Empreendedorismo negro: oportunidade ou subemprego?
Este debate, promovido pela Fundação FHC, Humanitas360 e Quebrando o Tabu, reuniu um time de especialistas que traz em sua vivência, estudos e militância as respostas para esta e outras perguntas.
“O ponto de partida é reconhecer que o empreendedorismo negro é estratégico para o desenvolvimento do país. Se o Brasil reconhecer esse enorme potencial e o transformar em leis, políticas e programas, sem dúvida nos tornaremos uma potência econômica, cultural e social”, disse a empresária Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta, maior evento de cultura e empreendedorismo da América Latina, na abertura deste webinar realizado pela Fundação FHC em parceria com o Humanitas360 e o Quebrando o Tabu.
“O erro histórico foi o de reduzir as favelas e a população negra, maioria nessas comunidades, a uma perspectiva de carência. Mas isso está mudando. Já nos viramos por conta própria há muito tempo, mas, quando falamos de favela hoje no Brasil, estamos falando de um lugar que está inovando, está criando, está se transformando”, afirmou o empresário Preto Zezé, presidente da Central Única das Favelas (CUFA).
“Um ecossistema econômico inclusivo, que inclua e dê poder de crédito a essa população historicamente excluída do processo financeiro, é chave para o futuro do Brasil. Isso se faz com políticas públicas, mas tão importante quanto é a participação das empresas”, disse o administrador de empresas Moisés Nascimento, CDO (chief data officer) do Itaú Unibanco.
Segundo pesquisa realizada em 2019 pela Preta Hub e pelo JP Morgan e o Plano OCDE, 51% dos empreendedores brasileiros são negros, a maioria mulheres. “O objetivo dessa pesquisa foi compreender o que é o empreendedorismo negro no Brasil. Do que estamos falando? Quem são essas pessoas negras que estão à frente de seus próprios negócios, grandes ou pequenos, formais ou informais? No que estão empreendendo, como e por quê? Essas informações, antes desconhecidas, são essenciais para subsidiar tanto as políticas públicas como as estratégias empresariais”, explicou Adriana, CEO da Preta Hub.
“Os negros e as negras empreendem por necessidade desde a Abolição, mas também empreendem por vocação. Mais recentemente, temos visto muitos jovens negros que saem das universidades pelo sistema de cotas fundarem suas próprias empresas, frequentemente com um olhar especial para o consumidor negro”, contou Adriana, escolhida pelo MIPAD, premiação mundial reconhecida pela ONU, como uma das 51 pessoas negras com menos de 40 anos mais influentes do mundo, em 2017.
“Atualmente sou jornalista e produtora, mas também já tive experiências como empreendedora. E sei como é difícil. Sei como dói fechar as portas de um negócio e ter que recomeçar do zero, cheia de dívidas. Então, quando alguém diz, vai, faz seu próprio negócio, vai que vai dar certo, eu me pergunto ‘vai dar certo para quem, cara pálida?’. Presidente Zezé, filho de dona Fátima, é preciso ver o empreendedorismo negro com mais pé no chão e realismo?”, perguntou Cris Guterres, apresentadora do Estação Livre na TV Cultura, convidada pelos organizadores para moderar o evento.
“É muito importante você dizer isso porque às vezes as pessoas têm a ideia de que ter seu próprio negócio é um passeio no parque. Empreender não é fácil, principalmente quando não se tem nenhuma proteção social, nenhuma garantia, como em geral acontece com a população negra. No Brasil, há R$ 1,7 trilhão circulando nas mãos da população negra, R$ 300 milhões em negócios tocados por empresários negros. Produzimos muita riqueza, mas usufruímos pouco dessa riqueza”, respondeu Preto Zezé.
Segundo o ex-lavador de carros nas ruas de Fortaleza, as empresas começam a perceber a capacidade de criação, inovação e gestão que existe nas favelas e algumas delas têm buscado se tornar “sócias da favela”. Como exemplo de iniciativas bem sucedidas, ele citou o projeto Favela Holding, que reúne empresas que atuam, ou planejam atuar, nas favelas, e a Favela Vai Voando, agência especializada em vender passagens e pacotes de viagem para a população que vive nessas comunidades.
“A Feira Preta — criada para mostrar e potencializar o diferencial do consumo da população negra, que é maioria no país — está completando 20 anos e está consolidada. Mas construir isso foi muito difícil e muitas mãos contribuíram. No Brasil, nós negros e negras não fomos educados com a ideia de que podemos acertar e errar, arriscar e começar de novo. Até hoje sinto medo, mas vai com medo mesmo. Uma dica é trabalhar em redes”, disse Adriana, que é consultora e integra o conselho de diversas empresas.
“Vendi laranja na feira, fui borracheiro, até conseguir entrar no mundo da tecnologia. Fui o primeiro da família a fazer curso superior e passei mais de 15 anos estudando fora do país. Quando saí do Brasil, quase não se discutia raça por aqui. Quando voltei, encontrei um país que começa a encarar essa questão de frente. Luto por um Brasil que seja inovador, competitivo, digital e que seja de todos os brasileiros”, disse Moisés, que, como alto executivo do Itaú, atua para aumentar a diversidade racial e de gênero em um dos principais bancos do país.
“Somos a segunda maior população negra do mundo, com uma história construída em cima de uma perversidade e uma injustiça. Mas, mesmo com o genocídio que sofremos durante muitos séculos e toda a discriminação que ainda existe, seguimos presentes, fortes e lutando por uma vida melhor, mais digna e mais livre. Não vamos desistir de ocupar nosso lugar”, concluiu Adriana.
Saiba mais:
Confira os resultados da pesquisa Empreendedorismo negro no Brasil, realizado pela Preta Hub, pelo Plano OCDE e JP Morgan.
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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.