Debates
20 de outubro de 2020

O papel do setor privado na transição para uma economia de baixo carbono

Amcham e Fundação FHC se uniram aos principais especialistas e cases internacionais e nacionais, públicos e privados, em uma semana imersiva de discussões e compartilhamento de ações impactantes e inovadoras direcionadas à transição para uma economia de baixo carbono.

“Bem-vindos ao século 21, que começou de fato após a pandemia de Covid-19, e a um mundo onde a natureza e o meio ambiente terão papel central e serão domínio de todos, não apenas dos ambientalistas.” Com essa frase de impacto, a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira iniciou sua palestra no primeiro dia da Semana Transição para uma Economia de Baixo Carbono, promovida pela Fundação Fernando Henrique Cardoso e pela Amcham, com patrocínio da CMPC.

Durante quatro manhãs, 12 líderes empresariais, investidores e executivos do setor financeiro se encontraram online para apresentar as visões e as ações de suas empresas com o objetivo de reduzir suas respectivas pegadas de carbono e ajudar a construir um Brasil (e um mundo) mais sustentável.

“Perseguir uma agenda de sustentabilidade significa uma busca pela perenidade. O Brasil tem o maior ativo ambiental do planeta, especialistas de renome internacional e muito o que fazer em todas as esferas, incluindo governo, empresas e sociedade. O papel da Amcham é contribuir para aprofundar o debate e ampliar a diversidade de atores comprometidos com essa transição. Nesta semana, vamos conhecer casos reais e soluções aplicáveis em todo o país e no mundo”, disse Deborah Vieitas, CEO da Amcham, ao abrir o evento.

“A antecipação dos efeitos da mudança climática deu um sentido de urgência ao tema da sustentabilidade. As melhores empresas brasileiras entenderam que é do seu interesse e do interesse do país acelerar a transição para o baixo carbono. E que também pode ser um bom negócio”, afirmou Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC e co anfitrião do evento.

“Os próximos dez anos serão chave para fazermos a grande transformação de descarbonizar nossa sociedade. A iniciativa privada tem um papel essencial ao agir de forma efetiva para reduzir drasticamente as emissões de carbono de suas operações”, disse Marcelo Furtado, consultor na área de Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG) e um dos mediadores do evento.

Responsabilidade ambiental e social andam juntas

O tema do primeiro dia foi “Remodelando as práticas dos negócios”, e os convidados foram os CEOs Daniela Manique, Marcelo Castelli e Renato Franklin, respectivamente presidentes da Rhodia, Votorantim Cimentos e Movida. Izabella Teixeira, uma das maiores especialistas brasileiras no assunto, fez a keynote speech.

“Não dá para viver sem cimento e concreto, que produz infraestrutura, teto e conforto. Com o crescimento populacional do planeta, e o déficit habitacional e de saneamento ainda existente em diversos países, tudo leva a crer que haverá cada vez mais demanda por esse material. Daí a necessidade de fazer um produto mais sustentável, por meio do uso de energias renováveis, trabalhando com carros elétricos e engajando toda a cadeia de valor”, disse Marcelo Castelli (Votorantim). A empresa tem como compromisso reduzir em 2030 suas emissões ao nível de 1990: “Ainda somos emissores de carbono, mas já reduzimos nossas emissões em 35%.”

A Rhodia pretende se tornar neutra em emissões de carbono até 2025: “Já reduzimos nossa pegada em 96%, mas os 4% restantes são os mais difíceis”, disse Daniela Manique, para quem apenas as empresas de fato comprometidas com a sustentabilidade continuarão no mercado a médio prazo. A CEO da Rhodia destacou o sucesso de uma nova linha de solventes veganos 100% produzida no Brasil, com 85% da produção exportada.

Renato Franklin, CEO da Movida, locadora de veículos voltada para a classe C e com filiais em todo o país, relatou que 10% do bônus anual distribuído pela empresa a seus funcionários está vinculado ao cumprimento de metas ambientais.

Os três executivos destacaram a importância da responsabilidade social ao lado da ambiental. “Sustentabilidade e coesão social são partes indissociáveis de nosso negócio. A indústria tem que assumir um papel de advocacy e influencer em ambas as áreas”, afirmou Manique.

