Debates
08 de setembro de 2015

A controvérsia em torno da Uber: como regular inovações disruptivas

Além de Daniel Mangabeira, diretor de Políticas da Uber, o debate reuniu vereadores e representantes de empresas de tecnologia do setor de transportes, pesquisadores e especialistas em mobilidade.

A polêmica que o aplicativo Uber tem provocado em São Paulo, no Rio e em outras capitais desde o ano passado é uma oportunidade não apenas para repensar os serviços de táxi nas grandes cidades brasileiras, mas principalmente para debater e encontrar soluções criativas para a questão de como as novas tecnologias podem contribuir para melhorar a mobilidade urbana.

Esta foi a principal conclusão da mesa-redonda A controvérsia em torno da Uber: como regular inovações disruptivas, organizada pela Fundação FHC, em São Paulo, em 25 de agosto.

Em 9 de setembro próximo, o projeto de lei 349/14, que proíbe o uso de carros particulares cadastrados em aplicativos para transporte remunerado de pessoas, deve ser votado pela segunda vez na Câmara Municipal de São Paulo. No último dia 25, mesmo dia do debate na Fundação FHC, os vereadores do Rio aprovaram projeto similar na cidade. Tanto em São Paulo quanto no Rio, as novas leis estarão sujeitas a sanção ou veto dos prefeitos Fernando Haddad (PT) e Eduardo Paes (PMDB), respectivamente.

“Qual a pertinência legislativa de proibir uma nova tecnologia, como propõem os projetos de lei em São Paulo e no Rio? O prefeito de Vitória, Luciano Rezende (PPS), e o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), já decidiram vetar projetos semelhantes, que buscavam proibir a inovação. A atitude de proibir, à revelia da opinião pública, é não apenas inadequada, mas tem um quê de imoralidade”, disse Daniel Mangabeira, diretor de Políticas da Uber.

“Atualmente os carros particulares que circulam em São Paulo têm uma capacidade ociosa de 40 milhões de vagas por dia, pois a média de ocupação é de apenas 1,4 passageiros por veículo. De que forma o poder público pode provocar uma utilização mais intensa destes recursos já existentes? Vamos abdicar da tecnologia para isso?”, perguntou José Police Neto (PSD), o único vereador paulistano a rejeitar o projeto de lei 349/14, de autoria do vereador Adilson Amadeu (PTB), na primeira votação. Police deixou claro, no entanto, que a Uber representa uma pequena parte de um debate bem mais amplo sobre tecnologia e mobilidade urbana.

Além do diretor da Uber e de Police Neto, o debate na Fundação FHC reuniu outros vereadores e representantes de empresas de tecnologia do setor de transportes, pesquisadores e especialistas em mobilidade. Desde sua concepção, a proposta do evento foi a de realizar um debate mais técnico e propositivo, em vez da discussão extremada dos últimos meses.

A Uber coloca clientes e motoristas de carros particulares previamente cadastrados em contato direto, via um aplicativo de celular. O pagamento é feito via cartão de crédito, e a Uber leva uma comissão. Fundada na Califórnia em 2009, a empresa já atua em diversos países, sempre provocando forte reação por parte dos taxistas convencionais, além de denúncias de falta de segurança. Chegou ao Brasil em 2014, por ocasião da Copa do Mundo.

“Do ponto de vista de quem se preocupa com o avanço da sociedade e o interesse público, importa menos resolver o problema da Uber. Queremos entender as racionalidades regulatórias de diversos setores e como as novas tecnologias impactam na oferta e na prestação de serviços. Como é possível regular sem engessar? E, se for para proibir, o que proibir, de forma a não impedir inovações futuras?”, disse o pesquisador Pedro de Paula, do InternetLab, um centro independente que pesquisa as relações entre direito, tecnologia e sociedade.

“Em São Paulo, existe uma máfia dos alvarás e qualquer novidade que possa reduzir o preço de aluguel, compra e venda ilegal das licenças mexe com interesses muito sérios. A Uber foi escolhida como bode expiatório. Precisamos repensar todo o sistema de transporte individual de passageiros e criar um novo ordenamento que incorpore a dimensão das novas tecnologias de compartilhamento”, defendeu o vereador Ricardo Young (PPS).

