Magalhães Teixeira (1937-1996), por seus amigos
“O Grama era o perfeito exemplo do que foi o político democrático daquela época. Ao falar dele, lembro-me também do Montoro. Ambos encarnavam o sonho de Brasil que em parte se concretizou, em parte não, mas que já estava lá plantado”, disse Fernando Henrique Cardoso.
“Quem ama não morre.”
A frase acima, umas das muitas cunhadas pelo ex-prefeito de Campinas José Roberto Magalhães Teixeira, foi lembrada com emoção por amigos, companheiros de lutas políticas e colaboradores durante homenagem realizada por ocasião dos 20 anos de seu falecimento pela Fundação Fernando Henrique Cardoso e o Centro Ruth Cardoso.
Durante o encontro, Magalhães Teixeira, cuja apelido era Grama, foi descrito de forma unânime como um homem sensível, conciliador e inteligente — que não gostava de fofoca, mas não perdia uma boa piada — e um político democrata e acessível, comprometido com as causas sociais e o desenvolvimento econômico, inovador em suas ideias, nos programas de governo e na gestão pública.
“O Grama era o perfeito exemplo do que foi o político democrático daquela época. Ao falar dele, lembro-me também do Montoro. Ambos encarnavam o sonho de Brasil que em parte se concretizou, em parte não, mas que já estava lá plantado”, disse Fernando Henrique Cardoso. “Seu sonho era juntar todos pelo bem da cidade. As ideias às quais ele deu forma e colocou em prática em Campinas são modernas até hoje.”
Magalhães Teixeira foi prefeito de Campinas entre 1983 e 1988, quando ocorreram os mandatos dos primeiros governadores eleitos pelo voto popular desde os anos 60 — entre eles, o paulista Franco Montoro (1916-1999) —, a campanha das Diretas Já e a eleição de Tancredo Neves à Presidência da República, que pôs fim ao regime militar. Voltou a ser prefeito entre 1993 e 1996, importante período de implantação da Constituição de 1988, que transferiu mais poderes e obrigações aos municípios e coincidiu com o início do governo FHC (1995-2002)
Entre 1990 e 92, foi deputado federal pelo PSDB, partido que ajudou a fundar com Mario Covas, Montoro, FHC e José Serra, entre outros. Morreu em 29 de fevereiro de 1996, com apenas 58 anos de idade.
“A vida oferece surpresas e um dia recebi a notícia de que o Grama estava muito doente. Eu era presidente e fui a Campinas. Encontrei um homem disposto, embora estivesse em seus últimos dias de vida. Ele marcou profundamente Campinas porque foi sincero em sua pregação e no modo como organizava seu trabalho. E foi simples. Era uma pessoa acessível. Isso é muito importante. As pessoas não se deixarem envaidecer e ficarem perturbadas pelo poder, que leva depois à riqueza e à corrupção. Isso foi ausente da trajetória do Grama”, disse FHC.
“Ele poderia ter dado um salto de repercussão mais ampla, não fosse sua dedicação à cidade e por acreditar que, quando se é eleito, é melhor fazer bem o que pode ser feito para aquele lugar. O Grama teve tudo o que poderia ter em Campinas e, se mais não teve, é porque não houve tempo. A melhor maneira de homenageá-lo é continuar o trabalho que ele fez”, concluiu o ex-presidente.
Programa de Renda Mínima
Em 1994, Magalhães Teixeira criou o primeiro Programa de Renda Mínima do país, inspirado pelo então senador petista Eduardo Suplicy, defensor histórico da ideia no Brasil. Poucos dias depois, propostas semelhantes foram colocadas em prática por Antonio Palocci, então prefeito de Ribeirão Preto, e Cristovam Buarque, então governador do Distrito Federal, na época ambos do PT.
“Num fim de semana, ele me telefonou e disse: ‘Vem aqui em casa conversar com um senador com uma ideia que eu quero colocar em prática.’ Era o Suplicy. Na segunda-feira, apresentamos o primeiro projeto de renda mínima do Brasil”, lembrou a socióloga e educadora Maria Helena Guimarães Castro, que participou das duas gestões de Magalhães Teixeira.
