Relações entre EUA e China: a perspectiva do Japão
A crescente rivalidade entre os Estados Unidos e a China, nova superpotência mundial, coloca o Japão em uma posição delicada.
A crescente rivalidade entre os Estados Unidos e a China, nova superpotência mundial, coloca o Japão em uma posição delicada: “Alguns afirmam que deveríamos comemorar uma atitude mais dura de Washington em relação a Pequim. É um equívoco. Os EUA são nosso maior aliado desde o fim da Segunda Guerra Mundial, mas a China é nossa vizinha e uma fonte de crescimento importante para a economia japonesa”, disse Ryo Sahashi, professor associado de Relações Internacionais no Instituto de Estudos Avançados da Ásia (Universidade de Tóquio), em webinar realizado pela Fundação FHC e pelo CEBRI.
O evento, realizado virtualmente no início de dezembro, teve a participação do ex-embaixador em Pequim e Tóquio, Luiz Augusto de Castro Neves, atualmente presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) e vice-presidente emérito do CEBRI.
“É claro que temos divergências com Pequim, relacionadas a disputas territoriais e diferentes visões sobre a história, e estamos bastante preocupados com questões mais recentes ligadas à segurança marítima e cibernética, mas isso de maneira alguma quer dizer que tenhamos a intenção de rebaixar nossa relação com a China. Na realidade, trata-se do oposto. Estamos focados em melhorar o diálogo e trabalhar as diferenças em prol de objetivos comuns”, continuou o autor do livro “US-China Rivalry: A Shift of American Strategy and Divided Worlds” (Tóquio: Chuko, 2021).
Apesar do tom conciliatório, o palestrante afirmou que Tóquio não deve silenciar diante de abusos aos direitos humanos e violações às regras internacionais de comércio, propriedade intelectual e tecnológica, frequentemente atribuídas ao regime de Pequim. “O principal objetivo geopolítico do Japão é a estabilidade da ordem internacional, pois somos uma potência econômica estabelecida, mas se pensarmos apenas nos nossos interesses imediatos não teremos estabilidade no futuro.”
Ryo Sahashi — membro do Painel Consultivo sobre Diplomacia de Ciência e Tecnologia no Ministério de Relações Exteriores do Japão — defendeu que o Japão seja firme na defesa de valores e princípios considerados universais, como os direitos humanos, assim como do sistema monetário e das regras de comércio estabelecidas por organizações internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).
“As negociações multilaterais, baseadas em princípios e regras sólidas, são o caminho para resolver as complexas questões relacionadas à ascensão da China como nova superpotência mundial e outros temas relevantes para o mundo no século 21”, disse.
Além da aposta no multilateralismo, Sahashi defendeu os grandes acordos comerciais, como o Tratado de Parceria Transpacífico, e a aproximação com países importantes em suas respectivas regiões, entre eles o Brasil, para reforçar a ordem internacional. “Por estarmos no coração do Leste Asiático, o Japão está na linha de frente da confrontação sino-americana, mas essa rivalidade vai durar várias décadas e é um problema para todos os países. Por isso, é importante nos unirmos a outras nações relevantes, como o Brasil e a Índia, para defendermos valores universais e interesses comuns.”
Por fim, o professor japonês alertou contra soluções militaristas para resolver as divergências entre os Estados Unidos e a China no Leste Asiático. “É preocupante que setores importantes da sociedade norte-americana defendam o caminho militarista para conter a China. Se os Estados Unidos privilegiarem a visão militarista, mais cedo ou mais tarde sua presença no Leste Asiático será comprometida”, afirmou.
Mundo vive acelerada transição com emergência da China
“A principal característica da ordem internacional hoje é a instabilidade”, salientou o embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, ao comentar a fala inicial do professor Ryo Sahashi. “Vivemos um período de acelerada transição para um mundo que será totalmente diferente daquele que conhecemos desde o final da Segunda Guerra Mundial. Os valores americanos, ou anglosaxões, que prevaleceram durante toda a segunda metade do século 21, já não terão validade universal”, disse.
Para o diplomata, que chefiou as embaixadas do Brasil na China (2004-2008) e no Japão (2008-2010), a emergência da China como segunda economia mundial inevitavelmente resultará em uma reformulação da ordem internacional. “O que queremos para o futuro próximo?”, perguntou.
Segundo Castro Neves, o regime chinês está empenhado em estabelecer uma nova doutrina no continente asiático: “A Ásia para os asiáticos. Para Pequim, a solução para os problemas do Leste Asiático, como a divisão na Península Coreana e as disputas territoriais no Pacífico, devem vir dos próprios países da região, o que coloca em xeque a presença norte-americana nesta importante parte do mundo”, afirmou o embaixador.
“O que os países do Leste Asiático decidirão entre eles? Vão continuar divididos, abrindo espaço para a influência de países não-asiáticos, sobretudo os Estados Unidos, como ocorreu no século 20, ou vão assumir a dianteira na solução de suas divergências regionais?”, disse.
Para o embaixador brasileiro, a presença norte-americana no Leste Asiático será fortemente afetada caso a China e o Japão tenham êxito em estabelecer uma maior cooperação política e econômica. “Para os Estados Unidos, o eventual estabelecimento de uma paz duradoura entre Pequim e Tóquio representa um grande desafio geopolítico e econômico. Para evitar ficar isolado, Washington está tentando fortalecer alianças com outros países importantes da Ásia e do Pacífico, como a Índia, a Austrália e o próprio Japão”, explicou.
“Existe espaço para países não-asiáticos no futuro do Leste Asiático? Esta é sem dúvida uma pergunta provocadora, para a qual eu não tenho resposta”, disse Ryo Sahashi, após os comentários de Castro Neves. O palestrante japonês reiterou que a solução para os complexos desafios resultantes do novo balanço de poder geopolítico na Ásia e no mundo está nas negociações multilaterais, de forma pacífica. “O uso da força definitivamente não é a resposta adequada”, concluiu.
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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.