Educação Cidadã no Brasil: formando uma nova geração para a democracia
Um dos assuntos debatidos neste evento foi o Projeto de Lei 1.577/22, que propõe instituir a Política Nacional de Educação para a Política e Cidadania.
A Educação para a Cidadania deve ser uma iniciativa permanente e de longo prazo, não basta recorrer a ela apenas em momentos de crise da democracia ou de polarização excessiva, como o que estamos vivendo no Brasil e no mundo. “A educação política precisa de uma razoável dose de paz social para surtir bons efeitos. Quando a crise está instaurada e vivemos um estrangulamento democrático, sua capacidade de ajudar é reduzida. Neste sentido, ela é mais preventiva do que antibiótica”, disse Alexsandro Santos, diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Básica do Ministério da Educação, neste debate realizado pela Fundação FHC e pela Rede Nacional de Educação Cidadã.
Embora toda a sociedade, incluindo universidades, organizações sem fins lucrativos, escolas do Legislativo, iniciativa privada, entre outros, já contribuam para fomentar a educação cidadã, é nas escolas públicas que a formação para a cidadania poderia ganhar escala. “Se queremos ter uma formação cidadã para todos os brasileiros e brasileiras, ela precisa estar na escola pública. Vivemos atualmente um clima de polarização entre professores, alunos e famílias, todo mundo um pouco receoso de trazer temas políticos e sociais para debate. Mas precisamos encontrar formas de fazer isso com tranquilidade e equilíbrio, pois é fundamental para a educação política das novas gerações”, disse Anna Penido, diretora do Centro Lemann de Liderança para Equidade na Educação.
“É imenso esse universo da educação política. Há um trabalho sério sendo feito em múltiplos sentidos por diversos atores sociais, incluindo Terceiro Setor, iniciativa privada e governos. Também há muitos estudos e pesquisas sobre o que é educação política e como colocá-la em prática. Por outro lado, existe uma contracorrente que não quer que a educação política chegue aonde precisa chegar. Gente contrária à ideia de que é preciso ensinar aspectos gerais da política nas escolas. Quem é contra afronta o artigo 205 da Constituição Federal, que diz explicitamente que a educação é direito de todos e é dever do Estado preparar os cidadãos para o exercício da cidadania”, afirmou Humberto Dantas, diretor-presidente do Movimento Voto Consciente.

Foto: Vinicius Doti
A Educação para a Cidadania é um dos pilares de atuação da Fundação FHC, que oferece gratuitamente atividades e materiais educativos voltados à cidadania. Desde sua criação pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso há mais de 20 anos, mais de 6 milhões de pessoas — entre estudantes, educadores e o público em geral — foram impactadas por nossas iniciativas, que incluem materiais educativos para uso em sala de aula (como roteiros pedagógicos e infográficos), exposições, oficinas, publicações e minidocumentários. Só a exposição presencial sobre o Plano Real, por exemplo, já recebeu mais de 80 mil visitantes em nossa sede, situada no Centro Histórico de São Paulo.
Por meio de nosso programa de Educação para a Cidadania, buscamos inspirar as novas gerações a conhecer mais sobre a história do Brasil, sobretudo a partir da redemocratização, a compreender temas fundamentais para a democracia e o desenvolvimento do Brasil em sua relação com o mundo e a se tornar protagonistas para enfrentar os desafios de nossos tempos. Assista ao vídeo sobre os projetos de Educação para a Cidadania da Fundação FHC.
Educação para a Cidadania não deve ter carimbo ideológico
Segundo Alexsandro Santos, o Ministério da Educação está formulando uma proposta de Política Nacional de Educação Cidadã, mas não há data definida para sua apresentação: “Estamos avançados na formulação técnica dessa política a partir de conversas com diversos atores sociais”, disse o representante do MEC, para quem é preciso desconstruir a visão de que a educação para a cidadania tem enquadramentos ideológicos.
“A educação política não deve ter carimbo ideológico. Enquanto reforçarmos a ideia de que esta é uma pauta de esquerda, estaremos atrapalhando a construção de uma política de Estado consistente e permanente. Quais são, por exemplo, as contribuições do liberalismo para a cultura democrática? Elas certamente existem e devem ser valorizadas”, disse Santos, doutor em educação pela Universidade de São Paulo.
“Não é simples viver em uma democracia e, quanto mais robusta e vibrante ela for, mais vai demandar um processo educativo para que os cidadãos aprendam a lidar com as diferenças, outras opiniões, outros desejos. É fundamental que os brasileiros e brasileiras entrem em acordo sobre um projeto de sociedade onde caiba todo mundo. Para isso, é preciso aprender a exercer a autocontenção, dialogar, lidar com tensões e contradições, encontrar convergências”, afirmou.

“Ainda temos um problema de amplitude em nossa democracia, que não alcança toda a população. Não basta exercer a democracia apenas na hora de votar, ela precisa penetrar nas camadas mais profundas da sociedade, chegar às periferias, aos povos indígenas, às comunidades quilombolas, a toda a sociedade”, disse o diretor do MEC.
Visite a página que reúne os Materiais Educativos disponibilizados gratuitamente pela Fundação para professores e alunos do Ensino Médio.
A escola é o primeiro espaço de exercício da cidadania
Para Anna Penido, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já estabelece os parâmetros e os instrumentos para trabalhar os temas fundamentais de uma educação cidadã: “Não é preciso inventar nada novo, mas adequar alguns componentes curriculares como sociologia e filosofia para que se conectem melhor à realidade dos jovens. A escola é o primeiro espaço público de exercício democrático da cidadania. Como vou ocupá-lo?”
“Muitos estudantes não sabem como funciona a estrutura política do país, da importância da separação entre os três Poderes da República e de outros aspectos de nosso sistema político. Mas o aspecto mais importante da educação cidadã é instigar os jovens a fazer suas escolhas respeitando as escolhas e os direitos dos demais. Que papel eu quero desempenhar na sociedade? Esta é a pergunta que todo jovem deve se colocar”, afirmou a diretora do Centro Lemann.

Foto: Vinicius Doti
Conheça a série de mini documentários Vale a Pena Perguntar, que aborda questões essenciais para a democracia de forma didática e acessível.
Ousar ou voar abaixo do radar?
“No atual contexto de extrema polarização política, é possível avançar na definição de uma Política Nacional de Educação Cidadã que funcione? Em vez de buscar um máximo denominador comum, que poderia resultar em paralisia, não seria melhor jogar para garantir a implementação do que já existe? Ou seja, optar por um mínimo denominador comum que possa ser aceito pelas diversas forças políticas e sociais?”, perguntou o cientista político Sergio Fausto, diretor geral da Fundação FHC e mediador do debate.
“Com um Congresso Nacional tão conservador como o atual, acho difícil qualquer projeto mais ousado ser aprovado. Seria o momento de voar abaixo do radar, para evitar ataques? Arrefecer as resistências já seria muito positivo. O máximo com certeza não vai ser, mas o que seria o mínimo?”, disse Humberto Dantas, editor do recente número dos Cadernos Adenauer intitulado “Práticas de Ação Política”, com dez artigos sobre projetos de educação política colocados em prática em diversos estados brasileiros.
“Neste momento, acho mais prudente buscar o mínimo denominador comum, mas não podemos aceitar o mínimo que historicamente vem sendo praticado no Brasil, que é excludente e injusto. Não pode ser o mínimo de quem sempre tomou as decisões no país, mas um mínimo que permita abordar temas dolorosos que evitamos há séculos”, concluiu Santos.
Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.