Castelli e Franklin relataram uma mudança recente em suas políticas de recursos humanos no sentido de contratar mais jovens fora dos grandes centros urbanos e vindos de escolas e universidades menos conhecidas. “Mais importante do que uma formação de elite é a identificação com a empresa e o compromisso de aproveitar o estágio ou o emprego como uma grande oportunidade de vida”, disse o presidente da Votorantim. “O maior gargalo é gente e não adianta procurar jovens profissionais nos lugares de sempre. Por isso estamos fazendo parcerias com universidades do interior do país. Isso também é ser sustentável”, contou o líder da Movida.

Três crises simultâneas

“O planeta Terra vive três crises globais simultaneamente: a ameaça climática, a redução da biodiversidade e o excesso de poluição. É urgente abandonarmos o modelo produtivo linear e mergulhar na economia circular”, defendeu Izabella Teixeira. “A responsabilidade é tripartite: dos formuladores de políticas (parlamentares, governantes e funcionários públicos); das lideranças empresariais e dos consumidores”, disse a ex-ministra, que como representante do Brasil teve papel fundamental nas negociações que resultaram no Acordo de Paris (2015).

Teixeira saudou o fato de o novo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU) incluir uma variável ambiental, o que, segundo ela, dá ao meio ambiente uma centralidade no debate sobre o que é qualidade de vida no século 21. 

Teixeira lembrou que, como ministra do Meio Ambiente, percorreu o país para conhecer diversas realidades, ouvir as partes envolvidas e, passo a passo, ajudar a construir um consenso que levou à aprovação do Código Florestal pelo Congresso Nacional. “Na época, muitos criticaram, mas foi o acordo possível. Oito anos depois todo mundo concorda que o Código deve ser implementado, olhando para a frente, e não pelo retrovisor”, disse.

“O momento é de agir com responsabilidade e olhar estratégico para a natureza, e não com base em paranoias que não se sustentam nem no passado, quanto mais no futuro. O Brasil tem tudo para ser protagonista nessa nova economia, mas não pode perder o timing da mudança. O setor privado pode ajudar muito não somente dando sua contribuição, mas ajudando a convencer os políticos a se alinhar definitivamente à causa ambiental. Liderança se dá pelo exemplo e pelo convencimento, não pela divergência”, concluiu a palestrante.

‘Carbono é o novo pré-sal’

“O Brasil tem uma oportunidade única de fazer uma nova inserção na geopolítica global tornando-se uma potência ambiental. Se zerarmos o desmatamento ilegal na Amazônia, podemos gerar US$ 10 bilhões anuais de créditos de carbono”, disse Walter Schalka, CEO da Suzano, a maior empresa do agronegócio brasileiro.

Segundo o executivo, a Suzano já é “carbono negativa” e a meta é de “sequestrar” 40 milhões de toneladas de carbono na década que se inicia, além de retirar 10 milhões de toneladas de plástico de sua cadeia produtiva no mesmo período.

Schalka e Rodrigo Santos, presidente da Bayer Crop Science na América Latina, participaram do segundo dia de conversas “Envolvendo a cadeia na solução: Clientes e Fornecedores”.

Rodrigo Santos (Bayer) destacou que avançar na criação de um mercado internacional de créditos de carbono é um dos principais desafios da COP 26 (26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), prevista para acontecer em Glasgow (Escócia) em 2021. “O carbono é o novo pré-sal para o Brasil e representa uma oportunidade para sermos uma potência tanto agrícola como ambiental”, afirmou.

Segundo o executivo, a multinacional Bayer assumiu o compromisso de ajudar 100 milhões de agricultores de pequena escala no mundo a adotar práticas sustentáveis com o objetivo de sequestrar carbono e vender esses créditos para o mundo. No Brasil, o projeto está sendo realizado em parceria com a Embrapa e deve beneficiar 400 agricultores em uma primeira fase. “A ideia é conectar esses pequenos agricultores a empresas da Europa, Ásia e América do Norte interessadas em comprar créditos de carbono”, explicou.

Marcelo Furtado, que mediou a conversa, mencionou a importância da transparência no mercado de compra e venda de carbono “para garantir que quem vai ofertar crédito não o venda duas vezes”. “É essencial garantir que esse novo mercado tenha uma certificação confiável para dar segurança para os compradores e os vendedores de carbono”, concordou Walter Schalka.

