Debates
19 de abril de 2024

Desafios do sistema político brasileiro: ‘Democracia resiliente, mas de baixa qualidade’

Especialistas e políticos estiveram na Fundação FHC para debater o diagnóstico e as propostas reunidas no livro “Desafios do sistema político brasileiro”, publicado pela Plataforma Democrática.

O Brasil precisa realizar reformas do sistema eleitoral que tornem as campanhas eleitorais menos caras e o Parlamento, mais representativo e próximo da sociedade brasileira. Também é importante que o sistema favoreça a formação de maiorias parlamentares, o que não tem acontecido, dificultando a governabilidade. O momento, no entanto, caracterizado pela polarização, não é propício para a aprovação de mudanças mais amplas e profundas, que exigem mexer na Constituição e, portanto, três quintos dos votos de deputados e senadores.

“Se quisermos obter algum avanço no sistema eleitoral, temos que ser pragmáticos, ou seja, tem que ser através de um projeto de lei que precise de maioria simples, 50% dos votos + 1, para ser aprovado”, disse o ex-deputado federal Rodrigo Maia. 

“Sou a favor do sistema distrital misto, mas o que tem alguma chance de passar no Congresso é a lista fechada”, disse Maia, que presidiu a Câmara dos Deputados de 2016 a 2021, neste debate que marcou o lançamento do livro “Desafios do sistema político brasileiro”, organizado por Bernardo Sorj, co-diretor da Plataforma Democrática, e Sergio Fausto, diretor geral da Fundação Fernando Henrique Cardoso e co-diretor da Plataforma Democrática. A PD é uma iniciativa da Fundação FHC e do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.

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“A democracia brasileira funciona e tem se mostrado resiliente, mas é de baixa qualidade. Falta uma conexão mais estreita entre a sociedade e a representação política no Congresso Nacional”, disse Marcus Pestana, que foi deputado federal pelo PSDB de Minas Gerais de 2011 a 2019 e é autor de um dos artigos do livro.

Pestana criticou o atual sistema, proporcional com lista aberta, em que as vagas de cada estado na Câmara são distribuídas de acordo com a proporção de votos recebidos por cada partido naquele mesmo estado. Nesse cálculo, contam tanto os votos para os candidatos do partido quanto para a sua legenda. As cadeiras conquistadas por cada partido são então distribuídas entre seus candidatos mais votados.  

Já no sistema de lista fechada, o eleitor vota no partido, que apresenta ao eleitor uma lista fechada com o nome dos seus candidatos por ordem de prioridade. O sistema de lista fechada torna as campanhas mais baratas, porque a disputa se dá entre listas partidárias e não entre milhares de candidatos entre si, e fortalece os partidos, forçando-os a ter uma identidade mais clara aos olhos dos eleitores. A desvantagem é que a lista fechada reforça o poder dos dirigentes partidários. 

Para Pestana, os defeitos do sistema proporcional de lista aberta são agravados pelo fato de que os distritos eleitorais, os Estados, compreendem um território muito grande. “O candidato a deputado federal precisa disputar votos em todo o estado, o que encarece muito a campanha e faz com que, frequentemente, ele dispute votos com outro candidato do mesmo partido. Ou seja, concorre com um amigo e não com um adversário político”, disse.

“Além disso, como há muitos candidatos na disputa, o eleitor logo esquece em quem votou, o que dificulta que haja uma relação mais próxima entre o parlamentar e o eleitor”, continuou Pestana. “O atual sistema, em que o voto é individualizado, dificulta a formação de maiorias e minorias na Câmara e, portanto, não favorece a governabilidade.”

Pestana defendeu que, se for para manter o sistema proporcional com lista aberta, deve-se pelo menos reduzir o tamanho dos distritos eleitorais, ou seja, dividir os Estados em circunscrições menores, de modo a baratear as campanhas e facilitar ao eleitor a escolha do candidato e o monitoramento de deputado eleito. 

Debate que marcou o lançamento do livro “Desafios do sistema político brasileiro”, no auditório da Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

Segundo Bruno Carazza, autor de outro texto do livro, “o atual sistema eleitoral é pouco competitivo, o que torna o Parlamento pouco representativo da sociedade brasileira.”

“Não há regras claras para a distribuição dos recursos do Fundo Eleitoral dentro dos partidos. Os chefes dos partidos escolhem alguns candidatos, em geral políticos com mais tradição, que ficam com a maior parte dos recursos do Fundo, enquanto os demais candidatos recebem pouco ou nenhum recurso”, disse Carazza, autor do livro “Dinheiro, eleições e poder: As engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras). 

Segundo o professor da Fundação Dom Cabral, a distribuição dos recursos do Fundo Eleitoral dentro de cada partido altera a competição eleitoral, pois quem tem acesso a mais recursos sai na frente: “Normalmente, os candidatos novatos saem prejudicados, mas claro há exceções.” 

“Precisamos caminhar para um sistema eleitoral mais barato e mais competitivo, com a adoção do sistema distrital ou da lista fechada. Ou manter o sistema proporcional, mas com territórios menores”, disse Carazza.

Segundo Bruno Carazza, autor de um dos textos do livro, “o atual sistema eleitoral é pouco competitivo, o que torna o Parlamento pouco representativo da sociedade brasileira.”

“Vivemos em uma ‘partidocracia’, em que os donos de partidos aprovam o que querem e distribuem os recursos do Fundo Eleitoral como querem. Se o líder partidário for democrático, ele cria critérios internos para distribuir os recursos de campanha; se não for, decide sozinho”, disse Adriana Ventura, deputada federal pelo Partido Novo (SP).

“É uma falácia dizer que o financiamento público resulta em mais democracia. Se houvesse regras claras para a distribuição dos recursos de campanha, poderia até ser, mas hoje os recursos disponíveis são concentrados em poucos candidatos, escolhidos pela cúpula do partidos”, disse Ventura. 

Segundo Denise Goulart, secretária de Auditoria do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, o financiamento público das campanhas eleitorais é uma realidade no país e exige que as estruturas de controle sejam reforçadas e aperfeiçoadas. Em 2024, o Fundo Eleitoral terá R$ 4,9 bilhões para distribuir entre os partidos para financiar as campanhas municipais.  

“A Justiça Eleitoral deve ser capaz de atuar durante a campanha eleitoral, e não depois da eleição. Para que isso ocorra, é necessário investir em ações de inteligência que possibilitem uma fiscalização concomitante ao processo eleitoral”, disse Goulart, uma das autoras da publicação.

Debate que marcou o lançamento do livro “Desafios do sistema político brasileiro”, no auditório da Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

O livro “Desafios do Sistema Político Brasileiro” traz seis artigos originais sobre aspectos do sistema político brasileiro passíveis de serem aperfeiçoados com mudanças na legislação eleitoral e partidária e no processo orçamentário, além de análises sobre as transformações das redes sociais e da sociedade civil que afetam a qualidade da democracia.

Assinados por Adrian Gurza Lavalle, Bruno Carazza, Denise Goulart Schlickmann, Heloisa Massaro, Marcus André Melo e Marcus Pestana, os artigos trazem diagnósticos e  caminhos possíveis para melhorar a representatividade e a governança democrática no país.

Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.