Segundo dados publicados pela Folha de S.Paulo, em coluna assinada pelo jornalista Leão Serva (assessor de comunicação da Prefeitura de São Paulo durante as gestões de José Serra e Gilberto Kassab), São Paulo têm hoje cerca de 30 mil alvarás de táxi, o equivalente a 2,5 táxis/mil habitantes, enquanto Bogotá e a Cidade do México têm 6 táxis/mil habitantes e Nova York, 8 táxis/mil habitantes. A venda de alvarás está proibida pela Justiça, mas eles são negociados por dezenas de milhares de reais. O aluguel de um táxi com alvará pode chegar a R$ 200 por dia.

“Este foi um debate interdisciplinar e intersetorial de ótimo nível. Criamos aqui um espaço de discussão qualificada que, espero, será muito útil para evoluirmos nesse importante debate”, afirmou o mediador Sérgio Fausto, superintendente-executivo da Fundação FHC, ao final do evento.

Leia abaixo os principais trechos da mesa-redonda, com cerca de duas horas de duração.

Daniel Mangabeira, diretor de políticas da Uber – Primeiro a falar, admitiu a regulamentação do serviço fornecido pela Uber, mas criticou a proibição pura e simples.

“A maior preocupação da Uber é propor um debate que não seja apenas focado na empresa, mas em tentar entender a lógica da economia compartilhada, da qual ela é um expoente. Essa lógica está posta, as ferramentas estão aí. Em vez de proibir, como regulamentar esse mercado para o bem da coletividade?”

“É importante olhar para o futuro sem implodir o presente. Ou melhor, trabalhar por dentro a lógica do presente para incorporar a lógica do futuro.”

“As iniciativas de proibir a atividade econômica e a inovação pura e simplesmente vão contra dispositivos já existentes na legislação brasileira como a Constituição Federal e o Marco Civil da Internet, uma nova lei absolutamente vanguardista.”

“Lá na frente, pode haver a imposição de restrições. Mas a premissa do diálogo deve anteceder qualquer decisão. A sociedade brasileira deve chegar a um consenso que seja bom para as cidades e seus habitantes. Afinal, o importante é o bem-estar do cidadão.”

Pedro de Paula, mestre em direito econômico pela Faculdade de Direito da USP e pesquisador do InternetLab – Descreveu resultados preliminares da pesquisa Economia do Compartilhamento e Transporte Urbano (em andamento), que listou pelo menos doze preocupações regulatórias para o setor, entre elas controle prévio de motoristas e segurança, questões de gênero, tarifa fixa ou variável, limites de entrada para novos veículos, inspeção veicular, responsabilização da plataforma (aplicativo), existência de central de atendimento, proteção de dados individuais e tributação.

“No passado, havia um descompasso entre o poder de barganha do taxista e do usuário em determinadas situações, como num dia de chuva. Às vezes o taxista tinha maior capacidade de barganha; outras vezes, o usuário. Por isso a tarifa foi padronizada. Mas os celulares, os aplicativos e a tecnologia GPS facilitaram o acesso à informação e tornaram o mercado mais eficiente em termos de oferta e procura, abrindo espaço para a flexibilização da tarifa. Esta é a grande diferença trazida pela inovação.”

“Como pesquisadores, vemos que não faz mais sentido ter uma tarifa fixa, embora não tenhamos uma sugestão definitiva para a questão. Hoje é possível, por um custo baixíssimo, escolher entre um serviço ou outro, com preços e qualidade de serviço variáveis.”

“Outra questão importante é a barreira de entrada a novos taxistas, que sempre esteve associada ao preço das corridas. Afinal, se todo mundo que quiser puder entrar, há o risco de se criar uma situação em que ninguém se banca, um mercado autodestrutivo. Mas, se não houver preço rígido, não faz sentido ter uma barreira de entrada tão restrita como atualmente em São Paulo.”

“Agora estamos estudando experiências positivas em outros países. Na Cidade do México, houve um acordo que autorizou a atuação de aplicativos, mas com uma tributação específica para um fundo de mobilidade urbana.”

“O Daniel Mangabeira descreveu a Uber como representante da ‘sharing economy’ (economia de compartilhamento). Mas este conceito tem mais a ver com o compartilhamento de ativos já detidos pelo usuário, como no caso do dono de um veículo que decide dar carona e de serviços como o Airbnb. O aplicativo Uber é mais um serviço ‘on demand’, ‘peer to peer’, já que, por meio da tecnologia móvel, o cliente é colocado em contato direto com o motorista, que entrega a ele um serviço sob medida.”

