Debates
13 de maio de 2014

Alternativas para a América Latina em tempo de escolhas

Uma conversa entre Felipe González, Ricardo Lagos, Julio Maria Sanguinetti e Jorge Castañeda, com a participação de Fernando Henrique Cardoso.

Em evento que comemorou os dez anos da Fundação FHC, Fernando Henrique Cardoso abriu o debate Alternativas para a América Latina em tempos de escolhas, no dia 13 de maio, dizendo que aquela era a continuação de uma conversa que se iniciara há mais de trinta e desde então vinha se desdobrando, sempre em torno dos desafios da construção da democracia e da governança progressista. De fato, o que se viu a seguir foi uma conversa entre Felipe González, Ricardo Lagos, Julio Maria Sanguinetti e Jorge Castañeda, com a participação de Fernando Henrique. Um encontro público de cinco homens de pensamento e ação, dos mais destacados das últimas décadas.

O ex-presidente do Brasil iniciou o diálogo levantando questões referentes à representação democrática em uma América Latina que, a seu ver, vive hoje um fenômeno novo de “democracias autoritárias”. Em alguns países da região, prevaleceria a ideia de que, uma vez eleito, o presidente e a maioria que o sustenta têm o direito de fazer o que bem entendem. Mesmo nos lugares onde essa ideia não é dominante, alertou Fernando Henrique, a noção de que um governo eleito está obrigado a respeitar limites e direitos no exercício do poder, não parece ser forte o suficiente. Sinal disso seria a aceitação de governos eleitos, mas autoritários, como formas legítimas de governo democrático.

Falando em seguida, Ricardo Lagos, presidente do Chile de 2000 a 2006, ligou o tema da representação democrática ao da capacidade de dar respostas a novas demandas sociais na América Latina. Deixou implícito que entender o significado dessas demandas e responder às aspirações que elas representam é essencial para fortalecer as democracias na região.

Lagos ressaltou que houve avanço grande no combate à pobreza nas últimas duas décadas. Surgiram assim novos grupos sociais, uma outra e mais ampla “classe média”, ainda não consolidada, que não quer perder o que ganhou, mas tem novas aspirações. São demandas por melhores serviços públicos (educação, transporte público, saúde, etc), mas também por maior participação nas decisões e maior representação no sistema político.

O ex-presidente do Chile citou o seu país como exemplo. Em nenhum outro da região houve tanto progresso econômico como ali. Pela primeira vez, muitos estudantes de famílias pobres chegaram à universidade. Acontece que eles se viram frustrados, ao se formarem, com dívidas altas, contraídas para cursar a faculdade, e salários baixos, em um mercado de trabalho que oferece poucos empregos de qualidade.  Sentem-se decepcionados também com um sistema político que oferece pouco espaço à representação de correntes de opinião não encaixadas nos dois principais blocos partidários. O novo governo de Michel Bachelet, que assumiu neste início de ano, está justamente buscando dar respostas a essas novas demandas, com um conjunto de reformas, que vão do sistema tributário ao eleitoral. O desafio é grande, e não está limitado ao Chile, “pues la nueva demanda social viene fuerte en toda la región”, arrematou Lagos.

Presidente do Governo da Espanha de 1982 a 1996, Felipe González enfatizou que os desafios da América Latina têm de ser vistos a partir de uma perspectiva global. O desenvolvimento da região e a capacidade que ela terá de responder às demandas crescentes de suas sociedades dependem do espaço que conseguir ocupar na economia mundial. González destacou duas forças e uma debilidade da América Latina. Referindo-se mais à América do Sul, destacou o potencial energético e agroalimentar da região. A debilidade estaria em participar do processo de inovação, uma fronteira que se move cada vez mais à frente e da qual a região está se distanciando. Mesmo reconhecendo a heterogeneidade da América Latina, González chamou a atenção para a importância dos processos de integração regional para que os países possam participar com sucesso da economia global. Frisou, em particular, o risco de se arraigarem esquemas mentais que dividem a região entre países do Atlântico e países do Pacífico. Neste momento, Lagos interveio para reforçar o argumento de González e afirmar que o Chile não deve tratar o Arco do Pacífico (aliança que tem com Colômbia, Peru é México, entre outros) como uma alternativa excludente da maior integração com o Brasil e o Mercosul.