 ‘Mercosul e UE devem percorrer caminho juntos’

O terceiro dia de debates teve como tema “Empresas e Governo – um ciclo virtuoso” e contou com as participações de Ana Beatriz Martins, chefe de Delegação Adjunta da União Europeia no Brasil, Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo e presidente do Grupo Ibá e Maurício Harger, CEO da CMPC.

Ana Beatriz Martins iniciou sua apresentação dizendo que a União Europeia já estabeleceu o desafio de transformar as economias dos 27 países-membros em “carbono neutras” até 2050. “Nos próximos 5 anos investiremos mais de 1 bilhão de euros para apoiar essa transição em diversos setores. Até 2030 reduziremos as emissões de carbono em 55% e em 2050 chegaremos a 100%”, disse.

Segundo a diplomata, o acordo UE-Mercosul é um instrumento para aprofundar as relações econômicas e comerciais entre os dois blocos econômicos de forma sustentável: “Devemos percorrer esse caminho juntos”, defendeu. Anunciado em 2019, o acordo precisa ser ratificado pelos Parlamentos de todos os países envolvidos, processo que está paralisado devido às denúncias de aumento do desmatamento e queimadas na Amazônia brasileira. 

Paulo Hartung, com vasta experiência no setor público — já foi prefeito, governador, deputado federal e senador, e mais recentemente na iniciativa privada — lembrou que o Brasil vive uma “crise de imagem na questão ambiental, mas é possível corrigir os erros e retomar o caminho do compromisso com o meio ambiente”.

“Tropeçamos com o avanço de ilegalidades como o desmatamento e as queimadas, a grilagem e o garimpo ilegal. Mas nossa ambição, tanto do setor privado como dos governos, é de retomar a caminhada positiva das últimas décadas. Afinal, temos mais de 60% de nossas florestas preservadas e uma matriz energética limpa. É preciso olhar os problemas de frente, mas também reconhecer nossos pontos fortes”, disse Hartung (Grupo Ibá).

“A governança ambiental precisa de todos os elos da cadeia: União, Estados e municípios, Executivo, Judiciário e Legislativo, setor privado, instituições e sociedade civil. Assim como o governo federal, os governos estaduais não podem se omitir”, afirmou o ex-governador capixaba.

Maurício Harger (CMPC) propôs um esforço para restaurar 50 milhões de hectares de terras degradadas, por meio do plantio de árvores.

‘Millennials buscam investimento sustentável’ 

No quarto dia, o tema em discussão foi “ESG e Investimentos: Evolução do comportamento do consumidor e seus impactos”, com as participações de Carlos Takahashi, CEO da Blackrock, Marcelo Marangon, presidente do Citi Brasil, e Juca Andrade, vice-presidente da B3. ESG é uma sigla em inglês que significa Environmental, Social and Corporate Governance, os três fatores centrais na medição da sustentabilidade e do impacto social de um investimento. 

Presente em 98 países, o Citibank estabeleceu em 2015 a meta de destinar US$ 100 bilhões para o financiamento de iniciativas socioambientais e projetos de energia renovável nos dez anos seguintes: “Cumprimos a meta em menos de seis anos e já destinamos mais US$ 250 bilhões para os próximos cinco anos”, disse Marcelo Marangon.

Segundo o CEO do Citi, qualquer candidato a empréstimo precisa preencher um questionário sócio-ambiental detalhado e o banco analisa o impacto das operações do cliente antes de tomar uma decisão. “Temos o compromisso definitivo de reduzir o risco climático em nossa carteira de crédito”, explicou.

Segundo Carlos Takahashi, a Blackrock, maior gestora de ativos do mundo, investirá até US$ 1 trilhão em negócios sustentáveis até 2030. “Os investimentos ESG apresentam desempenho melhor e maior resiliência em momentos de crise. É um caminho sem retorno”, afirmou.

Para Juca Andrade, da B3 (bolsa oficial do Brasil, sediada em São Paulo), o perfil do investidor brasileiro está mudando rapidamente, inclusive da pessoa física, e a preocupação com a sustentabilidade é cada vez maior: “Mais de 80% dos investidores millennials já colocam o meio ambiente como questão central.”

 

Otávio Dias, jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. É editor de conteúdo da Fundação FHC.