Debates
15 de março de 2023

Com ou sem Bolsonaro, bolsonarismo será competitivo nas eleições de 2026

Participaram deste webinar: Maurício Moura, economista e cientista social, e Isabela Kalil, antropóloga e coordenadora do Observatório da Extrema Direita.

No início do terceiro mandato do presidente Lula, 39% dos brasileiros consideram o seu desempenho ótimo ou bom, e 25% consideram ruim ou péssimo, de acordo com pesquisa inédita realizada pelo Instituto IDEIA, cujos principais resultados foram divulgados no webinar “O bolsonarismo depois da derrota de Bolsonaro”, realizado pela Fundação FHC, com as participações do economista e cientista social Maurício Moura e da antropóloga Isabela Kalil.

Embora a taxa de aprovação seja superior à de desaprovação, o cenário de polarização política indica que Lula teria dificuldade em obter uma aprovação superior a 50%, o que lhe daria mais tranquilidade neste início de governo, devido à persistência do eleitorado bolsonarista, que continua fiel a Bolsonaro mesmo com a sucessão de fatos negativos ocorridos desde sua derrota no segundo turno da eleição presidencial de 2022.

Segundo pesquisa do Instituto IDEIA – realizada entre 10 e 14 de fevereiro de 2023 com 2.000 respondentes em todo o país –, 21% dos entrevistados consideram ótimo o desempenho de Lula, 18% acham bom, 17% avaliam como ruim e 6%, como péssimo. Vinte e quatro por cento responderam regular e 14% não souberam avaliar.

Praticamente ninguém que votou em Bolsonaro vê o desempenho de Lula como ótimo ou bom (0%), 63% o considera ruim e péssimo, 18% regular e 19% não sabe. “Esta percepção negativa de quase 50% do eleitorado brasileiro torna pouco provável que Lula obtenha uma avaliação positiva majoritária em um horizonte de tempo visível. Enquanto o eleitorado bolsonarista permanecer fiel a Bolsonaro, a popularidade de Lula deve bater em um teto relativamente baixo”, explicou Maurício Moura, fundador e conselheiro do Instituto IDEIA.

“Temos claramente um país que continua polarizado, parte significativa da população considera que Bolsonaro deixou um legado positivo e segue firme com ele”, afirmou Maurício Moura.

Ainda de acordo com a pesquisa, 40% dos entrevistados disseram que Bolsonaro deixou o Brasil pior ou muito pior, 36% um pouco melhor ou melhor e o restante se mostrou indiferente. “Temos claramente um país que continua polarizado, parte significativa da população considera que Bolsonaro deixou um legado positivo e segue firme com ele”, afirmou.

Se Bolsonaro voltasse a se candidatar, 41% dos entrevistados votariam nele com certeza, 45% não votariam de jeito nenhum e 12% talvez votassem. “O cenário do segundo turno de 2022, quando Lula venceu com uma vantagem de menos de 2% dos votos válidos, na disputa mais acirrada desde a redemocratização, continua válido”, disse Moura.

Os números são inéditos, e a pesquisa recém-saída do forno servirá de base para um livro que Moura está escrevendo, com o título “Por que Bolsonaro perdeu?” e lançamento previsto para junho. Veja mais detalhes do levantamento do Instituto IDEIA no vídeo com a íntegra do debate.

O que os brasileiros dizem sobre os atos de 8 de janeiro? E as redes bolsonaristas?

“Depois da invasão dos prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF em 8 de janeiro, as redes bolsonaristas rapidamente espalharam outra narrativa: petistas infiltrados seriam os verdadeiros responsáveis pelo quebra-quebra em Brasília”, disse Isabela Kalil, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

“A máquina de fake news da extrema direita é muito potente e está atuando fortemente para mudar a realidade, tornando-a mais palatável aos bolsonaristas mais moderados, que apoiam as manifestações contra Lula, mas rejeitam a violência”, continuou a pesquisadora, uma das coordenadoras do Observatório da Extrema Direita.

A pesquisa IDEIA comprova esta percepção: 35% do total de entrevistados disseram que petistas infiltrados foram os responsáveis pelas invasões que terminaram em violência, outros 32% acham que foram vândalos comuns e 20% responderam que foram bolsonaristas radicais. Entre os que votaram em Bolsonaro, 39% responderam que foram petistas infiltrados, 39% vândalos comuns e apenas 9% bolsonaristas radicais.

“Os resultados da pesquisa confirmam o poder da narrativa paralela que está sendo construída no universo virtual da direita e da extrema direita”, disse Moura. Do total de brasileiros entrevistados, 56% aprovam as manifestações, mas discordam de invasões e quebra-quebra, 37% não aprovam as manifestações e 6% as aprovam do jeito que aconteceram.

Segundo Kalil, mesmo o silêncio do ex-presidente após a derrota eleitoral – quando não reconheceu o resultado e se trancou por semanas no Palácio do Alvorada – e o exílio voluntário na Flórida são vistos por seus apoiadores como “sinais”.

