A sociedade israelense: dinâmicas de mudança e o futuro da democracia
No ano em que completa 70 anos de sua criação, Israel vive o dilema entre ser uma democracia liberal ou uma democracia étnico-nacional.
No ano em que completa 70 anos de sua criação, anunciada em 14 de maio de 1948, Israel vive o dilema entre ser uma democracia liberal, com um sistema democrático que garanta direitos civis e sociais iguais a todos os seus cidadãos, ou uma democracia étnico-nacional, em que as instituições de um Estado judeu colocam em posição de vantagem os interesses de uma maioria nacional, formada por cerca de 6,6 milhões de judeus (75% da população total), em contraposição aos de uma minoria de origem árabe, composta de cerca de 1,8 milhões de habitantes, principalmente palestinos (cerca de 21% da população total).
“Israel se autodefine como Estado judeu e democrático, o que caracteriza um tipo diferente de democracia liberal. Por um lado, outorgam-se direitos a todos os cidadãos, inclusive de participação política. Por outro, existe uma posição de vantagem por parte da maioria étnica formada por judeus. Essa contradição cria tensões permanentes”, disse o sociólogo israelense Gustavo S. Mesch, professor e reitor da Universidade de Haifa, em palestra na Fundação FHC.
Cerca de 4,1 milhões de árabes palestinos vivem na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, territórios ocupados por Israel na Guerra de 1967, até hoje sob controle israelense. Eles não são cidadãos israelenses, mas também não vivem em um Estado independente.
Segundo o palestrante, o atual governo, liderado pelo primeiro-ministro Binyamin Netanyahu (Likud), adota uma “política dupla” em relação à minoria árabe israelense. Por um lado, o Parlamento aprovou recentemente medidas como a lei de nacionalidade e a exclusão da língua árabe como idioma oficial. Por outro, o governo tem buscado acelerar a integração da população árabe palestina à economia israelense. Nos últimos 5 anos, o percentual de estudantes árabes em universidades israelenses passou de 10% para 15% e, no nível de mestrado, de 8% para 11%. “Estamos vendo uma nova geração com curso superior e mestrado chegando ao mercado de trabalho”, disse Mesch.
Mas, segundo o sociólogo, 64% dos árabes israelenses consideram que Israel não pode ser ao mesmo tempo um Estado judeu e uma democracia. “O fato é que eles não conseguem se identificar com símbolos importantes do Estado como o hino nacional e a bandeira de Israel”, disse o professor.
Além desse conflito étnico-nacional, a sociedade israelense enfrenta outras questões como a divisão entre judeus religiosos e laicos, de origem ocidental e oriental, para não falar em diferenças sócio-econômicas. Os ultraortodoxos, que se opuseram historicamente à ideia do próprio Estado de Israel e se recusam a servir no Exército, representam cerca de 6,5% da população judaica. Outros 17% seguem mais estritamente os fundamentos religiosos, mas reconhecem o Estado israelense, embora apoiem iniciativas no sentido de limitar a independência da Corte Suprema, que em diversas oportunidades atuou para garantir os direitos da minoria árabe. Já os que seguem a religião de forma mais moderada e os laicos representam 38% cada.
As tensões étnico-religiosas devem aumentar, pois os ultraortodoxos, que costumam ter muitos filhos, devem superar o número de cidadãos de origem árabe em 2045 e chegar a um terço da população total em 2065.
Israel é hoje uma sociedade aberta e contemporânea, com uma economia vigorosa cada vez mais baseada em alta tecnologia (eletrônica, produtos farmacêuticas e aviação), responsável por 11,5% do PIB e 9% do total de empregos, e inovação (ciência e tecnologia). Mas 45% da população acredita que a democracia está em perigo. Entre os de origem árabe esse percentual chega a 65%. “Não há dúvida de que vivemos em uma sociedade profundamente dividida. Até o momento, o sistema democrático-institucional tem se mostrado capaz de administrar essas tensões, apesar das dificuldades. A chave para o futuro do país está na preservação da democracia”, concluiu Gustavo Mesch.
Otávio Dias, jornalista, é editor de conteúdo da Fundação FHC. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.