a professora, o novo cenário geopolítico pode ser uma oportunidade para retomar a cooperação bilateral e regional, em nome de interesses comuns. “A disputa entre China e Estados Unidos pode beneficiar a América do Sul. É preciso saber aproveitar as margens e identificar oportunidades de novos negócios”, disse Gisela, que salientou a importância de uma nova posição política e estratégica do Brasil e da Argentina na região e no mundo.

Para Tatiana Prazeres, que morou em Pequim entre 2019 e 2021, a China já é um ator-chave na perspectiva mundial e se colocará cada vez mais como contraponto ao poder norte-americano, na disputa para se tornar a primeira economia mundial: “Não é mais como na época da Guerra Fria, não há necessidade de tomar partido automaticamente entre Washington e Pequim.”

Segundo Tatiana, a guerra na Ucrânia torna a situação ainda mais imprevisível e os países da América do Sul devem ser cautelosos e trabalhar em conjunto para defender seus interesses. “É possível que os Estados Unidos demonstrem maior interesse pelos países da região, ainda periféricos em relação às potências, mas com grande capacidade de articulação. Porém é preciso que nossos países trabalhem em conjunto”, disse Tatiana.

Bernabé acrescentou que dois fatores seriam fundamentais: uma convergência estratégica entre Brasil e Argentina e um consenso doméstico para esse alinhamento. “Deve haver um projeto de integração unindo os dois principais países da América do Sul para que a região possa ter uma voz que ainda não tem”, completou Gisela.

Segundo os participantes, na atual conjuntura os interesses econômicos – como as oportunidades de investimentos – se sobrepõem aos aspectos políticos. “A China não tem interesse em exportar seu modelo político como Estados Unidos e Rússia tiveram no passado recente”, disse Tatiana.

Protagonismo na América do Sul

O professor do Departamento de Ciência Política e Estudos Internacionais da Universidad Torcuato Di Tella Juan Gabriel Tokatlian –  que havia sido convidado para participar mas teve dificuldades técnicas e só entrou na parte final do evento – reforçou que as interconexões entre Brasil e Argentina – que, segundo ele, são muitas: econômicas, diplomáticas, tecnológicas – precisam ser fortalecidas. “A proximidade científica foi se perdendo. E até mesmo a política, que unia parlamentares e governadores, deixaram de ter vínculos representativos. Não há obstáculos reais para uma maior cooperação, apenas não vejo interesse de ambas as partes neste momento”, disse.

Segundo ele, mesmo num contexto de afastamento político entre Brasília e Buenos Aires, há espaço para um aprofundamento da cooperação e do diálogo em áreas mais técnicas. Como exemplo, destacou a importância de esforços conjuntos para proteger o Atlântico Sul, compartilhado entre os dois países, de ameaças ambientais ou de segurança.

Para Juan Gabriel, as relações entre os militares dos dois países estão preservadas e poderiam servir como base para o fortalecimento da cooperação bilateral, no contexto da defesa no Cone Sul. Também seria possível avançar em temas ligados ao agronegócio ou mesmo com relação à tecnologia e ao desenvolvimento científico.

Para Gisela, “o mais importante é a busca por uma conjuntura mínima que una Brasil e Argentina, superando eventuais divergências ideológicas e priorizando cooperações a curto e a médio prazo”.

Na conclusão do webinar, Sergio Fausto lembrou que a Fundação Fernando Henrique Cardoso sempre considerou o fortalecimento das relações bilaterais entre Brasil e Argentina, assim como do Mercosul, como uma das prioridades de sua agenda de atividades e que continuará sendo um espaço de análise e debate para que a integração regional se aprofunde.

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Márcio Pinheiro é jornalista com passagens pelo O Estado de S. Paulo, Zero Hora e Jornal do Brasil.

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