“Ele fez questão que o programa enfrentasse a pobreza de forma articulada e em suas diferentes dimensões: educação, saúde, assistência social e alimentação. Definiu como foco os mais pobres, mães solteiras ou com crianças pequenas e idosos. E contratou a Unicamp para monitorar as famílias e avaliar os resultados”, contou Maria Helena. A área econômica foi contra, mas o prefeito bateu o martelo e reservou 1% do orçamento de Campinas para a iniciativa.
“A ideia da renda mínima era defendida pelo Suplicy, mas a prática foi iniciada pelo Grama. E ele fez da maneira correta. Como dizia Montoro, ele ensinou a pescar. E como é que pesca? Pela educação”, disse FHC, que em seu governo criou a Bolsa Escola, precursor da Bolsa Família (governo Lula).
Ainda em seu primeiro mandato, Magalhães Teixeira, “chocado com os resultados do Censo de 1980 que mostrava o grande crescimento das favelas”, encomendou a Maria Helena o primeiro Seminário Nacional de Favelas de Campinas, organizado com a ajuda do sociólogo Vilmar Faria (1941-2001).
Outro projeto inovador foi o resgate de 3.862 crianças que viviam nas ruas de Campinas, “Foi um projeto lindo, que teve a ajuda da FEAC (Federação das Entidades Assistenciais de Campinas) e outras organizações, com apoio do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento)”, lembrou o empresário Luis Norberto Pascoal, atuante na área educacional.
“Era um homem do diálogo, que sabia ouvir sugestões e críticas e debater. Era o apaziguador, um facilitador das dificuldades humanas. São qualidades que faltam no Brasil de hoje”, disse o líder empresarial, que também destacou a capacidade de formar equipes integradas, articuladas e altamente qualificadas. “O Grama tinha uma altivez no olhar, na postura, na maneira de abraçar as pessoas mais simples. Ele nunca vacilou”, completou.
‘Tire as botas e leia este livro’
O engenheiro José Luiz Guazzelli lembrou de um de seus primeiros encontros com o prefeito recém-eleito, a quem ele chamava de Doutor. Segundo Guazzelli, o grande desafio de Campinas nos anos 80 era alinhar o necessário desenvolvimento econômico e social a um projeto de desenvolvimento urbano baseado nas visões dos três setores: governo, empresariado e sociedade civil. Como preconizava Alexis de Tocqueville em A Democracia na América (obra lançada em 1835). “Foi um presente que eu ganhei do Doutor. Ele me disse ‘engenheiro, tire as botas, leia este livro e compreenda por que você está aqui’”, disse Gazzelli.
“Este foi o corolário do político Magalhães Teixeira: as suas metas se resumiram em promover o desenvolvimento social associado ao econômico, levando em conta que a cidade tinha sérias e urgentes decisões a tomar e as escolhas deveriam contar com a participação de todos. Foi este o norte que ele deu a todos os seus secretários e colaboradores”, explicou.
“Os três setores da sociedade (governo, empresariado e sociedade civil) foram sempre chamados para debater os problemas críticos. Era de onde ele tirava a fonte de inspiração e balizamento para suas políticas. Estava composto o arco de apoio estratégico ao seu governo. Não se tratava de barganhar apoio de partido A, B ou C. Ele tinha atrás de si o apoio da sociedade porque discutiu com ela e criou um consenso”, afirmou.
Diante da pouca ou nenhuma capacidade de investimento público — “o que não parece novidade atualmente” —, Magalhães Teixeira buscou atrair empresas (por meio de parcerias público- privadas, quando esse termo ainda nem existia) e organizações sociais e elaborar projetos técnicos e econômicos para apresentar a canais de financiamento disponíveis no Brasil e no mundo, entre eles os bancos públicos brasileiros, o BID e o Banco Mundial.
Um exemplo disso foram as obras de desenvolvimento do sistema de abastecimento de água no valor de US$ 100 milhões que possibilitaram que a cidade superasse uma situação de rodízio crônico nos bairros periféricos da capital. “Campinas havia acumulado uma relevante dívida social nos anos 50 e 60 por conta do êxodo rural e uma taxa de crescimento populacional de 6% ao ano. Ele tinha pressa, mas não se desesperava. Tinha tranquilidade para compreender o problema, inteligência para encontrar o caminho e coragem para seguir em frente”, disse.