Andrea Matarazzo, vereador paulistano (PSDB) – Criticou a maneira como a Uber entrou no mercado brasileiro, mas defendeu uma nova regulamentação, mais flexível e desburocratizada.

“O problema foi a maneira como a Uber entrou e sua forma de atuação na Câmara, com usuários enviando cartas xingando os vereadores etc. Não é o caminho. Como legisladores, não podemos apenas dar uma de moderninho. Existe uma lei e ela tem de ser cumprida. O debate exige tempo, tem a briga das corporações, não é algo que se resolve num minuto.”

“No início, os taxistas quiseram bloquear novos aplicativos como Easy Taxi e 99Taxis. Depois se adaptaram e hoje os utilizam. A Uber será uma realidade, mas precisa haver essa discussão.”

“A legislação dos táxis, que vem desde o final da década de 60, é absolutamente ultrapassada. Precisamos atualizá-la e desburocratizar a vida dos táxis, que é um pesadelo.”

“Tem um ponto importante que é o cadastramento de motoristas, que, além do CNH, precisam apresentar atestado de antecedentes criminais, relação de multas etc. Afinal, o sujeito pode ter 15 recomendações positivas de usuários e matar o 16º.”

“Hoje é proibido dar desconto na tarifa. Mas, no caso do transporte compartilhado, por que tem de proibir? Creio que quanto menos regulamentar, melhor. O fundamental é conscientizar a sociedade e dar livre arbítrio às pessoas.”

Ricardo Young, vereador paulistano (PPS) – Atacou a ‘máfia dos alvarás’ e propôs a criação de um cadastro online de motoristas autônomos para superar o problema da limitação de licenças de táxis disponíveis no mercado.

“São Paulo tem uma doença causada pelo represamento dos alvarás. Existe uma verdadeira máfia, presente não apenas nos sindicatos, como também na Câmara dos Vereadores e no Departamento de Transporte Público da Prefeitura, que não tem nenhum interesse na redução do preço dos alvarás. Eles viraram um negócio muito rentável.”

“Os taxistas que têm alvará e carro próprio não veem o aplicativo Uber como grande ameaça. Eles seguem trabalhando. O problema são aqueles envolvidos com a máfia do alvará.”

“Protocolamos na semana passada o Projeto de Lei 416/15, que propõe a criação de um novo sistema de transporte público individual na cidade. A ideia é criar uma plataforma digital onde todos os motoristas com carteira de habilitação profissional, condutax e outros documentos como atestado de bons antecedentes possam se cadastrar. Aí eles recebem um registro e podem trabalhar como autônomos.”

“De acordo com esse projeto de lei, disponível para consulta e contribuições no endereço euvoto.org, o Estado deixará de ser controlador para ser apenas regulador.”

“O mais importante é libertar o motorista do jugo do alvará. Após se cadastrar como autônomo, ele escolhe se quer trabalhar com seu próprio carro de forma independente, com aplicativos, em frota, cooperativa ou empresas de aluguel de carros de luxo.”

“Ao devolver autonomia ao motorista, o beneficiário final será o cidadão, que terá mais concorrência trabalhando a seu favor.”

José Police Neto, vereador paulistano (PSD) – Propôs uma nova regulamentação que, com o auxílio da tecnologia, estimule mais usuários a compartilharem os carros particulares já existentes nas cidades brasileiras, otimizando e economizando recursos.

“Temos de fugir da armadilha de opormos a ‘máfia dos taxistas’ aos ‘santos da Uber que vieram nos salvar desses ogros’. Se formos por aí, ou estaremos nos associando ao corporativismo público ou nos entregando a uma corporação privada. Nem uns nem outros vão resolver o problema da mobilidade, pois juntos representam no máximo 2% das viagens de carro que ocorrem todos os dias em São Paulo.”

“Estamos tentando legislar na consequência e não na origem do problema. Onde está o interesse público nesse debate? De que forma a tecnologia pode ser usada para as pessoas circularem melhor e se relacionarem mais? Como o compartilhamento de veículos particulares pode contribuir com inteligência e criatividade para a mobilidade urbana?”

