FHC: Ação Política
15 de novembro de 2022

Um novo caminho começa pelo Senado

Trajetória parlamentar de Fernando Henrique Cardoso teve início há 40 anos, em 1982.

O sociólogo Fernando Henrique Cardoso, então com 51 anos, chegava às eleições de 1982 como um de seus mais importantes protagonistas – mesmo sem precisar disputá-las. Eram eleições gerais, as maiores e mais abrangentes desde 1960, quando Jânio Quadros derrotou o marechal Henrique Lott na disputa pela presidência, a última antes do Golpe de 1964. Agora nesta, de 1982, o mais importante cargo da nação, a presidência da República, não estava em jogo, no entanto todos os demais cargos – de vereador a governador de Estado – seriam renovados naquele ano. Fernando Henrique havia estreado nas urnas quatro anos antes, no pleito de 1978. Apurados os resultados, ele sairia, ao mesmo tempo, derrotado e vitorioso. Derrotado por não ter sido o mais votado, perdendo assim a vaga de senador pelo estado de São Paulo para seu correligionário, Franco Montoro. Vitorioso, porque receberia naquela eleição mais de 1,2 milhão de votos, um número expressivo que legitimava sua já longa trajetória política, colocava-o como sucessor imediato de Montoro e o transformava num nome de primeira linha de seu partido, o MDB. Naquele pleito, Fernando Henrique construiria um leque de apoios que uniria a ala esquerda do MDB, setores universitários (aí incluídos alunos e professores), intelectuais e artistas, como Chico Buarque, além de representantes do novo sindicalismo que despontava.

Reunião com o governador de São Paulo, Franco Montoro; São Paulo (SP), 1983; foto: Sonia Morgenstern Russo

Até então Fernando Henrique Cardoso se destacara como importante intelectual. Professor de Ciência Política da USP, aposentado compulsoriamente em 1969, Fernando Henrique, já no ano seguinte, assumiria como pesquisador e diretor do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), onde chamou a atenção de líderes políticos como Ulysses, que o convidou para coordenar a elaboração da plataforma eleitoral do MDB a partir de 1974.

Um ano antes, o então único partido de oposição à ditadura lançara-se numa aventura ousada: a anticandidatura. Resultado da insatisfação parlamentar, sintonizada com a voz rouca das ruas, a anticandidatura nascera no Congresso nas alas mais à esquerda do MDB. Seu símbolo foi o paulista Ulysses Guimarães, já então um expressivo deputado e presidente nacional do partido. A Ulysses associou-se Barbosa Lima Sobrinho, ex-governador de Pernambuco, jornalista e presidente da Associação Brasileira de Imprensa. Os dois ignoraram os conchavos militares e a candidatura oficial e foram fazer campanha num campo democrático onde seus adversários jamais teriam sucesso: nas ruas. A estratégia deu certo, não a curto prazo. Como era previsto, a anticandidatura foi fragorosamente derrotada no Colégio Eleitoral (400 votos a 76) mas a semente germinada pelos candidatos emedebistas daria frutos pouco mais de um ano depois. Nas eleições de novembro de 1974, o MDB sairia com uma musculatura invejável. Só para senador, então o principal cargo majoritário que podia ser disputado, o MDB foi vitorioso em 16 dos 22 estados brasileiros, aí incluídos os eleitoralmente mais representativos como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul.

Convenção do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), São Paulo (SP), 20/11/1983;
FHC, Rubens Lara e Waldemar Chubaci (atrás de FHC); autoria desconhecida

Fernando Henrique começava a partir de então a circular com desenvoltura pelo cenário político, organizando debates e seminários por todo o Brasil, conversando com parlamentares e atuando de forma decisiva nas lutas embrionárias pela anistia, pela volta dos exilados e pelo pluripartidarismo. Já como suplente, estaria ao lado de Ulysses, Montoro, Tancredo, Teotônio Vilela na formação do PMDB, partido que chegaria como franco (perdoem-me o trocadilho) às eleições estaduais de São Paulo.

– Leia aqui o discurso “Considerações sobre a situação do país” – proferido pelo senador Fernando Henrique Cardoso em 27 de abril de 1983

Com a confirmação da vitória de Montoro – ao lado da consagração de novos governadores eleitos, nomes representativos da oposição como Leonel Brizola, José Richa, Íris Rezende e Tancredo Neves – Fernando Henrique poderia estrear no parlamento. Em seu primeiro discurso, um longo relato de 19 páginas, o novo senador faria uma avaliação detalhada e precisa tanto da sua trajetória pessoal quanto da situação política do país. Lembraria seus primeiros movimentos (“Ulysses Guimarães foi a pessoa que me foi buscar, lá onde eu trabalhava humildemente, quase escondido, em épocas muito duras, no CEBRAP, para dizer que havia alguma coisa que permitia um encontro entre o intelectual e o político”) e encerrava sua fala com uma previsão otimista (“A fé no Brasil, a fé no povo, e a fé de que, mesmo naqueles dias mais duros havia a possibilidade de uma vitória. Vitória que tivemos, vitória que compartilhamos desde então e que continuará até que um dia possamos transformar em realidade o que pregamos”).

Começava assim a caminhada que 12 anos depois o levaria à presidência.

Este texto faz parte da série “FHC: Ação Política”. Por meio de textos, fotos, vídeos e documentos do Acervo da Fundação FHC, abordamos momentos e fatos marcantes da trajetória política e intelectual de Fernando Henrique Cardoso.

Márcio Pinheiro é jornalista com passagens pelo O Estado de S. Paulo, JB e Zero Hora. Autor do livro Rato de Redação – Sig e A História do Pasquim.