Debates
30 de outubro de 2024

Descarbonização: desafios e oportunidades para a indústria brasileira

O webinar apresentou as principais conclusões de uma série de três papers — produzidos pela Fundação FHC e pelo CINDES e disponíveis para download gratuito — sobre políticas industriais verdes.

O Brasil não tem capacidade fiscal para acompanhar os esforços dos Estados Unidos da América, da União Europeia e da China na implementação de políticas industriais verdes que mobilizam enormes recursos em subsídios tributários e creditícios. Além de maior capacidade fiscal, as economias das principais potências do planeta contam com setores industriais tecnologicamente mais avançados e competitivos. 

Isso significa que elas têm melhores condições para, ao mesmo tempo, avançar na descarbonização de suas economias e fazer com que suas indústrias disputem a liderança na criação de novos bens e serviços capazes de reduzir a emissão de gases de efeito estufa. O desafio é grande, mas as oportunidades e os estímulos para aproveitá-las são ainda maiores. 

Na corrida da descarbonização, o Brasil não larga no pelotão da frente, nem dispõe de condições fiscais e tecnológicas para almejar a liderança. Aqui, ao contrário do que ocorre nos países industrializados, a indústria não está entre as principais fontes de emissão de gases de efeito estufa, mas não poderá se esquivar do desafio, sob pena de perder acesso a mercados externos. 

A União Europeia já adotou um imposto sobre o carbono emitido na produção das importações destinadas ao mercado europeu. O chamado Carbon Border Adjustment Mechanism entrará em vigor definitivamente a partir de 2026. A tendência é que mecanismos semelhantes sejam adotados por outras grandes economias.

Além disso, internamente, a indústria terá de se adaptar ao Sistema Brasileiro de Emissões de Gases de Efeito Estufa, que deverá entrar em vigor em cerca de três anos, a contar da aprovação do projeto de lei que regula o mercado brasileiro de carbono, que retorna agora à Câmara para ajustes finais.    

Para o Brasil é mais difícil compatibilizar os objetivos de avançar na descarbonização da indústria e promover a produção doméstica de bens e serviços verdes. “A tentativa de produzir internamente uma ampla gama desses bens e serviços, mediante subsídios e proteção tarifária, além de agravar desequilíbrios macroeconômicos, imporia custos excessivos às empresas, dificultando a adoção de produtos e processos redutores da emissão de gases de efeito estufa”, disse Pedro da Motta Veiga, diretor do Centro de Estudos sobre Desenvolvimento e Integração (CINDES).

Apontar limites e reconhecer restrições, porém, não deve inibir a identificação e aproveitamento de oportunidades para revitalizar a indústria brasileira na esteira da descarbonização. Políticas industriais verdes fazem sentido nesse contexto, mas não podemos repetir erros do passado. “Uma política industrial verde com a mentalidade do desenvolvimentismo tradicional está fadada ao fracasso”, disse Veiga. 

Estas foram as principais conclusões deste webinar que marcou o lançamento de três papers sobre políticas industriais verdes produzidos pela Fundação Fernando Henrique Cardoso e o CINDES, com apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). 

Elas devem ser seletivas e concentradas onde já existam recursos humanos, tecnológicos e capacidade competitiva revelada, medida pela participação em mercados externos relevantes.

Governo busca alavancar recursos privados junto com investimentos públicos

Carolina Grottera, diretora de programa na Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, uma das responsáveis pelo Plano de Transformação Ecológica do governo federal, reconheceu as restrições fiscais, mas enfatizou a disponibilidade de recursos privados nacionais, mas sobretudo internacionais, para investimentos em projetos ligados à transição energética, agricultura de baixo carbono, bioeconomia, economia circular etc. 

Com o objetivo de mobilizar e canalizar recursos de investidores internacionais e bancos multilaterais, ressaltou Grottera, o governo lançou o programa Ecoinvest. Entre outras formas de apoio ao investimento verde, há uma linha de empréstimos para dar proteção cambial ao investidor disposto a financiar projetos importantes para a sustentabilidade ecológica e ambiental. 

O programa condiciona o acesso a recursos públicos à mobilização de recursos privados de maior monta. O público entra com R$ 1 e o privado entra com, no mínimo, R$ 6, um recurso a juro baixo para alavancar projetos de transformação ecológica, conforme explicou o ministro Fernando Haddad. Em outubro, no primeiro leilão, foram alavancados R$ 45 bilhões de recursos privados a partir de R$ 7 bilhões de recursos públicos, segundo declarações do ministro à imprensa. 

Além de explorar o campo da chamada blended finance, Grottera destacou a importância de programas voltados à construção de critérios objetivos para a classificação de projetos e ativos de acordo com sua relevância a transição para um economia socioambientalmente sustentável. Este é o objetivo da chamada Taxonomia Sustentável Brasileira. O Ministério da Fazenda tem incidência direta sobre os programas de financiamento e regulação. Grottera defendeu a importância da pasta “maximizar o seu escopo de atuação”, com criatividade, dentro do espaço fiscal disponível. 