“Em São Paulo, todos os dias acontecem cerca de 40 milhões de viagens, 1/3 delas com carros individuais, cada um levando em média apenas 1,4 passageiros. Portanto, temos em média 3,6 vagas disponíveis em cada carro particular que está na rua. Precisamos regulamentar esses aplicativos para fazer a tecnologia nos servir, no sentido de levar um número maior de pessoas para dentro dos carros já existentes e reduzir o número de viagens individuais.”

“Hoje, utilizando a tecnologia disponível, temos condições de definir novos padrões e regras a partir de informações e deixar o cidadão decidir se quer entrar num carro Uber, num táxi convencional ou num carro particular que oferece carona de um lugar da cidade a outro. Cada um vai se encaixando.”

“Em Tel Aviv (Israel), o Waze já oferece um serviço de compartilhamento de caronas que, segundo o aplicativo, permite uma economia de mais de US$ 300 por mês. Quando economiza dinheiro, o cidadão também economiza cidade.”

“Vou militar até o dia 9 (de setembro) para que os demais vereadores mudem de posição e votem contra o projeto de lei tal como foi aprovado em primeira votação. Não porque não goste dos taxistas, ou porque goste. Mas porque temos 40 milhões de vagas ociosas diariamente nas cidades, que custam energeticamente, ambientalmente etc.”

“E, depois, quem sabe, conseguir convencer o prefeito (Fernando Haddad), que teve mais de um ano para regulamentar a seção de compartilhamento que está no Plano Diretor e preferiu silenciar a colocar o dedo na ferida e avançar na solução. Se ele tivesse regulamentado diretamente o compartilhamento, hoje estaríamos discutindo outros temas porque este já estaria superado.”

Arthur Barrionuevo Filho, professor de economia da Fundação Getúlio Vargas – Sugeriu a criação de um organismo regulatório que revise de forma constante e rápida as regras do setor de serviços para acompanhar a velocidade das mudanças provocadas pela tecnologia.

“Uma das vantagens que os economistas têm levantado sobre o surgimento desse novo tipo de economia cooperativa, além das vantagens de aproximar os usuários dos fornecedores de serviços e reduzir custos, é justamente o fato de que ela está forçando a atualização de leis e regras há muito ultrapassadas. Se a Uber não tivesse sido agressiva ao entrar no mercado, essa discussão não estaria sendo feita e tudo continuaria como há décadas.”

“O mercado está sempre à frente da regulamentação. Um exemplo são as regras anacrônicas que prejudicam os serviços de comunicações. A regulamentação rígida dos táxis também está atrapalhando as inovações. Não seria interessante haver algum organismo que possibilite um processo mais constante de atualização das regras de setores que passam por mudanças tecnológicas muito rápidas?”

Fábio Feldmann, advogado e ambientalista, foi deputado federal e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo – Propôs o uso de um instrumento chamado certificação para facilitar a criação de novas regras.

“Já existe atualmente uma alternativa que chamamos de certificação, em que se junta a sociedade civil, o setor empresarial e o poder público, mas este último está em pé de igualdade com os demais. Faz-se um pacto normativo, uma regulação pública, mas não governamental. Ou seja, o Estado não tem papel hegemônico em sua formulação.”

“Na década de 90, participei de uma experiência muito polêmica que foi a implantação do rodízio de carros em São Paulo (em vigor até hoje). Desde aquela época defendo a ideia da carona solidária. Creio que deveríamos criar a categoria do carro de carona solidária e usar estímulos econômicos como a redução do IPVA e a oferta preferencial de vagas de estacionamento, entre outros, para estimular o indivíduo que queira compartilhar seu automóvel com outras pessoas.”

Gesner Oliveira, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, foi presidente do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ligado ao governo federal) – Sugeriu que a nova regulamentação do setor adote três critérios básicos, descritos a seguir.

“O primeiro critério é ser minimalista, ou seja, as novas regras devem ser simples e não tentar regulamentar de forma muito detalhada coisas que obviamente vão mudar ao longo do tempo. O segundo é que elas têm de ser flexíveis, porque as inovações são frequentes, as mudanças da cidade também e as adaptações precisam ocorrer com mais facilidade. Por fim, a regulação precisa ser pró-concorrencial. Não deve estabelecer um preço fixo para as tarifas, mas permitir oscilações em torno de um preço sugerido.”

