A exploração na Foz do Rio Amazonas e o futuro do petróleo no Brasil
Nossos convidados para este webinar foram Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, e Roberto Furian Ardenghy, CEO do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás.
A autorização para a Petrobras realizar pesquisas para a exploração de petróleo em uma região próxima à Foz do Rio Amazonas, no Oceano Atlântico, só deve ser eventualmente concedida após a realização de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), conforme previsto na legislação ambiental brasileira desde 2012, afirmou a advogada e ambientalista Suely Araújo, que presidiu o Ibama de 2016 a 2018, neste webinar realizado pela Fundação FHC.
Segundo Araújo, o governo federal cometeu um equívoco ao realizar, em 2013, os leilões de diversos blocos da chamada Margem Equatorial, sem antes ter realizado uma avaliação ambiental de toda essa vasta região do Oceano Atlântico que vai do litoral do Rio Grande do Norte ao litoral do Amapá: “Se o estudo tivesse sido feito antes da oferta pública dos blocos exploratórios, toda essa polêmica atual teria sido evitada.”
“O licenciamento ambiental é o mais importante instrumento de prevenção de danos ambientais, se tirarmos o componente técnico, corremos o risco de provocar sérios acidentes. Portanto, a decisão de autorizar ou não as pesquisas na Foz do Amazonas cabe apenas ao presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, com base em critérios técnicos. Não deve haver nenhuma interferência de caráter político, seja por parte do presidente Lula, da ministra Marina Silva (Meio Ambiente) ou dos políticos da região”, disse a especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
“O Estado brasileiro vendeu os blocos e recebeu vultosos recursos por eles, aí vem outro órgão governamental e impede as pesquisas. Como fica a situação das empresas que compraram os direitos? Como fica a credibilidade do governo?”, perguntou Roberto Furian Ardenghy, CEO do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP). Em maio deste ano, o Ibama rejeitou o pedido de licenciamento do bloco 59 – apresentado pela Petrobras, detentora dos direitos de exploração das supostas reservas existentes no local –, situado no Oceano Atlântico em frente ao Amapá, a cerca de 500 km da Foz do Amazonas.
Segundo Ardenghy, o fato de ainda não ter sido feita uma AAAS é responsabilidade do governo: “Não cabe à Petrobras ou à iniciativa privada realizar esse tipo de estudo.”
Em relação à região da Foz do Amazonas, Ardenghy salientou que o que está em debate no momento é a autorização para realizar pesquisas sobre o real potencial petrolífero da região, não para o início da exploração propriamente dita. “Pode ser que não se encontre petróleo lá. Agora, impedir que se faça uma pesquisa de campo, sonegando a informação de que talvez tenhamos uma bacia petrolífera importante na Margem Equatorial, creio que não é uma boa ideia”, disse.
Segundo o ex-chefe de gabinete da Presidência da Petrobras, a empresa tem reconhecida experiência de exploração petrolífera no mar e todas as condições de levar a cabo as pesquisas na Foz do Amazonas com segurança e responsabilidade ambiental: “Todo dia a Petrobras produz milhões de barris de petróleo nas bacias de Campos (nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo) e de Santos (Rio de Janeiro e São Paulo). São áreas de extrema sensibilidade ambiental e muito populosas. Não há histórico de acidentes graves. A atividade petrolífera offshore brasileira é segura e muito exitosa.”
“Em 2018, quando presidia o Ibama, eu rejeitei cinco pedidos de perfuração de blocos muito próximos ao bloco 59. Não houve esse nível de reação. A Foz do Amazonas é uma área rica em biodiversidade, pouco estudada, com correntes marítimas muito fortes. No pedido de licenciamento apresentado pela Petrobras, há pouca informação sobre a viabilidade de se controlar rapidamente um eventual acidente na região”, argumentou Aguiar.
A ambientalista propôs a suspensão dos processos de licenciamento em toda a Margem Equatorial, até que seja feita a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS). “Se o governo federal destinar os recursos humanos, logísticos, tecnológicos e financeiros necessários, esse estudo pode ser feito em até dois anos. É fundamental ter uma visão ampla e profunda dos impactos ambientais, e também sociais, antes de tomar qualquer decisão de explorar o potencial petrolífero dessa ampla região marítima no norte do Brasil”, disse.
Futuro do petróleo no Brasil deve ser discutido por toda a sociedade
Em sua fala inicial, Suely Araújo fez questão de distinguir a questão dos licenciamentos na Foz do Amazonas de um debate mais amplo sobre o futuro da exploração de petróleo no Brasil e sobre a política energética mais adequada ao país no século 21. “Desde 2007, o Ibama já concedeu mais de 2.100 autorizações de perfurações offshore, tendo como base critérios técnicos, após uma análise meticulosa caso a caso. Mas não cabe ao Ibama tomar decisões sobre política energética. Temos que debater o modelo energético brasileiro com todos os setores da sociedade, de forma transparente e cuidadosa”, explicou.
