Debates
17 de novembro de 2025

Ações afirmativas no Brasil: quais as conquistas, quais os desafios?

Dividido em dois painéis, o debate reuniu especialistas e lideranças com atuação reconhecida no tema, que revisitaram o percurso das ações afirmativas no país e projetaram os desafios que ainda se colocam.

O Brasil avançou muito nos últimos 40 anos na construção de uma legislação de combate ao racismo e promoção da equidade racial, com a adoção de cotas no ensino superior e no serviço público. As desigualdades ligadas à raça, porém, continuam gigantescas. Para continuar avançando, é preciso melhorar a gestão das políticas de ação afirmativa, prejudicadas pela falta de melhor monitoramento dos seus resultados e de maior articulação entre ministérios, órgãos de governo, universidades e setor privado. 

Além disso, é preciso criar novos instrumentos porque a política de cotas não esgota o leque de ações afirmativas, entre eles o Fundo Nacional de Reparação Econômica e de Promoção da Igualdade Racial e um Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, inspirado no SUS, previstos na PEC 27/2024, em tramitação na Câmara dos Deputados, sob a relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

Em resumo, foi o que disseram os participantes do debate “Ações afirmativas no Brasil: quais as conquistas, quais os desafios?”, que reuniu, além do deputado, pesquisadores de diferentes instituições de ensino e/ou pesquisa, a diretora-executiva do Movimento pela Equidade Racial (Mover) e Hélio Santos, liderança histórica do movimento negro.

“As ações afirmativas no ensino superior deram resultado. Em 2019, a população negra passou a ser maioria nas universidades públicas, com 50,3% de estudantes pretos e pardos. Mas o desafio permanece. Segundo pesquisa do CEDRA (Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais), entre 2012 e 2023 houve uma queda de 1,2 ponto percentual na diferença de renda entre brancos e negros. Mas a renda média do trabalhador negro ainda corresponde a 59% da renda média do trabalhador branco. Se a cada 11 anos, a diferença cair 1,2 ponto percentual, vamos precisar de 376 anos para igualar a renda de negros e brancos. Temos sonhado baixo no Brasil, precisamos recalibrar nossos sonhos”, disse Hélio Santos, professor aposentado da FEA-USP e presidente dos Conselhos da Oxfam Brasil e do CEDRA.

“As cotas têm tido um efeito importante na melhoria das oportunidades de estudo para a população negra, mas é fundamental que os cotistas diplomados possam competir em condições de igualdade ou de menos desigualdade no mercado de trabalho. Ainda temos pouca informação sobre os efeitos das cotas raciais no mercado de trabalho”, alertou o professor de sociologia e ciência política no IESP-UERJ Luiz Augusto Campos, ex-coordenador do Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas, que reúne cerca de 40 pesquisadores de todo o país.

“Como o setor privado pode contribuir para que as políticas de ação afirmativa ganhem escala e os trabalhadores negros tenham não apenas uma renda melhor, mas ocupem cada vez mais cargos de liderança? Realizamos uma pesquisa que mostra que 67% dos brasileiros são a favor de que as empresas tenham programas de diversidade, equidade e inclusão. É fundamental investir em ações afirmativas estruturadas também no setor privado”, disse Natália Paiva, diretora-executiva do MOVER (Movimento pela Equidade Racial), coalizão de 60 grandes empresas brasileiras que visa promover e acelerar a equidade racial.

Natália Paiva, diretora-executiva do MOVER, em um debate na Fundação FHC –
Foto: Vinicius Doti

“Ação afirmativa não se resume a cotas para negros nas universidades ou no serviço público. É fundamental resgatar a memória da população negra na história do Brasil, como ocorreu com o tombamento da Serra da Barriga e a criação da Fundação Zumbi dos Palmares (ambos Governo Sarney) e a titulação dos territórios quilombolas (processo iniciado no Governo Collor). Muita coisa foi feita desde a redemocratização, mas a construção de um sistema de promoção da equidade racial ainda é um projeto em disputa. Não há garantia de que não haverá retrocessos”, alertou Andrea Lopes, professora da Escola de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Unirio.