“O controle da oferta também deve ser flexível, pois a renda monopólica dos detentores de alvará é um reflexo da rigidez artificial da concessão de licenças. Temos de levar em conta as consequências da entrada de mais veículos e o impacto global sobre a cidade, mas a oferta certamente tem de crescer ao longo do tempo. Se congela, o custo do alvará sobe.”

“Se passarmos pelos testes do minimalismo, da flexibilidade e do pró-concorrencial, e deixarmos o mercado determinar as condições específicas da atividade, teremos um bom serviço, tenho certeza.”

Wagner Colombini Martins, sócio da empresa Logit – Defendeu a desregulamentação, mas lembrou de casos de cidades onde o serviço de táxis é ruim devido à ausência de regras bem definidas.

“É importante deixar o mercado trabalhar, mas colocar limites, não dá para deixar totalmente solto. Em Brasília, por exemplo, há excesso de carros na praça e a vida do taxista é, em geral, ruim. Conheci um taxista que morava no carro, que nem era dele. Tomava banho num posto de gasolina e dormia no carro. Como pode oferecer um bom serviço, com segurança e conforto para o usuário, nessas condições?”

“É claro que o mercado se autorregula. Se houver um excesso de carros na praça e deixar de ser interessante trabalhar como motorista, parte das pessoas vai sair e o mercado volta ao equilíbrio. Mas em Nova York, por exemplo, também há limites para evitar que o mercado se autodestrua.”

“Em Lima, no Peru, na época do governo Fujimori (anos 90), liberou geral. Muitos táxis são velhos, em péssimo estado e não têm taxímetro. Os passageiros precisam negociar a corrida, e o trânsito vira uma confusão. É um horror.”

Leandro P. Piquet, da Universidade de São Paulo – Após relatar recente experiência como assessor da Prefeitura do Rio quando tentou, sem sucesso, organizar a fila de táxis no Aeroporto Santos Dumont, ressaltou que o serviço de táxis de São Paulo é mais organizado do que o do resto do país.

“O serviço de táxi no Rio tem uma precariedade estrutural bem maior do que em SP. Durante dois anos, tive uma encomenda da prefeitura de organizar a fila de táxis no aeroporto Santos Dumont. A tentativa era apenas copiar o modelo de Congonhas, em que existe uma fila com cinco lugares marcados no chão, e os táxis vão parando para pegar os passageiros. No Rio, não dava certo, a fila não andava direito, tinha toda uma complexidade. Até que um dia um guarda municipal foi ameaçado com uma arma de fogo por um taxista. Ele nos contou, então, que os taxistas eram todos policiais militares fazendo bico. Fomos conversar com o Comandante da PM do Rio, e ele nos disse ‘puxa vida, vocês querem acabar com o único trabalho extra lícito que o PM tem nesta cidade? Vocês querem que ele vá para a milícia amanhã?’’

“Então, é bom lembrar que o Brasil, visto sob a ótica de São Paulo, parece mais simples do que é na realidade. Na capital paulista, você pega um táxi na rua e dificilmente será assaltado. Compartilho do entusiasmo em relação à inovação e à possibilidade de uma flexibilização dos serviços de transporte, mas é bom lembrar que o resto do Brasil está abaixo da linha d’água, com uma economia do ilícito muito articulada, uma cadeia de relacionamentos muito difícil de ser controlada. São Paulo tem uma série de vantagens regulatórias que a maioria das outras grandes cidades do Brasil simplesmente não tem.”

Luis Antônio Lindau, sócio da empresa Embarq Brasil – Propôs que o transporte público (ônibus, metrô etc.) ofereça uma gama de serviços que o torne mais atraente para os usuários.

“O congestionamento é perverso, tem todas as externalidades negativas, mas muitos ainda preferem enfrentar o trânsito no conforto de seu carro. Isso porque o transporte coletivo é uma desutilidade. Que inovações podem ser adotadas para que o tempo gasto em transporte seja parte de um dia ativo?”

“Se ouvirmos a população para saber o que ela quer, daria para montar uma série de serviços que, aí sim, começaria a tirar um pouco dessa vantagem que o conforto do carro traz, mesmo no pior dos congestionamentos. Transferir esse conforto para um veículo coletivo, colocando uma série de amenidades lá dentro, que o tornem mais atrativo. Existe uma oportunidade enorme aí.”

Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), do Rio, e professor da UERJ – Lembrou que a inovação não pede permissão para dominar mercados. Disse também que a Uber, como um serviço presente em diversos países, torna a vida do viajante mais fácil e segura.