Política industrial verde não deve ser protecionista

João Fernando Gomes de Oliveira, sócio-diretor da Scenario Automation, se estendeu sobre as grandes linhas de uma política industrial verde: “Não vale a pena tentar transformar setores com base no protecionismo. A produção de aço brasileira, por exemplo, está estacionada em 30 milhões de toneladas anuais há 20 anos. Há duas décadas, a China produzia 90 milhões de toneladas por ano, hoje produz 1 bilhão. O que não conseguimos entender até hoje é que o desenvolvimento industrial nacional deve ser pensado no contexto de uma maior integração às cadeias globais de valor.”

Segundo Oliveira, que foi diretor-presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a China, assim como os EUA, sabem escolher os setores com maior capacidade de serem vencedores no mercado internacional e articular políticas para ajudá-los: “Isso foi feito por exemplo na indústria de veículos elétricos. Há mais de uma década, a cidade de Shenzhen encomendou 45 mil ônibus elétricos. Estavam preocupados em não poluir ou em fazer política pública para desenvolver uma indústria de eletrificação automotiva poderosa? O resultado estamos vendo agora com o crescente domínio chinês na exportação de carros elétricos.”

“Os EUA também sabem juntar todos os stakeholders, incluindo indústria, centros de pesquisa e governo, todo mundo trabalhando junto para levar o homem à lua, desenvolver semicondutores ou fabricar armas”, disse. O Brasil poderia ter feito algo semelhante no setor de etanol há décadas, mas perdeu a oportunidade.

“O Brasil deveria focar nos amplos recursos naturais de que dispõe para integrar cadeias de valores globais nos setores de eletrificação, explorando suas reservas de metais estratégicos de maneira sustentável, e energias renováveis, ambos estratégicos na transição para a descarbonização. Aí sim pode dar certo”, concluiu Oliveira.

Governo tem várias iniciativas, mas coordenação é desafio

Não faltam iniciativas por parte do atual governo. Groterra, doutora em Planejamento Energético com ênfase em Planejamento Ambiental pela COPPE-UFRJ, mencionou várias: o plano Nova Indústria Brasil (elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços – MDIC), o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento, sob coordenação da Casa Civil), o Plano Safra 2024-2025 (sob responsabilidade do Ministério da Agricultura e Pecuária), o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (vinculado ao Ministério do Meio Ambiente) e o Eco Invest Brasil (do Tesouro Nacional), entre outras. 

Questionada sobre a eventual ausência de uma coordenação geral dessas iniciativas, a representante do governo destacou o papel do Ministério da Fazenda, pela capacidade de incidir em várias outras áreas da administração. “A coordenação e a governança são grandes desafios do governo. A Fazenda é um ministério central no governo, muitas iniciativas passam pela gente e temos algum grau de incidência e ingerência, o que nos permite fazer bastante coisa”, disse. 

O Brasil tem algumas vantagens comparativas, como a boa oferta de energias renováveis, mas deve investir em políticas que levem em conta a demanda do mercado externo. É o caso do agronegócio, por exemplo. Conseguiu se desenvolver com foco na exportação. Este é o caminho.

Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos sobre Desenvolvimento e Integração (CINDES)

Políticas verdes devem ter em mente conquistar espaço no mercado externo 

Sandra Rios, co-autora do estudo e diretora do CINDES, trouxe para a discussão a importância de um arcabouço de regras gerais adequadas: “É fundamental olhar para as condições de financiamento, a regulação adequada e a eliminação de barreiras ao desenvolvimento de negócios ligados à economia verde.”

Um exemplo dessas barreiras se encontra no setor elétrico. As fontes renováveis de energia predominam em nossa matriz elétrica, um fator de atração de investimentos externos interessados em países com ampla oferta de energia de origem não fóssil. O Brasil se encaixa nesse figurino. Porém, por um conjunto de fatores, entre eles a pressão de lobbies com força desproporcional no Congresso, o custo da energia aqui é comparativamente alto e inibe o potencial de atração de investimentos industriais. 

“O Brasil tem algumas vantagens comparativas, como a boa oferta de energias renováveis, mas deve investir em políticas que levem em conta a demanda do mercado externo. É o caso do agronegócio, por exemplo. Conseguiu se desenvolver com foco na exportação. Este é o caminho”, disse Rios.

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Imagem que mostra a capa de uma publicação da Fundação FHC. A capa tem cor verde-limão. Em azul, ao centro, o título da publicação: Descarbonização, Desafios e Oportunidades para a Indústria Brasileira - Diagnósticos e Propostas.

Saiba mais:

Meio ambiente e desenvolvimento: as oportunidades de descarbonização e como aproveitá-las.

Transição verde e socialmente justa – Com Rafael Dubeux, assessor especial do Ministério da Fazenda, e Bettina Cadenbach, embaixadora alemã em Brasília

Perspectivas da Indústria Brasileira frente aos desafios globais – Com Josué Gomes (FIESP) e Tatiana Prazeres (MDIC).

Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

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