Debates
03 de setembro de 2024

Meio Ambiente e Desenvolvimento: as oportunidades da descarbonização e como aproveitá-las

O debate inaugurou um ciclo de encontros sobre meio ambiente e desenvolvimento, com o qual a Fundação FHC pretende contribuir para os preparativos rumo à COP 30, prevista para ocorrer em Belém em novembro de 2025.

A transição climática no Brasil tem características e especificidades próprias, com dilemas diferentes dos enfrentados por outros países, e o país deve evitar importar problemas que não são seus ou copiar modelos e soluções que não servem às suas necessidades. 

Para que realize seu potencial de ser um dos líderes mundiais nesse processo fundamental para o planeta, o governo (em seus três níveis), o legislativo, o setor privado, as universidades, os centros de ciência & tecnologia e a sociedade civil devem aprofundar o debate sobre um futuro em que desenvolvimento e sustentabilidade andam juntos, o que exige superar a atual polarização em relação ao tema ambiental.

Estas foram as principais conclusões deste debate que inaugurou um ciclo de encontros sobre meio ambiente e desenvolvimento, com o qual a Fundação FHC pretende contribuir para os preparativos rumo à COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), prevista para ocorrer em Belém em novembro de 2025.

José Roberto Mendonça de Barros, Izabella Teixeira, Ricardo Mussa e Luciana Costa em debate no auditório da Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

“Temos que discutir segurança climática, energética, mineral e agrícola, entre outros aspectos da transição. Isso exige compromisso dos setores público e privado, de toda a sociedade. É inescapável o Brasil debater seu futuro em um mundo que enfrenta desafios extremos, e isso deve ser feito de maneira ampla e integrada, acima do ambiente de polarização política e ideológica”, disse Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente e conselheira da Fundação FHC.

Segundo a ambientalista, é preciso trabalhar simultaneamente a mitigação dos problemas decorrentes do aquecimento global, que já fazem parte do cotidiano de muitas pessoas no Brasil e no mundo, e as iniciativas de descarbonização voltadas aos diversos setores produtivos. “O Brasil precisa superar o ‘achismo’ ambiental e climático e discutir seriamente como as questões ambientais impactam os setores econômicos, colocando-as no centro de todas as decisões de investimento”, disse.

O economista e consultor José Roberto Mendonça de Barros lembrou que o Estado brasileiro vive hoje uma forte restrição orçamentária, o que torna inviável que a transição climática seja bancada principalmente com recursos do Tesouro, na forma de subsídios, por exemplo. “Para financiar projetos importantes como a produção de hidrogênio verde em grande escala, ou de plantas de energia renovável offshore, vamos precisar de um mercado de créditos de carbono bastante desenvolvido e eficiente. O mercado internacional de créditos de carbono deve financiar a transição brasileira como contrapartida à preservação da Amazônia. Infelizmente isso ainda não está no horizonte”, explicou.

Segundo o fundador da MB Associados, o país tem avançado de maneira consistente na descarbonização de importantes processos produtivos, como no caso do cimento verde, mas enfrenta duas inconsistências: o fato de ser ao mesmo tempo ”sócio da OPEP” (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e anfitrião da COP 30; e a falta de rumo na governança do setor elétrico, pois, embora esteja sobrando energia de fontes renováveis, o custo da energia para o consumidor continua elevado.

Debate sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento na Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

“O Brasil já faz transição energética há várias décadas e, se o mundo estivesse hoje na situação em que o Brasil se encontra, não estaríamos discutindo o aquecimento global nos termos atuais. O setor energético brasileiro é responsável por apenas 18% das emissões de carbono do país, sendo que no mundo esse percentual é de 65% a 70%. Não devemos importar problemas que não são nossos”, disse Luciana Costa, diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES.

Segundo a representante do banco público, para reduzir sua pegada de carbono e proteger o meio ambiente, o país deve “olhar com carinho” para projetos de ferrovias de carga, mobilidade urbana (ônibus elétricos e híbridos) e saneamento básico. “Entramos na transição com hiatos grandes em infraestrutura, logística, transporte público e saneamento. São áreas que têm potencial de descarbonização gigantesco. Em 2023, o BNDES destinou R$ 70 bilhões para projetos estruturantes nessas áreas”, disse.

“Não há dúvida de que o Brasil está do lado da solução dos problemas decorrentes da mudança climática, mas precisamos de legislações e políticas públicas adequadas para atrair mais investimentos externos e viabilizar bons projetos de descarbonização. O país também se vende mal lá fora, poucos conhecem os nossos pontos positivos, já os negativos são amplamente difundidos e prejudicam nossa imagem”, disse Ricardo Mussa, CEO da Raízen, empresa brasileira de energia renovável.

Mussa alertou para a importância da estabilidade das regras no setor energético e deu como exemplo o programa RenovaBio, criado em 2017 com o objetivo de ampliar a produção e o uso de biocombustíveis na matriz energética brasileira. O programa funciona através do estabelecimento de metas nacionais anuais de descarbonização para o setor de combustíveis, permitindo a aquisição de Créditos de Descarbonização (CBIO) negociados em um mercado próprio.

“O RenovaBio é um mercado de carbono bastante sofisticado, que se autorregula em função da maior ou menor oferta de combustíveis renováveis, tendo a compra de CBIOs como um instrumento inovador que dá suporte ao desenvolvimento desse mercado. Mas, para funcionar, o programa tem que ter boa governança e previsibilidade. Se o governo mexe nas metas anuais, como aconteceu por exemplo em 2022 pouco antes das eleições presidenciais, isso desmoraliza e prejudica a governança do RenovaBio”, disse.

