Tensões no Leste da Ásia: Como o Japão está lidando com a China e a Rússia?
Neste webinar, promovido pela Fundação FHC e pela Japan House São Paulo, conversamos com o professor Narushige Michishita, renomado especialista japonês em política externa.
Entre 2012 e 2021, o orçamento militar da China aumentou mais de 70% e a nova superpotência busca consolidar o controle sobre o Mar da China Oriental e Meridional, com o objetivo de dificultar que os Estados Unidos intervenham caso Pequim deflagre uma ação militar para reintegrar Taiwan ao território continental. No mesmo período, os gastos militares norte-americanos caíram 6%.
Para se contrapor ao crescente domínio chinês em águas compartilhadas entre os dois países, o Japão avalia mudar sua estratégia militar focada sobretudo na defesa do arquipélago japonês, para ser capaz de efetivamente atuar ao lado dos EUA no caso de uma ação militar chinesa contra Taiwan.
“Mesmo que os Estados Unidos e o Japão trabalhem juntos no sentido de se contrapor ao crescente poderio chinês nesta região sensível do Oceano Pacífico, será muito difícil competir com a China no futuro”, disse o professor Narushige Michishita, do National Graduate Institute for Policy Studies (GRIPS), em Tóquio, neste webinar realizado em parceria com a Japan House.
Neste mês de janeiro de 2023, o premiê japonês Fumio Kishida viajou a Washington para encontros com o presidente Joe Biden. Ambos reiteraram serem favoráveis a uma solução negociada para a questão de Taiwan, mas se mostraram dispostos a agir conjuntamente caso Pequim opte pela unificação forçada do arquipélago a seu território.
“As atividades militares chinesas em torno de Taiwan estão aumentando significativamente nas águas e nos ares, e Pequim possui hoje centenas de mísseis de médio e longo alcance que podem atingir tanto porta-aviões e bases norte-americanas como o próprio Japão”, disse o especialista em política externa japonesa e assuntos relacionados à segurança no Leste Asiático, incluindo o conflito na Península Coreana.
A mudança de uma estratégia militar exclusivamente de defesa — estabelecida após a derrota dos japoneses na Segunda Guerra Mundial, em 1945 — para uma estratégia também de ataque, se necessário, está provocando debates internos no Japão e exigiria um robusto aumento dos gastos militares do país, já bastante endividado devido a uma desaceleração econômica que já dura décadas.
Segundo reportagem publicada pela Kyodo News, em dezembro de 2022 o Japão decidiu quase dobrar seus gastos militares nos próximos cinco anos e adquirir capacidades de ataque, diante das crescentes ameaças militares representadas por vizinhos como a China e a Coréia do Norte, nova potência nuclear.
Segundo o palestrante, a China tem adotado uma “tática de fatiar salame” na região do arquipélago Senkaku, próximo a Taiwan e controlado pelo Japão, mas que Pequim reivindica como parte de seu território e chama de Diaoyu. “Mesmo sem ameaçar diretamente as ilhas, ao invadir constantemente as águas territoriais em torno delas, a China busca forçar os limites de sua presença no Mar da China Oriental e, dentro de dez ou 20 anos, poderá colocar em xeque a soberania japonesa sobre aquele arquipélago”, explicou.
Japão quer ampliar sua capacidade de ataque
De acordo com o prof. Michishita, Tóquio está atuando em três direções para tentar se contrapor ao crescente domínio de Pequim no Leste Asiático:
- Incremento da capacidade militar das Forças Armadas do Japão – Focadas nas últimas sete décadas (desde a rendição japonesa em 1945) exclusivamente na defesa do arquipélago japonês, as Forças Armadas devem ampliar sua capacidade de ataque, com o objetivo de preservar o equilíbrio de forças no Estreito de Taiwan.
- Fortalecimento da aliança estratégico-militar com Washington – “Desde 2015, Japão e EUA estão revisando as diretrizes da aliança estratégica entre os dois países e hoje nossas forças armadas compartilham os mesmos objetivos, missões e capacidades no Leste Asiático”, salientou Michishita.
