Debates
09 de julho de 2020

A pandemia nos municípios: um diálogo entre duas prefeitas

Elas destacaram o que há de comum nos desafios já enfrentados, a começar pelo fato de serem mulheres e as primeiras prefeitas na história de suas cidades.

Neste webinar, duas prefeitas à frente de cidades muito distintas entre si, Pelotas, no Rio Grande do Sul, e São Bento do Una, em Pernambuco, compartilharam a experiência que têm vivido no enfrentamento da pandemia. Apesar das diferenças de tamanho e características socioeconômicas dos dois municípios, elas destacaram o que há de comum nos desafios que vêm enfrentando, a começar pelo fato de serem mulheres e as primeiras prefeitas na história de suas cidades.

Paula Mascarenhas (PSDB) e Débora de Almeida (PSB) falaram com franqueza no evento em parceria com a Rede de Ação Política para a Sustentabilidade (RAPS), sem esconder incertezas e aflições, sobre como têm buscado responder ao mesmo tempo às necessidades da economia de seus municípios e de proteção à saúde da população. Do relato, sobressai a importância de bem informar os cidadãos e buscar cooperação entre órgãos e níveis de governo, bem como parcerias com a sociedade, acima de disputas partidárias.

“Muitas vezes nós temos que decidir no escuro.Todas as decisões têm um pouco disso, uma aposta, não existe uma receita pronta de combate ao coronavírus, existem elementos, algumas informações e orientações, mas são decisões muito difíceis.”
Paula Mascarenhas, mestre e doutora em letras, é prefeita de Pelotas (PSDB/RS)

 

“O processo de decisão é muito difícil porque decidimos com os elementos que temos no momento e muitas vezes somos avaliados lá na frente quando as pessoas já têm o conjunto de elementos que nós não tínhamos quando a decisão precisava ser tomada.”
Débora Almeida, bacharel em direito, é prefeita de São Bento do Una (PSB/PE)

Realidades distintas

Pelotas é um município onde vivem cerca de 340 mil pessoas, a quarta cidade do Rio Grande do Sul em termos populacionais. É, junto com o município de Rio Grande, pólo de referência em saúde para um conjunto de 23 municípios da região sul do estado. A economia de Pelotas é majoritariamente concentrada nos setores de comércio e serviços. “Somos uma cidade universitária. (…) Pelotas é patrimônio cultural brasileiro, material pelo seu conjunto arquitetônico e imaterial pela sua tradição doceira”, disse Paula Mascarenhas. Por sua vocação, a cidade se viu fortemente impactada pelas restrições advindas da pandemia.

São Bento do Una, por sua vez, é uma cidade da região semiárido do estado de Pernambuco com 59 mil habitantes. A economia do município é majoritariamente rural, baseada nas atividades de avicultura, agropecuária e agricultura. De acordo com a prefeita Débora de Almeida, a cidade está “saindo de um período de oito anos de seca, esse ano de um lado temos a pandemia e, de outro, uma das melhores condições climáticas desde que assumi em 2013”. A falta de água era uma realidade em São Bento do Una até o ano passado, sendo necessário percorrer uma distância de 100 quilômetros para acessá-la. Para Débora, 2020 representou um desafio no quesito pandemia e abalou um pouco a economia, mas a melhora dos níveis de chuva permitiu a continuidade das atividades rurais, amortecendo seu impacto econômico e garantindo condições de higiene essenciais para o controle do coronavírus.

Estratégias de enfrentamento à pandemia

Apesar da oferta de serviços de saúde ter dimensões díspares em cada município – em Pelotas há sete hospitais e, em São Bento do Una, apenas um –, em ambos os municípios as prefeitas expandiram a capacidade dos equipamentos de saúde, com mais leitos, aquisição de respiradores e contratação de profissionais. Também adotaram a telemedicina para possibilitar o atendimento de pessoas em quarentena.

Em Pelotas, destaca-se o início precoce do plano de contingência da pandemia, em fevereiro, com a participação das universidades e dos sete hospitais do município para separar alguns hospitais para atendimento de pacientes com outras enfermidades, um hospital de referência no SUS e outro na rede particular específicos para atender às pessoas infectadas pelo novo coronavírus. As ações de orientação dos habitantes e fiscalização dos estabelecimentos foram incorporadas a uma estratégia que a cidade já adotava: “Havia um planejamento conjunto de segurança pública, o Pacto Pelotas pela Paz, então o trabalho integrado entre as instituições de segurança já existia e foi muito fácil simplesmente mudar o foco de atenção”, afirmou Mascarenhas.