A transição climática tem como objetivo sair de um modelo econômico baseado na queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão), resultando em emissões de gases de efeito estufa em larga escala e contribuindo para o aquecimento global, para outro modelo que priorize o uso da energia de fontes renováveis e processos produtivos mais eficientes, com o objetivo de controlar a mudança climática.

Debate sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento na Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

Exploração de petróleo na Margem Equatorial divide palestrantes

Para Mendonça de Barros, existe uma inconsistência no desejo do país de ser um líder mundial da transição climática e, ao mesmo tempo, continuar a ser um exportador de petróleo, cuja queima é uma das principais razões do aquecimento global. “O país é sócio da OPEP e vai receber a COP 30, tem uma inconsistência aí. Estamos agora no meio dessa discussão se devemos ou não explorar petróleo na região do Oceano Atlântico em frente à Foz do Rio Amazonas. Não digo que não se deve fazer, mas se abrirmos essa brecha a tendência é de o petróleo sair na frente de todo o resto e prejudicar o projeto de transição climática brasileiro como um todo”, alertou o economista.

“A exploração de petróleo no pré-sal é muito eficiente no que diz respeito às emissões de carbono. E esse modelo pode ser reproduzido na Margem Equatorial (extensa faixa do Oceano Atlântico que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte, cujo subsolo pode conter grandes reservas de petróleo e gás). Só pesquisas exploratórias poderão definir se vale a pena explorar petróleo na região. Esta deve ser uma decisão técnica e que leve em conta todas as questões de segurança”, disse Luciana Costa.

A diretora do BNDES lembrou que a exploração de petróleo do pré-sal começará a declinar na próxima década e, se for feita a opção por não explorar novas reservas, o país deixará de ser exportador do produto, importante conquista dos últimos anos. “Defendo que seja autorizada a pesquisa exploratória na Margem Equatorial para sabermos o tamanho das reservas e as condições de exploração. Quando tivermos essa informação, a sociedade brasileira poderá decidir o que fazer com ela. Sem pesquisar, não há como tomar uma decisão adequada”, afirmou.

“É preciso furar para ver o que tem lá embaixo (na Margem Equatorial). A sociedade brasileira não pode se dar o luxo de desperdiçar um produto que vai gerar exportação, compor a produção nacional, pagar impostos e royalties e ajudar a financiar os gastos públicos em áreas fundamentais como educação e saúde”, defendeu Henri Philippe Reichstul, que presidiu a Petrobras entre 1999 e 2001.

“É inescapável o Brasil debater seu futuro em um mundo que enfrenta desafios extremos, e isso deve ser feito de maneira ampla e integrada, acima do ambiente de polarização política e ideológica”, disse Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente.

Reichstul, que não estava na mesa debatedora mas pediu a palavra, lembrou que a Petrobras opera com altos padrões de segurança em suas operações nas costas do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, onde ficam importantes reservas petrolíferas, inclusive as do pré-sal. “Em várias décadas de exploração marítima, já foram feitas mais de 15 mil perfurações de poços e nunca houve vazamento. Dezenas de milhares de funcionários da Petrobras são transportados para as plataformas todos os anos e nunca caiu um helicóptero. Extrair petróleo e gás do fundo do mar é um negócio de altíssima tecnologia, e a Petrobras é líder mundial nisso”, disse.

O ex-presidente da Petrobras lembrou que a Noruega, um dos países mais ricos do mundo, deve seu desenvolvimento socioeconômico em grande parte à exploração petrolífera no Mar do Norte a partir dos anos 1970, mas atualmente se destaca também na área de energias renováveis. “Esta suposta contradição foi muito bem resolvida pelos noruegueses. O Brasil pode fazer o mesmo. Aliás, já fizemos nossa transição energética com a construção das grandes hidrelétricas e com o programa do etanol no século passado e, mais recentemente, com o avanço da energia eólica e solar”, concluiu.

Izabella Teixeira, Ricardo Mussa e Luciana Costa em debate na Fundação FHC
Foto: Vinicius Doti

Desmatamento da Amazônia é crime a ser combatido, mas não deve paralisar agenda

Segundo Izabella Teixeira, o uso da terra, comumente considerado o vilão das emissões de carbono no Brasil devido ao desmatamento ilegal da Amazônia, não deveria mais ter a centralidade que tem tido recentemente. “Esta é uma agenda do passado, que há pouco mais de uma década o país esteve perto de equacionar, mas de uns anos pra cá o desmatamento ilegal voltou a se agravar, em parte porque a sociedade tem sido conivente com a destruição da floresta”, disse.

“A destruição da Amazônia por contrabandistas de madeira, grileiros e garimpeiros ilegais é crime e deve ser combatido com vigor, mas não deve paralisar e prejudicar a agenda contemporânea da transição climática, que inclui temas estratégicos como economia política, geopolítica e novas tecnologias digitais, entre outros”, disse a ex-ministra.

“Todas as condições políticas, econômicas e geopolíticas que possibilitaram os acordos da Rio 92 e do Acordo de Paris (2015) estão superadas. Vivemos em um mundo fragmentado e em rápida transformação, que não será mais dominado pelo Ocidente. A governança climática não é mais prerrogativa de Estados, está em permanente movimento e exige uma nova maneira de pensar, agir e negociar. O Brasil precisa entrar no debate para valer e com base em novas premissas, ou será pautado de fora para dentro”, disse.


Assista aos vídeos da quarta temporada da série Vale a Pena Perguntar, que abordam a relação entre meio ambiente e desenvolvimento.


Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

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