Debates
07 de outubro de 2021

O que esperar da COP26 em Glasgow?

Neste webinar, promovido pela Fundação FHC e pelo CEBRI, conversamos com Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, e Eduardo Viola, professor e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021, a COP26, que se realizará em Glasgow (Escócia) de 31 de outubro a 12 de novembro, será uma reunião “para implementar o Acordo de Paris (2015), não para substituí-lo”: “Se em Paris enfrentamos o negacionismo climático, agora teremos de combater o fatalismo climático”, disse Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente (2010-2016), nesta conversa com o professor Eduardo Viola (UnB), especialista em governança global e política internacional de mudança climática.

Sem endossar o fatalismo, ambos reconheceram que a meta de conter a elevação da temperatura em 1,5 Cº, fixada em Paris, já se mostra praticamente irrealizável. Relatório publicado pelo Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC), em agosto passado, mostra que a temperatura da terra já se elevou em 1,09% desde a Revolução Industrial, 0,29% a mais do que o indicado no relatório de 2013. Segundo o IPCC, a mudança climática vem se acelerando. No ritmo atual, o limiar de 1,5% seria ultrapassado em 2030.

Ainda assim, Teixeira disse estar “relativamente otimista porque o mundo está vivendo o rescaldo da pandemia e hoje entende melhor os impactos de uma crise global do que há alguns anos, o que dá um senso de urgência à questão climática”. A ex-ministra destacou aquelas que devem ser as questões críticas em Glasgow:

  • A progressividade em relação às INDCs, que são as metas que cada país signatário do Acordo de Paris se comprometeu a cumprir para mitigar o aquecimento global nos próximos anos e décadas, e que terão de se tornar mais ambiciosas tendo em vista a aceleração da mudança climática;
  • A implementação da promessa dos países desenvolvidos de  desembolsar US$100 bilhões anuais a partir de 2020 para os países em desenvolvimento executarem projetos de mitigação em relação à mudança climática. Assumida na COP15, em 2010, a promessa continua a gerar controvérsia, inclusive sobre os critérios para cálculo dos recursos a serem transferidos. Segundo a OCDE, as transferências dos países desenvolvidos com essa finalidade têm girado em torno de US$ 80 bilhões nos últimos anos, ao passo que a ONG Oxfam situa esses números abaixo dos US$ 20 bilhões anuais;

  • A regulamentação do mercado internacional de carbono, tema que ganhou impulso com a proposta da Alemanha de formar alianças voluntárias entre países dispostos a adotar regras comuns para emissões e comércio de carbono (o Brasil ainda não tem um mercado regulado de carbono);

  • A velocidade da interrupção do uso (phasing out) de fontes energéticas intensivas na emissão de gases de efeito estufa, como o carvão e o petróleo, ainda muito importantes para a indústria e o transporte;

  • A definição de uma agenda de adaptação dos países à mudança climática, que exigirá recursos em volume crescente à medida que a mitigação não produza os efeitos esperados. “A discussão sobre uma agenda de adaptação vem com força em Glasgow e exigirá recursos bem mais vultosos do que os US$ 100 bilhões prometidos em Copenhagen. É possível que a soma dos recursos necessários chegue a três vezes aquele valor”, disse Teixeira.;

Considerando o panorama traçado pela ex-ministra, Eduardo Viola fez comentários sobre as prováveis posições que assumirão os principais países na COP26.

“Podemos esperar o anúncio de metas mais ambiciosas por parte do Reino Unido, com redução de 60% das emissões de carbono até 2030 em relação ao ano-base de 1990, e da União Europeia, com redução de 55%. Os Estados Unidos devem vir com uma ‘meia ambição’, ao propor algo em torno de 50% a 52% de redução das emissões, mas em relação ao ano-base de 2000, o que representa um retrocesso ao que havia sido acordado em Paris”, explicou Eduardo Viola, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP e membro de vários comitês científicos nacionais e internacionais.

Segundo o especialista, mesmo com o democrata Joe Biden na Casa Branca, os EUA têm hoje um déficit de credibilidade devido à trajetória errática do país nos últimos anos, sobretudo durante o Governo Trump, e as dúvidas em relação ao comprometimento do Partido Republicano com a agenda ambiental e climática.

As metas de corte de emissões a serem anunciadas em Glasgow pela China são um enigma, disse Viola, pois, apesar de o país ser hoje um dos líderes mundiais em energia renovável, o consumo de carvão mineral pela nova potência asiática seguirá aumentando. Rússia, Índia e Brasil também devem decepcionar, com metas mitigantes aquém da necessidade e da urgência de reduzir o aquecimento global.

Viola alertou para a erosão das possibilidades de cooperação climática entre os EUA e a China, maiores emissores de gases de efeito estufa do planeta, devido à crescente rivalidade entre as duas potências. Em 2014, os presidentes Barack Obama e Xi Jinping anunciaram um acordo climático histórico, depois abandonado por Trump.

O professor da UnB chamou atenção também para os clubes climáticos que podem surgir em Glasgow: grupos de países que se comprometem com uma meta ambiciosa e, depois, tentam puxar os demais. Olaf Scholz, então ministro da economia da Alemanha, foi quem, em agosto passado, apresentou ao gabinete chefiado por Angela Merkel a proposta de promover alianças voluntárias entre países dispostos a adotar regras comuns nessa área. Scholz, do Partido Social-Democrata, vencedor das últimas eleições parlamentares alemãs, é o provável futuro primeiro-ministro do país, em aliança com o Partido Verde e os liberais.

“Desmatamento ilegal e uso da terra no Brasil estarão no centro das atenções mundiais”, disse Izabella Teixeira.

“O clima tem apenas dois lados: ou você faz parte do problema ou está do lado da solução. O Brasil, infelizmente, mudou de lado”, lembrou Izabella Teixeira. Segundo a ex-ministra do Meio Ambiente, o Brasil é hoje o quarto emissor mundial de gases do efeito estufa, sobretudo devido aos incêndios e desmatamentos na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado. “O desmatamento ilegal e o uso da terra pela agricultura e pelo setor florestal no Brasil estarão no centro das atenções mundiais”, disse.

De acordo com relatório recente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Brasil e o México foram os únicos países entre os membros do G-20 a retroceder na ambição das suas metas nos últimos cinco anos. No caso do Brasil, o retrocesso se deveu à mudança, em 2020, na base de cálculo para a redução dos gases de efeito estufa até 2025 (37%) e 2030 (43%). Com a elevação das emissões calculadas para 2005, o compromisso, em número absolutos, se reduziu.


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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.