Mais cético em relação às possibilidades de integração econômica de toda a América Latina, Jorge Castañeda, Ministro das Relações Exteriores do México entre 2000 e 2003, deslocou o tema da convergência latino-americana para o terreno da política. Fazendo referência à importância crucial que a adesão à Europa teve para a consolidação da democracia na Espanha, durante o período de Felipe González, Castañeda falou sobre a necessidade de fortalecer os sistemas latino-americanos de defesa da democracia e dos direitos humanos. Lembrou que eles já existem, mas não têm sido suficientes para conter violações a direitos políticos e civis básicos por vários governos na região. Retomou assim um argumento que havia sido utilizado por González para caracterizar os problemas da democracia na América Latina. Instituições políticas como o Mercosul e a Unasul se mostram razoavelmente eficazes para assegurar a legitimidade de origem dos governos – sua eleição em pleitos limpos e competitivos – mas não para garantir a legitimidade democrática no exercício do mandato recebido das urnas. Castañeda concluiu com crítica severa ao silêncio da quase totalidade dos governos latino-americanos frente aos desmandos autoritários na Venezuela e com a defesa de um sistema jurídico regional capaz de dissuadir os “velhos demônios autoritários” da América Latina.

Coube a Julio Maria Sanguinetti, presidente do Uruguai entre 1985-1990 e 1995-2000, fazer a síntese do que havia sido dito pelos demais expositores. Ele aproveitou para agregar um ponto até então não mencionado: a educação. Insistiu que a região ficará sempre aquém das expectativas , seja no desenvolvimento da economia, seja na formação de cidadãos, enquanto os países latino-americanos continuarem a aparecer nas últimas posições entre os que fazem a prova do PISA (Programme for International Student Assessment). Ao trazer a educação para o centro do debate, Sanguinetti respondeu indiretamente à consideração de Lagos sobre as novas e crescentes demandas sociais na América Latina. Não resta dúvida de que “dar um salto” em matéria de educação é a forma mais eficaz de responder a essa aspiração por uma sociedade menos desigual na distribuição da renda e do poder. Mas será suficiente?

González e Fernando Henrique puseram o tema em perspectiva mais ampla, como desafio civilizatório. Morta e enterrada a utopia socialista, como reformar um sistema capitalista que voltou a apresentar a sua tendência congênita a produzir desigualdades sociais crescentes?

Como se vê, não falta assunto para a continuidade de uma conversa que, iniciada há mais de trinta anos, se mantém fértil para o pensamento e útil para a ação pública.

Lagos ressaltou que houve avanço grande no combate à pobreza nas últimas duas décadas. Surgiram assim novos grupos sociais, uma outra e mais ampla “classe média”, ainda não consolidada, que não quer perder o que ganhou, mas tem novas aspirações. São demandas por melhores serviços públicos (educação, transporte público, saúde, etc), mas também por maior participação nas decisões e maior representação no sistema político.

O ex-presidente do Chile citou o seu país como exemplo. Em nenhum outro da região houve tanto progresso econômico como ali. Pela primeira vez, muitos estudantes de famílias pobres chegaram à universidade. Acontece que eles se viram frustrados, ao se formarem, com dívidas altas, contraídas para cursar a faculdade, e salários baixos, em um mercado de trabalho que oferece poucos empregos de qualidade.  Sentem-se decepcionados também com um sistema político que oferece pouco espaço à representação de correntes de opinião não encaixadas nos dois principais blocos partidários. O novo governo de Michel Bachelet, que assumiu neste início de ano, está justamente buscando dar respostas a essas novas demandas, com um conjunto de reformas, que vão do sistema tributário ao eleitoral. O desafio é grande, e não está limitado ao Chile, “pues la nueva demanda social viene fuerte en toda la región”, arrematou Lagos.