“O futuro das políticas de ações afirmativas exige monitoramento, gestão, articulação e orçamento”, disse Márcia Lima, professora do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP e ex-secretária Nacional das Políticas de Ações Afirmativas e Combate ao Racismo do Ministério da Igualdade Racial.

O Brasil tem cotas sociais e raciais. Para ingresso nas universidades federais públicas, a  cota racial representa uma fração da cota reservada a pessoas de renda baixa provenientes da escola pública. A Lei de Cotas, de 2012, alterada em 2023, reserva 50% das vagas para quem cursou todo o ensino médio na escola pública. Metade dessa reserva de vagas é destinada a alunos de famílias com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1sm. A cota de vagas reservadas a negros, indígenas e pessoas com deficiência varia em função da composição da população em cada unidade da Federação, segundo os dados do IBGE. 

Ações afirmativas do final do século 20 são contraponto à política para imigrantes do início da República

Hélio Santos, ativista histórico da luta antirracista, abriu o primeiro painel, dedicado a fazer um balanço do passado e do presente das políticas de ação afirmativa. Ele ressaltou dois decretos publicados nos primeiros anos após a Proclamação da República (1989): o Decreto nº 528, assinado pelo presidente Deodoro da Fonseca em 1890, e o Decreto nº 9081, de 1911, bem mais extenso e detalhado. Ambos tinham como objetivo incentivar e apoiar a vinda de imigrantes ao país, sobretudo europeus, para suprir as demandas do mercado de trabalho após a Abolição da Escravatura, e incluíam a distribuição de terras e auxílio financeiro aos colonos.

“A imigração de estrangeiros para o Brasil no final do século 19 e durante o século 20 foi muito importante para o desenvolvimento do país. O Brasil fez bem em atraí-los. Mas chamo atenção para o fato de os primeiros governos republicanos terem oferecido benefícios a imigrantes vindos da Europa e de outras partes do mundo enquanto os brasileiros descendentes de povos africanos e os povos indígenas foram abandonados pelo Estado. As políticas de ação afirmativa colocadas em prática a partir do final do século 20 são, portanto, um contraponto às políticas para os imigrantes há mais de um século. É triste ver que parte dos netos ou bisnetos daqueles primeiros imigrantes criticaram as ações afirmativas para a população negra, indígena e quilombola”, disse.

Santos também criticou o argumento de que bastariam cotas sociais, destinadas a estudantes vindos de escolas públicas, não importando a raça do beneficiado, para reduzir as desigualdades sociais no país. “Há quem defenda que as cotas sociais seriam suficientes, mas não aceitamos esse argumento. Uma verdadeira política social que incluísse a população negra, indígena e também os imigrantes pobres que chegavam ao país teria sido bem-vinda na virada do século 19 para o 20. Mas, passados quase cem anos de total abandono, agora temos que ter políticas específicas para os afro-brasileiros como compensação para uma defasagem histórica, assim como para os povos indígenas”, afirmou Santos.

O professor e ativista Hélio Santos em um debate na Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

Hélio Santos presidiu o primeiro Conselho de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra do país, criado em 1984 em São Paulo, pelo então governador André Franco Montoro: “Ainda estávamos em plena ditadura militar quando o governador Montoro criou este conselho, que foi a primeira política afirmativa do Brasil após um silêncio de 96 anos. No conselho paulista, fizemos um trabalho pioneiro e estimulamos a criação de outros quatro conselhos em outros estados.”

Também indicado por Montoro, Santos participou da Comissão Afonso Arinos, formada em 1985 para discutir o esboço da futura Constituição de 1988. “Formada por juristas e intelectuais notáveis, não havia um representante negro. Montoro pressionou e eu fui indicado. Naquele esboço de uma nova Carta, propusemos a criminalização do racismo, um fundo de reparação para a população negra, a reserva de vagas para negros na educação e até mesmo a desmilitarização das polícias militares. Em algumas coisas avançamos, em outras não”, lembrou.

Em 20 de novembro de 1995 – 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares – milhares de pessoas participaram em Brasília da Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida. Na mesma data, o então presidente FHC, que cumpria seu primeiro ano de mandato, criou o Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra (conhecido como GTI), formado por oito lideranças da sociedade civil e representantes de diversos ministérios e órgãos do governo federal.