Na cidade de São Bento do Una, a assistência social foi importante para mapear e acompanhar as famílias atingidas pela pandemia. Como muitas pessoas moram em áreas rurais, “em cada um dos povoados do nosso município colocamos uma ambulância para trazer essa população para a cidade se precisasse de atendimento”, disse Almeida. No campo da economia, a criação de grupos de whatsapp organizou a compra e venda de produtos, diminuindo a necessidade de circulação das pessoas.

Cooperação entre municípios

Essencial também para o enfrentamento da pandemia foi trabalhar em conjunto com os municípios próximos. A prefeita de São Bento do Una destacou a importância da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe) para compartilhar boas práticas entre prefeitos, prestar contas ao Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco e elaborar estratégias de comunicação.

No caso de Pelotas, Mascarenhas explicou que a Associação dos Municípios da Zona Sul (Azonasul) operou de forma virtual na pandemia, sem interrupções. “Os prefeitos das cidades menores compreenderam que precisam nos ouvir e compartilhar os desafios, já que Pelotas e Rio Grande são as referências daquele conjunto de municípios. Embora existam leitos em alguns deles, se houver algum caso mais grave, eles devem recorrer a nós”, afirmou.

Diálogo com os cidadãos

Tanto nas regiões Sul quanto na Nordeste, a necessidade de comunicar à população durante a pandemia se fez presente.“Nunca as pessoas demonstraram tanto interesse em nos ouvir, elas estão ávidas por informação e ajuda”, disse Paula. As duas implementaram audiências públicas frequentes para relatar a situação da pandemia na cidade, as medidas tomadas e tirar dúvidas da população.

Segundo Débora, “é muito importante nesse momento que estamos vivendo que a prefeitura e a população se entendam e falem a mesma língua”. “Nós [prefeitura] buscamos ser sinceros, passamos as notícias boas e ruins, com transparência. (…) Eu tento entender os termos técnicos e informar de forma que todo mundo entenda”, concluiu.

Paula Mascarenhas afirmou ser esse um dos principais desafios, sobretudo no contexto de polarização em relação à pandemia. “A assessoria de comunicação trabalha na linha de frente no combate à Covid-19, é fundamental passar as orientações com clareza e transparência”, disse.

Liderança feminina

Como as primeiras prefeitas eleitas em seus municípios, Débora e Paula relataram ter sofrido pressão durante o combate ao coronavírus. “Nós percebemos um certo preconceito no momento em que tínhamos de tomar decisões. (…) As agressões contra nós parecem visar afastar a mulher da atividade política, com o objetivo de descredenciar nossa gestão”, afirmou a prefeita de São Bento do Una.

Para Débora, ser mulher e conduzir o enfrentamento à pandemia significa seguir também sua intuição. Segundo ela, esse sentimento foi determinante para investigar a suspeita de síndromes gripais em uma instituição de longa permanência de idosos na cidade, o que permitiu confirmar casos de Covid-19 precocemente, adotar medidas de precaução e salvar vidas.

Para Paula, a empatia tem sido um valor humano importante. “Acho que nós [mulheres] temos sim uma capacidade de empatia ou compaixão, de sofrer a dor do outro, mas também acho que posso estar sendo injusta com alguns gestores homens que também têm essa capacidade. É uma característica sobretudo feminina, mas também compartilhada com os homens. Tenho procurado usar o que há de melhor na minha natureza humana, trazer isso à flor da pele para a tomada de decisões, sem perder a racionalidade, fundamental nesse momento”, disse.

Outra faceta escancarada pela pandemia foi a violência contra a mulher:“(…) Cresceu muito, o isolamento domiciliar fez com que aparecesse mais”, relatou Paula. No Rio Grande do Sul, esse problema tem impulsionado movimentos da sociedade. Quando uma mulher pede uma máscara roxa na farmácia, é um código que significa um pedido de ajuda, e a rede de proteção é acionada.

O que fica para depois

O mundo não será o mesmo depois da pandemia. No âmbito da gestão pública, as prefeitas relataram aprendizados que devem ser levados para o futuro: capacidade de organização da economia local e do sistema municipal de saúde, otimização de custos, reuniões a distância e busca por soluções de forma rápida são alguns desafios citados.

Mas o conhecimento trazido pela situação nunca antes vivida vai além da administração de suas cidades. “A pandemia tem que servir para construir pontes. Somos ao mesmo tempo vítimas da situação e pessoas capazes de dar sua contribuição para o bem maior”, concluiu Mascarenhas. “O grande legado vai ser do ser humano. A gente conheceu muito as pessoas, sua melhor e sua pior face. Com tudo isso conseguimos tirar grandes aprendizados, do que realmente importa na vida e na transformação da vida das pessoas”, finalizou Débora. 

Beatriz Kipnis, mestre e bacharel em Administração Pública e Governo (FGV-SP), é assistente de coordenação de estudos e debates da Fundação Fernando Henrique Cardoso.