“Em mais um exemplo de dissonância cognitiva, os bolsonaristas entendem o silêncio de Bolsonaro, ou seu período de autoexílio, como sinais ou códigos que podem significar as mais diversas coisas. Para alguns, ele vai voltar em grande estilo; para outros, pode ser outra coisa. É como uma pessoa que olha para as nuvens e identifica uma imagem que deseja ver, enquanto outra enxerga algo totalmente diferente”, explicou.

Se Bolsonaro se tornar inelegível, quem tem mais chances de ser o líder da direita?

Embora seja cedo para avaliar esta hipótese, o Instituto IDEIA perguntou aos entrevistados quem herdará o legado de Bolsonaro, no caso de ele vir a ser condenado pela Justiça comum ou pela Justiça Eleitoral.

O atual governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), foi citado por 20% dos respondentes que votaram no ex-presidente; 17% preferiram o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Partido Novo); e 16% optaram pela ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, que vem sendo cortejada pelo Partido Liberal como uma opção, caso o ex-presidente não possa concorrer.

“Se somarmos todas as respostas contendo o sobrenome Bolsonaro, chega a 25%. Neste momento, os números mostram que Michelle é a favorita dentro da família e partiria de um patamar de pelo menos 20% dos eleitores, o que provavelmente a colocaria no segundo turno. Os números de hoje apontam para um cenário em que o bolsonarismo estará na reta final das eleições de 2026 e será altamente competitivo”, afirmou Moura.

“O bolsonarismo hoje não se resume a uma pessoa, o ex-presidente. Trata-se de um clã. Não devemos menosprezar a relevância desta família na política brasileira nos próximos anos”, alertou Kalil.

Segundo a pesquisadora – que realiza pesquisas qualitativas com grupos focais e acompanha de perto as redes sociais bolsonaristas –, os filhos do presidente que já estão na política, sobretudo o deputado Eduardo Bolsonaro, não responderam às expectativas dos eleitores da extrema direita e, hoje, dificilmente teriam chance de suceder o pai como líder desse movimento.

“Se Bolsonaro não concorrer novamente, em 2026 eu apostaria na figura de uma mulher, que pode ser a Michelle ou outra, como a senadora Damares Alves ou a deputada Carla Zambelli. A Michelle navega melhor no eleitorado evangélico, já a Carla tem mais ressonância nos grupos ligados à causa armamentista”, explicou.

No caso de Bolsonaro não ter condições de disputar a eleição, Kalil acredita que o bolsonarismo vai persistir como uma força política muito relevante, mas provavelmente com uma cara menos radical.

“A persistência do bolsonarismo não deve se dar a partir de sua feição mais radical, explicitamente antidemocrática, mas provavelmente como um bolsonarismo mais moderado, dentro do campo democrático. O bolsonarismo não é um campo homogêneo, existe uma diversidade entre seus apoiadores. Identificar esses diferentes grupos e para onde eles vão será um grande desafio para nós, pesquisadores”, disse.

Pesquisa identificou “voto envergonhado” em Bolsonaro por parte de homens jovens

Kalil citou uma pesquisa com grupos focais, conduzida por ela entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial de 2022, com homens e mulheres de todo o país.

“Identificamos um grupo de homens jovens, na faixa de 17 a 19 anos, que pretendiam votar em Bolsonaro, mas resistiam a declarar seu voto. Alguns diziam que a namorada não podia saber, outros que a família era contra porque o avô ou avó tinha morrido de Covid, outros ainda que perderiam clientes se manifestassem claramente sua preferência”, relatou.

“O eleitorado masculino mais velho que apoia Bolsonaro é mais visível. Muitos participaram das manifestações em frente aos quartéis do Exército após a derrota no ano passado. Mas existe uma camada do eleitorado mais jovem que apoia o ex-presidente e pode ter configurado um voto envergonhado na última eleição, que pode se repetir na próxima”, disse.

Polarização entre esquerda e direita deve se manter no futuro próximo

Para Maurício Moura, a polarização política entre o PT, de um lado, e o bolsonarismo, de outro, está estabelecida no cotidiano dos brasileiros e assim deve permanecer nos próximos anos, reforçada pelo atual presidente Lula e pelo ex-presidente Bolsonaro (ou por quem vier a sucedê-lo como líder da direita).

“Não vejo chance hoje de um projeto político nacional que não dialogue com um desses pólos. A disputa entre a esquerda e a direita veio para ficar e é reforçada pelas redes sociais. Há pouco espaço para uma alternativa de centro, como já houve no passado”, afirmou.

“Concordo com o Mauricio, mas vejo o campo da esquerda mais dependente de Lula do que a direita, de Bolsonaro. Se Lula não puder concorrer à reeleição, o PT terá dificuldade em encontrar uma liderança tão popular como o atual presidente. Lula tem uma trajetória política muito longa, que vem desde antes da redemocratização. Não é fácil encontrar um substituto à altura dele no campo da esquerda”, disse Isabela Kalil.

“Bolsonaro também tem uma longa trajetória política, embora só tenha se tornado um nome nacional a partir de 2018. Ele se tornou muito popular e não será fácil substituí-lo. Mas há mais alternativas despontando no campo político da direita”, concluiu.

Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

 

Patrocínio

Apoio