“Novamente fui premiado ao ser indicado pelo presidente Fernando Henrique para coordenar esse grupo. Digo às novas gerações que foi uma luta difícil. Armou-se uma guerra de norte a sul contra as propostas do GTI. Cento e quatorze intelectuais entregaram uma petição ao Congresso Nacional em que diziam que nós pretendíamos criar uma divisão na sociedade brasileira. O DEM (partido que era da base governista) entrou com uma ação de inconstitucionalidade no STF”, disse Santos.

Em 1996, FHC sancionou a lei que inscreveu o nome de Zumbi dos Palmares no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”. “Fernando Henrique foi o primeiro presidente da República a reconhecer publicamente que havia preconceito e racismo no Brasil e, ao atender uma antiga reivindicação do Movimento Negro Unificado (MNU, criado em 1978) e inscrever Zumbi no panteão dos herois brasileiros, despertou ressentimento de setores das Forças Armadas. Sob reserva, ele me relatou isso na época. Hoje já podemos falar abertamente”, contou.

Pressão do Movimento Negro nos anos 1970 e 80 levou a políticas de ação afirmativa

Também em 1996, o governo FHC lançou o primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos, que, segundo Andrea Lopes (UNIRIO), foi outro marco importante na luta antirracista. “O PNDH foi uma resposta ao Massacre do Carandiru (1992), às chacinas da Candelária e de Vigário Geral (1993) e ao Massacre de Eldorado do Carajás (1996). O debate sobre direitos humanos ganhou força no país e resultou no lançamento do primeiro PNDH. Foi o primeiro documento oficial a incluir em seu texto o conceito de ações afirmativas”, disse a pesquisadora, autora de uma tese sobre o PNDH-1. O PNDH-2 foi lançado em 2002 e o PNDH-3 em 2009, ambos no Governo Lula. A última versão, que substitui as anteriores, é estruturada em seis eixos orientadores, que incluem interação democrática, desenvolvimento, universalização dos direitos, segurança pública, educação e cultura em direitos humanos, e direito à memória e à verdade.

“Tanto o GTI, como o PNDH e também o Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação (GTEDEO, 1996) foram respostas a pressões do MNU, que denunciou o Brasil à Organização Internacional do Trabalho. Uma comissão da OIT veio ao Brasil, confirmou as acusações e exigiu ações do governo brasileiro”, relatou Lopes. “Desde 1974, quando comecei a militar, não conheço uma iniciativa de redução da desigualdade racial que não tenha se originado no Movimento Negro. Tudo o que conquistamos nas últimas décadas veio da pressão do ativismo negro”, concordou Santos. 

Ele lembrou da participação brasileira na Conferência de Durban contra o Racismo, ocorrida na África do Sul em 2001:  “Em Durban, a equipe do Ministério das Relações Exteriores do Brasil deu show, ao liderar as discussões sobre ações afirmativas. A partir daquele ano, o Brasil se tornou um dos principais atores mundiais no campo das políticas de igualdade racial.” 

Também em 2001, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou uma lei estadual, proposta pelo governador Anthony Garotinho, que reservou cotas para negros e pardos em universidades públicas estaduais fluminenses, e no ano seguinte a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi pioneira ao adotar o sistema de cotas, com 40% das vagas reservadas a candidatos negros.

No Governo Lula, houve novos avanços como as primeiras ações afirmativas no serviço público federal, a inclusão da história e da cultura afro-brasileira no currículo escolar e a criação do Estatuto da Igualdade Racial. Em 2012, os onze ministros do Supremo Tribunal Federal validaram, por unanimidade, a constitucionalidade do sistema de cotas raciais e a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei de Cotas Raciais. “Hoje o país tem 69 universidades federais, 43 universidades públicas estaduais e 38 institutos federais com programas de ação afirmativa, além dos programas de cotas no serviço público”, destacou Santos.

“O Brasil possui hoje o maior sistema de cotas raciais do mundo, mas a desigualdade racial no país é tão abissal que, para ter um impacto no Índice de Gini da população negra, vai demorar muito ou talvez nem aconteça. A desigualdade racial emerge em muitas fases da trajetória das pessoas negras e precisamos pensar em um sistema que atue em todas as fases”, disse Luiz Augusto Campos (IESP-UERJ).