A vocação de Campinas
O engenheiro Guazzelli e o professor Carlos Américo Pacheco também destacaram a visão de futuro de Magalhães Teixeira, que percebeu em meados dos anos 80 a importância extraordinária que a ciência, a tecnologia e a inovação teriam no Brasil e no mundo no Século 21. “Com a ajuda do brilhante professor e físico Rogério Cezar Cerqueira Leite, ele criou em 15 dias a CIATEC (Companhia de Desenvolvimento do Polo de Alta Tecnologia de Campinas), com a missão de orquestrar e induzir o desenvolvimento daquilo que se tornaria a joia da coroa de Campinas”, disse o engenheiro.
“Ele construiu parcerias com a Unicamp e a PUC, os institutos de pesquisa e empresas do setor para impulsionar o que ele percebeu ser a verdadeira vocação de Campinas: tornar-se um polo de educação, ciência, tecnologia e inovação”, afirmou Pacheco.
“A Campinas de hoje, com todas as suas empresas de tecnologia, é um legado do prefeito Magalhães Teixeira, disse Wilson Ferreira, presidente da CPFL Energia.
Bem antes da popularização da internet e das redes sociais, Magalhães Teixeira criou o 156, uma linha direta para a população reclamar e exigir providências do governo. Todo dia logo cedo recebia um relatório com as principais manifestações do dia anterior. “O 156 era o inferno dos secretários. Quem não desse uma resposta em cinco dias, era gentil mas firmemente cobrado”, lembrou Januário Montone, que foi secretário de Administração de Campinas.
Também esteve à frente de seu tempo ao valorizar temas como mobilidade urbana e tratamento de resíduos sólidos. “Mais de duas décadas antes da entrada em vigor da lei que exige que os municípios criem programas de tratamento de resíduos sólidos, ele, antes de morrer, deixou pronto um projeto nesse sentido. Infelizmente não teve sequência”, lembrou Sidney Beraldo, que foi vereador e prefeito de São João da Boa Vista, deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
Gestão descentralizada e orçamento participativo
“Ele e eu tivemos a sorte de sermos prefeitos na mesma época, com o Montoro como governador. Montoro defendia o fortalecimento dos municípios, descentralizava os recursos e a administração. Permitiu assim que os prefeitos pudessem realizar e tivessem mais visibilidade”, explicou Beraldo, hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
Segundo Montone, que posteriormente foi secretário municipal da Saúde de São Paulo (governo Serra), um dos grandes desafios do segundo mandato de Magalhães Teixeira foi colocar em prática a Constituição de 1988, que transferiu diversas responsabilidades para os municípios, entre elas a implantação do SUS (Sistema Único de Saúde). “Mesmo Campinas, que tinha uma presença forte na área da saúde, não tinha capacidade gestora, o que teve de ser construído”, disse.
Em seu segundo mandato, o Grama desenvolveu um novo modelo de gestão, com a criação de um conselho envolvendo todas as áreas, inclusive as empresas estatais, três conselhos setoriais (desenvolvimento, social e urbano) e secretarias de ação regional. “Reeleito, ele disse que não aceitaria apenas repetir a boa gestão do primeiro mandato. Não queria fazer mais do mesmo”, afirmou. Com sua morte, o modelo de gestão foi deixado de lado.
A homenagem a Magalhães Teixeira contou com as presenças da viúva Thereza Christina e dos filhos Gustavo, Henrique e Christiana. Henrique é atualmente vice-prefeito de Campinas. “Ao nos reunirmos aqui hoje, temos a oportunidade de parar e pensar em valores e princípios que andam muito desgastados no Brasil. O Grama foi e continua sendo uma grande inspiração”, concluiu Beraldo, dirigindo-se à família.
Para concluir, Carlos Pacheco lembrou de mais uma das frases famosas de Magalhães Teixeira, proferida entre os seus dois mandatos, quando Jacó Bittar (PT) o sucedeu na Prefeitura de Campinas. “Nós éramos melhores que eles no governo. Eles são melhores que nós na oposição.” Soa profético?
Otávio Dias, jornalista, é especializado em política e assuntos internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do site estadao.com.br e editor-chefe do Huffington Post no Brasil.