A ex-presidente do Ibama lembrou que o mundo vive uma urgência climática e, de acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas), para que o aumento da temperatura já em curso se limite a 1,5ºC, será preciso reduzir as emissões globais de gases do efeito estufa em 43% até 2030. “O Brasil reúne características que colocam o país em condições de ser um líder mundial nesse processo de transição energética e controle da crise climática. Com uma matriz elétrica privilegiada, pode se tornar, até 2045, a primeira ‘economia carbono negativo’ do planeta”, disse.
“A quantidade de barris retirados do subsolo deve ser a mínima necessária, seja para consumo interno ou para exportação. É fundamental que em sua matriz energética o país privilegie outras formas de energia”, disse Suely Araújo.
“Qual é o modelo de país que nós queremos? Precisamos realmente desse petróleo da Margem Equatorial, seja para consumo interno ou para exportação? Devemos construir um desenvolvimento econômico com base na exportação de combustíveis fósseis em pleno século do aquecimento global? Ou devemos priorizar os investimentos verdes e projetos energéticos a partir de fontes não fósseis?”, disse Araújo.
“Não estou sugerindo a eliminação da produção de petróleo no Brasil, mas a quantidade de barris retirados do subsolo deve ser a mínima necessária, seja para consumo interno ou para exportação. É fundamental que em sua matriz energética o país privilegie outras formas de energia. Esta ideia é coerente com as promessas de campanha do presidente Lula, ao colocar a questão climática no centro das preocupações do governo, e com a nomeação da ministra Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente.”
Brasil tem o maior programa de captura de carbono na área de petróleo e gás
“Em vez de transição energética, preferimos falar em convergência energética, em que as diversas fontes de energia disponíveis são combinadas de maneira a produzir o mínimo de emissão de gases do efeito estufa”, disse Roberto Ardenghy, que salientou que toda produção energética tem algum impacto econômico e ambiental.
Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás, o Brasil hoje tem “o maior programa de captura de carbono do mundo na área de petróleo e gás”, justamente na área do pré-sal, cuja exploração emite apenas ⅓ de gás carbônico na atmosfera em relação à média mundial. “Desde que começou a exploração na região petrolífera do pré-sal, a Petrobras tomou a decisão de injetar todo o CO2 que é liberado no processo de produção de volta à reserva no fundo do oceano”, disse.
“Responsáveis atualmente por cerca de 80% da energia consumida no mundo, os combustíveis fósseis (que incluem o petróleo e seus derivados, o carvão mineral e o gás natural) continuarão a ter importância na economia mundial nas próximas décadas. A vantagem do Brasil é que temos capacidade de entregar energia de base fóssil, mas com uma importante pegada de descarbonização, como já temos feito na Bacia de Santos”, continuou.
Ardenghy lembrou que o governo Biden, conhecido por seu comprometimento com o meio ambiente, autorizou a exploração de petróleo no Alasca e a Noruega também autorizou um importante projeto de petróleo e gás no Mar do Norte. “Preocupados em manter a oferta energética em um momento em que sua produção entra em declínio, esses países estão reagindo e se reposicionando como importantes produtores mundiais de petróleo e gás. Por que seria diferente no Brasil? Não podemos deixar essa imensa riqueza que temos embaixo da terra”, disse.
O executivo lembrou que a Petrobras já produz petróleo e gás na Floresta Amazônica há várias décadas de forma eficaz, responsável e barata, dando como exemplo o projeto Urucu, no município de Coari, a 650 km de Manaus: “Oitenta por cento da energia de Manaus vem do gás natural extraído da bacia do Solimões. Se não tivéssemos essa fonte de energia, os habitantes de Manaus estariam queimando óleo diesel, que é muito mais poluente do que o gás natural.”
Segundo o palestrante, cerca de 70% do petróleo produzido hoje no Brasil vem da região do pré-sal, mas a partir de 2029 a produção na Bacia de Santos atingirá o estágio de amadurecimento e, depois, começará a cair. “Temos que pensar na reposição das reservas que exploramos atualmente por novas reservas a serem exploradas, de maneira a garantir a segurança energética do país. O Brasil pode e deve continuar a produzir petróleo e gás com uma forte pegada de carbonização”, afirmou.
“Na nossa visão, devemos trabalhar com o conceito de empilhamento de energias, em que as energias de base fóssil e as energias renováveis, incluindo a eólica, a solar, a de biomassa e o hidrogênio verde, se somam e se combinam para garantir uma matriz energética sólida, consistente e sustentável”, concluiu.
Suely Araújo concordou que a Petrobras tem um histórico de produzir petróleo e gás com um nível de emissões inferior ao de outros países, mas lembrou que, no final das contas, o petróleo vai queimar e emitir gás carbônico na atmosfera, contribuindo para o aquecimento global. “Mesmo reduzindo o impacto das emissões no processo de extração, produção e transporte, o que causa emissão é petróleo queimando no Brasil e no mundo. Diante da gravidade da crise climática, é fundamental reduzir nossa dependência de combustíveis fósseis e o Brasil é um dos países em melhores condições de fazer isso imediatamente”, disse.
Segundo a ambientalista, optar pela expansão da produção de petróleo, agregando a Margem Equatorial às demais regiões petrolíferas já em produção, seria um “suicídio ambiental e climático”.
Assista ao vídeo do debate na íntegra.
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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.