Hélio Santos, Luiz Augusto Campos e Andréa Lopes em um debate na Fundação FHC –
Foto: Vinicius Doti

Para saber mais sobre a evolução das políticas de ação afirmativa, acesse a Linha do Tempo “Questão Racial: movimento negro, luta por direitos e políticas públicas”, publicada pela Fundação FHC.

Ministério da Igualdade Racial é simbólico, mas falta articulação no governo federal

Ao iniciar seu terceiro mandato, em janeiro de 2023, o presidente Lula criou três ministérios: Mulheres, Povos Indígenas e Igualdade Racial. “São pastas simbólicas, mas o desenho desses ministérios não facilita a construção de políticas intersetoriais. A única maneira de  conseguir implementar políticas para a igualdade racial, para as mulheres e os povos indígenas é não olhar esses ministérios como finalísticos. Eles não são. Não pode ser finalístico um ministério que tem um orçamento de apenas R$ 300 milhões ou R$ 400 milhões”, disse Marcia Lima, ex-secretária Nacional das Políticas de Ações Afirmativas e Combate ao Racismo do Ministério da Igualdade Racial.

Primeira a falar no painel sobre o futuro das ações afirmativas, Lima defendeu a necessidade de mais articulação: “O grande desafio do Ministério da Igualdade Racial é construir uma política que converse com os demais ministérios e órgãos públicos, e também com as universidades, que têm autonomia, com os estados e os municípios, a iniciativa privada e o terceiro setor. A pessoa à frente do ministério tem um papel de liderança institucional e deve ser, sobretudo, uma articuladora.” A atual ministra da Igualdade Racial é Anielle Franco, irmã da vereadora carioca Marielle Franco, assassinada a tiros no Rio de Janeiro em 2018.

Lima também criticou o fato de ainda não haver um cadastro nacional dos cotistas, que permita o acompanhamento da evolução deles como estudantes universitários e, depois, no mercado de trabalho. “Cada universidade registra e monitora do seu jeito. A solução seria simples: no início de cada ano, todo cotista deveria preencher um formulário com informações básicas e o INEP poderia centralizar esses dados. Com frequência nos perguntam ‘quantos anos mais precisa ter cota?’. Sem informações consolidadas e atualizadas, não é possível responder”, disse.

Orlando Silva, deputado federal, e Márcia Lima, professora da FFLCH-USP, em um debate na Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

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Políticas de ação afirmativa são a base para a iniciativa privada fazer a sua parte 

Criado em 2021 por um grupo de grandes empresas brasileiras com o objetivo de trabalhar em conjunto a agenda de equidade racial, o MOVER (Movimento pela Equidade Racial) já contabiliza 4.500 pessoas negras que passaram a ocupar cargos de liderança nas cerca de 60 empresas que integram a coalizão.

“Nosso trabalho consiste em revisar políticas, processos e a cultura das empresas para superarmos a sub-representação negra em cargos de liderança. Nos últimos quatro anos, as empresas que integram o MOVER investiram R$ 80 milhões na estruturação de ações afirmativas”, disse Natália Paiva, diretora-executiva do MOVER (Movimento pela Equidade Racial). A capacitação é outro vetor essencial para acelerar a evolução de profissionais negros no mundo corporativo, por meio de idioma, especialização, MBAs e pós-graduação. Cerca de 120 mil bolsas de estudo foram concedidas pelo MOVER com esse objetivo. 

“Estamos trabalhando para fazer a nossa parte, mas é importante frisar que as políticas públicas são a base de tudo. Sem as cotas para pessoas negras no ensino superior, não haveria MOVER. Sem ProUni, não haveria MOVER”, disse Natália Paiva, diretora-executiva do MOVER (Movimento pela Equidade Racial).

Paiva lembrou que as empresas de pequeno e médio porte são os maiores empregadores do país e também devem participar do esforço por uma maior equidade racial. “Temos um programa para integrar empresas formadas por pessoas negras às cadeias produtivas das empresas do MOVER”, relatou.

“O governo federal pode criar incentivos e mecanismos para estimular o setor privado a aderir às ações de política afirmativa”, defendeu Marcia Lima.