Presidente do Governo da Espanha de 1982 a 1996, Felipe González enfatizou que os desafios da América Latina têm de ser vistos a partir de uma perspectiva global. O desenvolvimento da região e a capacidade que ela terá de responder às demandas crescentes de suas sociedades dependem do espaço que conseguir ocupar na economia mundial. González destacou duas forças e uma debilidade da América Latina. Referindo-se mais à América do Sul, destacou o potencial energético e agroalimentar da região. A debilidade estaria em participar do processo de inovação, uma fronteira que se move cada vez mais à frente e da qual a região está se distanciando. Mesmo reconhecendo a heterogeneidade da América Latina, González chamou a atenção para a importância dos processos de integração regional para que os países possam participar com sucesso da economia global. Frisou, em particular, o risco de se arraigarem esquemas mentais que dividem a região entre países do Atlântico e países do Pacífico. Neste momento, Lagos interveio para reforçar o argumento de González e afirmar que o Chile não deve tratar o Arco do Pacífico (aliança que tem com Colômbia, Peru é México, entre outros) como uma alternativa excludente da maior integração com o Brasil e o Mercosul.

Mais cético em relação às possibilidades de integração econômica de toda a América Latina, Jorge Castañeda, Ministro das Relações Exteriores do México entre 2000 e 2003, deslocou o tema da convergência latino-americana para o terreno da política. Fazendo referência à importância crucial que a adesão à Europa teve para a consolidação da democracia na Espanha, durante o período de Felipe González, Castañeda falou sobre a necessidade de fortalecer os sistemas latino-americanos de defesa da democracia e dos direitos humanos. Lembrou que eles já existem, mas não têm sido suficientes para conter violações a direitos políticos e civis básicos por vários governos na região. Retomou assim um argumento que havia sido utilizado por González para caracterizar os problemas da democracia na América Latina. Instituições políticas como o Mercosul e a Unasul se mostram razoavelmente eficazes para assegurar a legitimidade de origem dos governos – sua eleição em pleitos limpos e competitivos – mas não para garantir a legitimidade democrática no exercício do mandato recebido das urnas. Castañeda concluiu com crítica severa ao silêncio da quase totalidade dos governos latino-americanos frente aos desmandos autoritários na Venezuela e com a defesa de um sistema jurídico regional capaz de dissuadir os “velhos demônios autoritários” da América Latina.

Coube a Julio Maria Sanguinetti, presidente do Uruguai entre 1985-1990 e 1995-2000, fazer a síntese do que havia sido dito pelos demais expositores. Ele aproveitou para agregar um ponto até então não mencionado: a educação. Insistiu que a região ficará sempre aquém das expectativas , seja no desenvolvimento da economia, seja na formação de cidadãos, enquanto os países latino-americanos continuarem a aparecer nas últimas posições entre os que fazem a prova do PISA (Programme for International Student Assessment). Ao trazer a educação para o centro do debate, Sanguinetti respondeu indiretamente à consideração de Lagos sobre as novas e crescentes demandas sociais na América Latina. Não resta dúvida de que “dar um salto” em matéria de educação é a forma mais eficaz de responder a essa aspiração por uma sociedade menos desigual na distribuição da renda e do poder. Mas será suficiente?

González e Fernando Henrique puseram o tema em perspectiva mais ampla, como desafio civilizatório. Morta e enterrada a utopia socialista, como reformar um sistema capitalista que voltou a apresentar a sua tendência congênita a produzir desigualdades sociais crescentes?

Como se vê, não falta assunto para a continuidade de uma conversa que, iniciada há mais de trinta anos, se mantém fértil para o pensamento e útil para a ação pública.