“Em inglês, existe o termo ‘permitionless innovation’. É a inovação que não pede permissão para entrar e dominar um mercado. A Uber é apenas o último capítulo de uma história que tem diversos outros atores. O Google, por exemplo, não pediu permissão pra ninguém para indexar a internet inteira e oferecer um serviço de busca na rede que todos nós concordamos ser bastante útil. Não há como barrar a inovação.”

“Um segundo ponto que quero destacar é a questão da globalização dos serviços. Todo mundo que viaja sabe que tomar um táxi em um aeroporto ou uma estação de trem em certos países é receita para um desastre. O aplicativo Uber atrai porque oferece um serviço que você já conhece em sua cidade e pode utilizar facilmente em outros lugares, sem que tenha que negociar com o taxista num ambiente em que você é mais vulnerável.”

Eric Fontenele Nybo, representante da Easy Taxi – Defendeu a desoneração dos serviços de táxi em nível nacional.

“Como já foi dito aqui, a Uber não se caracteriza como ‘sharing economy’, mas como um táxi de luxo. Por isso, creio ser necessário haver a desoneração do taxista justamente para ele poder competir em pé de igualdade com serviços como Uber. Porque hoje o taxista tem obrigações que o concorrente não tem. Se o objetivo não é proibir, é preciso oferecer ao taxista as mesmas condições do concorrente. É um debate nacional, não apenas municipal.”

Daniel Mangabeira, representante da Uber – Pediu a palavra para comentar algumas considerações feitas pelos demais debatedores.

“A Uber possibilita, sim, o compartilhamento. A maioria dos motoristas da Uber é proprietária de seu carro, portanto é um ativo que ele otimiza oferecendo um serviço para a coletividade.”

“A entrada da Uber no Brasil em 2014 se deu na esteira de uma análise aprofundada da legislação existente no país. Acreditamos que a lei permite a existência de um modelo de negócio facilitado por um aplicativo. Não há uma regulamentação específica, mas há a previsão normativa da existência desse tipo de serviço.”

“A chegada da Uber também foi conduzida na esteira de uma análise comercial. Mais de 80% dos motoristas que se cadastraram na plataforma já trabalhavam com transporte particular ou executivo. O que fizemos foi centralizar por meio da tecnologia uma oferta que já existia de forma pulverizada. Nossa lógica foi a de otimizar um mercado já existente.”

“Somos favoráveis a regulamentar, mas para estabelecer requisitos de qualidade e segurança, e não no sentido de uma regulação limitadora. Quando há barreiras artificiais, surge o mercado paralelo. Não pode haver desequilíbrio entre a demanda por um serviço, o número de pessoas que gostariam de operar nesse mercado e as possibilidades para que de fato operem. A eficiência deve ser a regra do jogo.”

Pedro de Paula, do InternetLab – Pediu a palavra para reforçar a ideia de que a tecnologia deve ser usada para melhorar a mobilidade e o planejamento urbano.

“Em Boston, o próprio aplicativo Uber mostrou que em áreas mais pobres havia uma demanda exagerada pelo serviço, num sinal de que havia ausência de transporte coletivo adequado ligando estações de metrô e de trem a áreas mais distantes da cidade. Usar as próprias plataformas digitais é uma forma interessante de aproveitar a tecnologia para o planejamento urbano e o bem comum.”

“Já em Washington, capital dos EUA, já existe a experiência de viagens compartilhadas obrigatórias. Numa área mais central, só entram carros com duas ou três pessoas. Há até filas de pessoas esperando para pegar carona. Dá para pensar transporte público e individual, mobilidade e planejamento urbano de forma muito mais eficiente com o uso de tecnologia. Este é, sem dúvida, um bom encaminhamento para o debate.”

Sergio Fausto, superintendente-executivo da Fundação FHC:

“Termino esta conversa feliz porque foi um debate que atirou no que viu e acertou no que não viu. É evidente que encontrar uma solução para o caso da Uber é importante, assim como enfrentar o monopólio dos táxis e melhorar a qualidade da oferta. Mas o essencial é descobrirmos como utilizar as novas tecnologias na perspectiva mais ampla do bem-estar coletivo e da economia do espaço urbano.”

Otávio Dias, jornalista, é especializado em política e assuntos internacionais.