Deputado Orlando Silva propõe diálogo com centro direita para consolidar programas

“Nos últimos 15 anos consolidamos uma legislação que instituiu as políticas de ação afirmativa no país. Houve um intenso debate sobre a constitucionalidade dessa matéria e fomos vitoriosos. Agora trabalhamos em uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que visa criar o Fundo Nacional de Reparação Econômica e de Promoção da Igualdade Racial e um Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, inspirado no SUS”, disse o deputado Orlando Silva, relator da Proposta de Emenda Constitucional 27/2024.

Silva destacou o fato de a PEC da Reparação, como é conhecida, ter sido apresentada pelo deputado federal paraibano Damião Feliciano, filiado ao partido União Brasil. “É uma boa nova que um representante de um partido de centro-direita esteja à frente da proposta de criação de um Fundo Nacional de Reparação Econômica e de Promoção da Igualdade Racial”, disse o ex-ministro do Esporte.

Além de Orlando, integram a comissão especial que analisa a PEC as deputadas Benedita da Silva (PT-RJ) e Dandara Tonantzin (PT-MG) e os deputados Josivaldo JP (PSD-MA) e Márcio Marinho (Republicanos-BA). “Temos na mesa diretora parlamentares mais à esquerda e mais à direita e isso importa porque, para alterar a Constituição e viabilizar a criação do Fundo, precisaremos do apoio também do campo mais conservador tanto na Câmara como no Senado”, disse.

Debate sobre ações afirmativas no auditório da Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

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Segundo Silva, a proposta é que o Fundo tenha um orçamento de R$ 1 bilhão por ano por um período de 20 anos. Os recursos viriam de doações internacionais e nacionais, pagamento de indenizações por crime de racismo determinadas pela Justiça e também aportes públicos. A gestão deverá ser feita por um conselho paritário Estado-sociedade civil.

Como relator, o deputado defendeu a necessidade de constitucionalizar o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial: “Assim como temos o SUS e o SOAS, esta seria uma medida protetiva que protegeria as políticas de equidade racial de mudanças políticas futuras, transformando-as em políticas de Estado.”

Orlando Silva também falou sobre a importância de superar a sub-representação política dos negros no Brasil. “Quando olhamos os inscritos para disputar as eleições para a Câmara dos Deputados, o percentual de candidatos pretos e pardos é proporcional à participação dos negros na sociedade. Mas, com as urnas apuradas, a desproporção é grande. Isso acontece porque as candidaturas negras não são financiadas como deveriam pelas direções partidárias. Para romper esse obstáculo, os partidos brasileiros precisam incluir mais negros e negros em suas instâncias decisórias”, concluiu.

Pé de Meia é o principal programa para o ensino básico, mas precisa ganhar capilaridade

“Falamos muito do ensino superior, mas sinto falta de uma política mais estruturada de combate ao racismo e promoção da equidade racial na educação básica, tanto no ensino fundamental como no ensino médio. Há iniciativas relevantes nesse sentido?”, perguntou o cientista político Sergio Fausto, diretor geral da Fundação FHC.

“No Brasil, não temos problema de acesso de crianças negras à escola pública, mas, se você perguntar a uma pessoa negra qual foi a sua primeira experiência racista, a resposta será que foi na escola. Ao lado da violência, o racismo é um dos principais motivos de evasão escolar. A educação antirracista é uma agenda muito consolidada, mas que continua a nos desafiar até hoje”, respondeu Marcia Lima.

“O Programa Pé de Meia é para mim o programa mais importante para as crianças e os adolescentes negros atualmente. Não é à toa que ele tem sido tão combatido. O Pé de Meia precisa ser ampliado e refinado”, disse Hélio Santos.

“Quando estava no governo federal, propus que o Pé de Meia deveria fazer parte do conjunto de políticas de ação afirmativa, embora não tenha este recorte específico. Sugeri a criação do selo ‘Aqui tem Juventude Negra Viva’ a ser estampado em programas que beneficiam os jovens afro-brasileiros, desenvolvidos não apenas pelo governo federal, mas por governos de todo o país, entre eles o Pé de Meia. Seria uma forma de integrar diferentes iniciativas e comunicar melhor tudo o que tem sido feito. Infelizmente, a ideia não foi adiante”, concluiu Lima.


Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.