Incremento das parcerias militares com outros países da Ásia e do Pacífico – Tóquio busca incrementar a cooperação estratégico-militar com outros países importantes da Ásia e do Pacífico como a Índia e a Austrália, assim como as Filipinas, o Vietnã e o Sri Lanka. “Podemos não ser capazes de superar o crescente poderio militar chinês, mas, ao atrair outros países para esta coalizão, visamos manter o balanço de poder na região”, disse.
Coreia do Norte pode realizar ação militar limitada contra Coreia do Sul
A recém-adquirida capacidade nuclear da Coreia do Norte é digna de credibilidade e pode levar o regime de Pyongyang a arriscar uma ação militar limitada contra Seul por acreditar que sairia impune e poderia até mesmo se beneficiar de concessões econômicas por parte dos Estados Unidos, nas negociações para encerrar o conflito.
“Não tememos um ataque norte-coreano de grandes proporções, mas Pyongyang pode usar sua capacidade nuclear para provocar Seul e forçar um acordo com Washington que inclua, por exemplo, um pacote de ajuda econômica”, disse o autor do livro “Japan’s Role; and North Korea’s Military-Diplomatic Campaigns, 1966-2008”.
Segundo o palestrante, assim como o Japão, a Coreia do Sul deve aumentar seus gastos militares para assumir maior responsabilidade na manutenção do equilíbrio de forças na região: “Antes, o foco principal da aliança entre os EUA e o Japão era evitar um conflito militar na Península Coreana. Mas, com o fortalecimento militar da China na última década, temos que olhar com atenção para o teatro de operações em torno de Taiwan. Se a Coreia do Sul fizer um bom trabalho para melhorar sua capacidade de defesa, ajudará os EUA e o Japão a concentrar suas forças na segurança do Estreito de Taiwan.”
Em 12 de janeiro, o presidente Yoon Suk-yeol, da Coreia do Sul, disse pela primeira vez que, se a ameaça nuclear da Coreia do Norte crescer, a Coreia do Sul consideraria construir suas próprias armas nucleares ou pedir aos Estados Unidos que as reimplantassem na Península Coreana. Em 1991, Washington removeu armas nucleares do território sul-coreano como parte de um programa de redução de seu arsenal nuclear.
“É possível que o problema piore e nosso país introduza armas nucleares táticas ou as construa por conta própria”, disse Yoon, segundo reportagem publicada pelo jornal The New York Times. “Se for esse o caso, podemos ter nossas próprias armas nucleares muito rapidamente, dadas nossas capacidades científicas e tecnológicas.”
Invasão da Ucrânia leva a fracasso de aproximação entre Japão e Rússia
Durante os dois períodos em que governou o Japão (entre 2006 e 2007 e de 2012 a 2020), o ex-premiê Shinzo Abe — morto a tiros com uma arma caseira quando fazia campanha em Nara em julho de 2022 — estabeleceu como prioridade o desenvolvimento de uma relação estratégica com a vizinha Rússia.
“Shinzo Abe e Vladimir Putin se reuniram 27 vezes e concordaram em desenvolver juntos um projeto de cooperação econômica e industrial que poderia trazer benefícios a ambos os países. O Japão garantiria uma fonte de energia alternativa ao petróleo importado do Oriente Médio, e a Rússia receberia investimentos para modernizar sua indústria”, disse Michishita.
Além disso, uma boa relação entre Moscou e Tóquio poderia ajudar a conter as ambições hegemônicas de Pequim no Leste Asiático. Mas a decisão de Putin de invadir a Ucrânia em fevereiro de 2022 levou ao fracasso desse esforço de aproximação.
“Sabíamos que Putin não era uma boa pessoa, mas imaginávamos que fosse um líder que calculasse bem as coisas. Ao invadir a Ucrânia, optou por levar a Rússia e o mundo de volta ao passado”, afirmou o professor japonês, que também demonstrou preocupação com o crescente poder interno do presidente chinês, Xi Jinping.
“Por não estarem submetidos a questionamentos internos, ditadores podem cometer graves erros, com consequências tanto para sua população como para outras nações. Isto vale para Xi Jinping, que está se tornando cada vez mais ditatorial. É uma situação bastante perigosa”, concluiu.
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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.