Combate à corrupção: Brasil deixa de ser exemplo e fica mais distante da OCDE
Neste webinar, promovido pela Fundação FHC e pela Transparência Internacional Brasil, conversamos com grandes especialistas internacionais da área.
Há apenas 4 anos, o Brasil era visto no exterior como um exemplo de país em desenvolvimento comprometido com o combate à corrupção. Hoje a percepção é a de que não existe mais um esforço nacional nesse sentido. Além disso, as diversas instituições envolvidas na luta contra a corrupção deixaram de trabalhar de forma integrada e com o mesmo objetivo.
“Estamos muito preocupados com o que está acontecendo no Brasil, que era um típico caso de país com altos níveis de corrupção e que, na última década, surpreendeu positivamente ao se mostrar capaz de combater a corrupção, tanto doméstica como transnacional, por meio de avanços na legislação, fortalecimento e cooperação entre as instituições”, disse Drago Kos, presidente do Grupo de Trabalho da OCDE sobre Suborno em Transações Comerciais Internacionais, neste webinar realizado pela Fundação FHC e pela Transparência Internacional Brasil.
“Atualmente vemos o esforço individual de apenas algumas pessoas e uma ou outra instituição, mas não existe mais um trabalho integrado e um esforço nacional, como ocorreu durante a Operação Lava Jato”, continuou. Segundo o palestrante, nascido na Eslovênia, a OCDE criou um subgrupo específico para acompanhar de perto a situação do país e a percepção é a de que “as condições para combater a corrupção no Brasil estão piorando, não melhorando”.
Reação à Lava Jato repete padrão de países onde houve operações anticorrupção
“Cresce no Brasil a percepção de que as autoridades que participaram da Lava Jato cometeram abusos, o que culminou com a decisão do Supremo de considerar parcial o juiz Sérgio Moro, principal nome da Operação, e levou à anulação de diversas sentenças. Qual é a sua visão sobre as críticas à Lava Jato?”, perguntou o cientista político Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC.
“A Lava Jato foi uma grande operação de combate à corrupção, que resultou na prisão e condenação de muitos políticos e empresários poderosos. O que aconteceu em seguida foi um típico caso de ‘o império contra-ataca’. Ou seja, aqueles acostumados a viver em um ambiente onde a corrupção corria solta reagem e buscam voltar ao padrão anterior. Isso aconteceu em muitos países, como a Itália e a Romênia, entre outros”, disse Kos.
“No meu grupo de trabalho na OCDE, acompanhamos atentamente tudo o que aconteceu no Brasil nos últimos anos, inclusive a divulgação dos diálogos entre juiz e promotores, que talvez não tenham seguido um alto padrão ético. Não há dúvida de que uma operação como a Lava Jato deve se ater 100% à lei, mas, até o momento, há muitas críticas e versões diferentes e tudo precisa ser bem investigado e analisado. Por enquanto, não vejo razões para afirmar que o trabalho como um todo foi errado e sem validade”, disse Kos.
O webinar “A luta contra a corrupção e a inserção internacional do Brasil” contou com a mediação da advogada brasileira Maíra Martini, especialista em política e pesquisa sobre fluxos financeiros ilícitos na Transparency International, e de Sergio Fausto.
Retrocesso na luta contra a corrupção deixa Brasil mais distante de entrar na OCDE
O refluxo do combate à corrupção afeta a imagem externa do Brasil e torna mais difícil sua entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), organização internacional formada por 38 países, a grande maioria desenvolvidos e alguns em desenvolvimento. Na América Latina, apenas México, Chile, Colômbia e Costa Rica integram o seleto grupo. O Brasil já manifestou interesse em aderir, inclusive durante o atual governo, em geral avesso à participação do país em organizações internacionais.
Kos explicou que a entrada de novos países na OCDE — atualmente, há seis candidatos: Brasil, Argentina, Peru, Romênia, Bulgária e Croácia — depende em grande medida de um sinal verde por parte do grupo de trabalho presidido por ele, cujo foco é garantir que os países-membros, e também os candidatos, atuem para implementar a Convenção da OCDE contra a Corrupção, criada em 1999 e diversas vezes revista desde então, com o objetivo de atualizá-la e torná-la mais efetiva.
“A decisão final sobre as candidaturas cabe ao comitê formado pelos países-membros e tem um componente político. Há casos de países com menos problemas do que o Brasil que foram barrados. E de países com mais problemas do que o Brasil que foram aceitos. Mas hoje eu diria que ainda vai levar alguns anos para o Brasil ser aceito na OCDE, pois os critérios técnicos estão ficando mais rígidos e o país está retrocedendo no combate à corrupção. Já temos países problemáticos em número suficiente, não precisamos de mais um”, afirmou.
Combate à corrupção exige independência e trabalho multidisciplinar
Segundo o investigador britânico Paul Farley, que exerce a função de case controller no Serious Fraud Office (Reino Unido), a independência em relação ao governo é uma das condições fundamentais para que um organismo de combate à corrupção consiga atingir seus objetivos.
“Criado em 1997 após uma série de fracassos no combate à corrupção, o SFO é um órgão supervisionado pelo Procurador Geral, mas que atua com total independência em relação ao governo britânico. Esta é uma condição essencial para a nossa performance”, explicou o palestrante, que atuou por 30 anos como policial na Cidade de Londres, 24 dos quais como detetive com especialização em crimes econômicos.
De acordo com Farley, a investigação de casos de fraude e corrupção exige o trabalho conjunto de um time multidisciplinar, como ocorreu nas forças-tarefas da Lava Jato. “É fundamental haver investigadores de polícia, contadores, analistas e advogados, todos trabalhando juntos e de maneira afinada. Somos cerca de cem profissionais na sede do órgão, no centro de Londres”, disse.
O SFO tem mais uma especificidade: é a única agência britânica de aplicação da lei com a atribuição tanto de investigar como de processar os responsáveis por crimes econômicos graves: “Investigadores e promotores precisam trabalhar a quatro mãos para garantir que as coisas sejam feitas do jeito certo desde o início.”
Também é fundamental a cooperação com órgãos de investigação de outros países. “Temos acordos bilaterais de cooperação com o Brasil, que foram colocados em prática em casos recentes envolvendo a Petrobrás, com bons resultados”, concluiu.
Nacionalismo é a principal ameaça atual à luta contra a corrupção
O fortalecimento de movimentos nacionalistas ao redor do mundo, e a chegada ao poder de líderes críticos ao multilateralismo em diversos países (entre eles o Brasil), representam a principal ameaça ao combate à corrupção a nível global atualmente. “Sob o argumento de que a soberania é a coisa mais importante de um país, os líderes nacionalistas, frequentemente com tendências autocratas, defendem a ideia de que ninguém de fora pode lhes dizer como combater a corrupção. Não é à toa que exatamente nesses países a corrupção está aumentando”, disse Drago Kos.
“O objetivo da OCDE não é interferir diretamente no combate à corrupção dentro dos países, mas definir alguns padrões internacionais que possam ajudá-los a aperfeiçoar seu arcabouço legal e o funcionamento de suas instituições. Também buscamos estimular os canais de cooperação entre as nações para combater a corrupção transnacional, um fenômeno que ganha proporções cada vez maiores.”
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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.