A um ano da COP 30, quais são os desafios fundamentais?
Neste debate, nossos convidados foram Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, Walter Schalka, membro do Conselho de Administração das empresas Suzano, e Liliam Chagas, diretora do Departamento de Clima no Ministério das Relações Exteriores.
“A COP 30 será na Floresta Amazônica e atrairá milhares de pessoas de todo o planeta. A questão do uso da terra e do desmatamento ilegal será central. O conceito de que a proteção da Amazônia é essencial para o clima da Terra está consolidado em todo o mundo, mas, dentro do Brasil, ainda não temos um conceito majoritário sobre o que fazer com a Amazônia, que ocupa 60% do território, tem cerca de 28 milhões de pessoas, guarda uma riqueza de recursos naturais impressionante, inclusive minérios raros necessários à transição energética, mas apresenta o menor IDH do país e a menor contribuição para o PIB brasileiro. Até quando vamos empurrar com a barriga a solução desse problema?”, provocou a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, neste debate na Fundação FHC.
Teixeira — , que teve papel central nas negociações do Acordo de Paris, em 2015, e é uma referência nas discussões internacionais sobre clima — alertou para a necessidade de aproximar a agenda climática das reais necessidades do país: “Como aterrissar a complexidade da agenda climática no mundo real? Como vamos produzir desmatamento zero, com rastreabilidade de nossos produtos agropecuários, reduzir as emissões da indústria brasileira, aumentar sua competitividade e produtividade e garantir investimentos públicos e privados, nacionais e internacionais em energias e produtos renováveis, tecnologia e inovação?”.
“Temos as condições necessárias para avançar na transição climática e nos tornarmos um exemplo para o mundo, mas para isso o país precisa de fato abraçar essa agenda”, completou Teixeira, que faz parte do Conselho da Fundação Fernando Henrique Cardoso.
Embaixadora Liliam Chagas: ‘Sustentabilidade está no DNA da política externa’
Em resposta à provocação da ex-ministra, a embaixadora Liliam Chagas, diretora do Departamento de Clima do Ministério das Relações Exteriores, destacou as credenciais econômicas e diplomáticas do país para ter protagonismo nas negociações sobre o clima. “O Brasil tem lugar de fala para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) em Belém do Pará em novembro de 2025. A sustentabilidade está no DNA da política externa brasileira desde a ECO-92 e a Rio+20”, disse a representante do governo.
“Não devemos ter receio de nos posicionar para contribuir com as soluções ambientais e tecnológicas que o mundo pós-mudança do clima precisará. Temos um programa de biocombustível que já dura 50 anos, uma matriz energética extremamente limpa, fizemos uma revolução verde no agronegócio. O Brasil ganhou o direito de sediar uma Conferência do Clima, o maior processo de multilateralismo político da atualidade, porque tem a confiança da maioria dos 198 países que deverão participar do evento. Aqui as coisas já estão acontecendo”, continuou Chagas, que substituiu o embaixador André A. Corrêa do Lago, Secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty.
O debate, realizado presencialmente em nossa sede em São Paulo com a participação online da diplomata, foi o segundo do ciclo “Meio Ambiente e Desenvolvimento”, iniciado em setembro, cujo objetivo é aprofundar a discussão sobre temas fundamentais da COP 30. O ciclo terá seguimento em 2025.
Veja como foi o primeiro evento do ciclo “Meio Ambiente e Desenvolvimento”:
As oportunidades da descarbonização e como aproveitá-las
Brasil já tem metas e caminhos para realizar sua vocação de potência ambiental
Segundo a embaixadora, o Brasil já se adiantou e, durante a COP 29, realizada em novembro de 2024 em Baku (Azerbaijão), divulgou a sua nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), que estabelece a meta de reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa do Brasil entre 59% e 67% até 2035, em comparação aos níveis de 2005. Este compromisso reflete o alinhamento do Brasil com as metas do Acordo de Paris.
“A nova NDC explicita o país que queremos ser em 2035 e, junto com o Plano Clima, em elaboração pelo governo federal desde 2023, aponta os caminhos para que consigamos atingir a descarbonização a partir da realidade de um país em desenvolvimento, com suas mazelas sociais e econômicas”, disse Chagas.
De acordo com a palestrante, o Plano Clima define os cinco setores da economia brasileira onde a transição deve acontecer prioritariamente: uso da terra, energias renováveis, agronegócio, indústria de baixo carbono e resíduos: “Se essas políticas forem colocadas em prática da maneira adequada internamente, e o contexto internacional for favorável, o Brasil poderá realizar a sua vocação de potência agroflorestal, com matriz energética limpa e uma nova industrialização de baixo carbono.”
Como aterrissar a complexidade da agenda climática no mundo real? Como vamos produzir desmatamento zero, com rastreabilidade de nossos produtos agropecuários, reduzir as emissões da indústria brasileira, aumentar sua competitividade e produtividade e garantir investimentos públicos e privados, nacionais e internacionais em energias e produtos renováveis, tecnologia e inovação?
Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente
A agenda climática é uma agenda de desenvolvimento: falta pactuá-la
“Não se questiona o compromisso do atual governo brasileiro, sob a liderança do presidente Lula, com a questão climática. A nova NDC, que estabelece as metas para a governança climática brasileira na próxima década, é ousada, mas foi apresentada em Baku sem pactuar com ninguém. Foi um processo de cima para baixo. Não há acordo político interno para colocar em prática sua aplicação. É preciso mobilizar a sociedade, independentemente das divisões ideológicas, porque o que está em jogo é nosso presente e nosso futuro”, disse Izabella Teixeira.
Segundo a ex-ministra, a agenda climática deixou de ser uma pauta ambiental para se transformar em uma agenda de desenvolvimento econômico sustentável extremamente complexa, que exige a participação dos mais diversos setores do governo, da iniciativa privada, do terceiro setor e da sociedade. “Já não é suficiente conversarmos entre nós, ambientalistas, como no passado. Precisamos de mais adultos na sala.”
Empresário propõe amplo programa de reflorestamento e rastreabilidade
“O Brasil tem 70 milhões de hectares de áreas degradadas que podem ser ocupadas com mata nativa, recuperando os biomas e a biodiversidade. Os recursos para financiar esse reflorestamento em larga escala devem vir do mercado de carbono. O Brasil já deu o primeiro passo, ao aprovar recentemente seu marco regulatório, mas é fundamental criar um sistema de cap and trade global”, disse o engenheiro e administrador de empresas Walter Schalka, membro do Conselho de Administração das empresas Suzano.
Em 12 de dezembro de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), aprovado pelo Congresso Nacional em novembro após muita discussão. O SBCE divide o mercado de crédito de carbono brasileiro em dois setores: o regulado e o voluntário. O primeiro envolve iniciativas do poder público. Já o segundo, mais flexível, se refere à iniciativa privada. Ao sancionar a nova lei quase um ano antes da realização da COP 30, o país passa a ter mais uma importante contribuição a oferecer aos demais países que participarão do evento.
O empresário também defendeu que o agronegócio brasileiro adote a rastreabilidade de seus produtos, para deixar claro ao mundo que a produção agropecuária brasileira é sustentável e não está associada ao desmatamento ilegal e à destruição de nossos biomas. Salientou ainda a importância de o país passar a produzir e exportar produtos “ricos em energia renovável”.
“Temos hoje excedente de energia renovável no país. Muita dessa energia limpa está sendo desperdiçada. Se soubermos utilizar esse potencial para fabricar combustíveis renováveis (como o hidrogênio verde ou o SAF, combustível sustentável de aviação), passaremos a ser exportadores de energia renovável com alto valor agregado”, afirmou Schalka.
As possibilidades de a indústria brasileira se beneficiar da oferta de energia limpa, como fator de estímulo aos investimentos no país, é tema da série de papers que a Fundação FHC produziu em parceria com o Centro de Estudos sobre Integração e Desenvolvimento (CINDES).
O financiamento da transição energética: de onde virá o dinheiro?
O que a COP em Belém deve almejar alcançar em termos de financiamento?, perguntou Liliam Chagas? “Um dos principais objetivos deve ser o realinhamento dos fluxos financeiros internacionais, públicos e privados, ao objetivo global de alcançar a neutralidade climática em 2050. Já durante a presidência brasileira do G20 (ocorrida de dezembro de 2023 a novembro de 2024), o país buscou mapear o que precisa ser feito para que os países, sobretudo os em desenvolvimento, tenham recursos para fazer a transição energética com recursos fiscais limitados e sem incorrer em mais dívida. A questão da justiça climática será central na COP 30”, explicou.
Schalka, por sua vez, mostrou-se cético sobre as chances de os países desenvolvidos financiarem com recursos fiscais a mitigação e a adaptação dos países em desenvolvimento ao aquecimento global. Disse que o “blá blá blá” vem desde a COP de 2009, em Copenhague, quando foram prometidos US$ 100 bilhões anuais, sem que nada de relevante tenha sido desembolsado desde então. Hoje a dívida pública dos países desenvolvidos é ainda maior do que era em 2009 (cresceram principalmente devido aos resgates dos sistemas financeiros após a grande crise financeira internacional de 2008 e dos gastos com a pandemia de Covid-19).
Em um contexto adverso, de restrição fiscal e maior hostilidade entre as grandes potências, o representante do setor privado aposta na construção de um mercado global de carbono. “O grande desafio da COP 30, e portanto do Brasil como anfitrião do evento, será avançarmos na implementação de um sistema de cap and trade global, que defina limites para as emissões de carbono e precifique a compra e a venda de créditos de carbono entre aqueles que emitem acima e abaixo desse teto. Quando tivermos um mercado de carbono global, os governos não terão que utilizar seus recursos limitados para subsidiar os investimentos relacionados à transição energética, a iniciativa privada fará isso naturalmente e haverá uma grande onda de descarbonização global”, afirmou.
Os limites do multilateralismo nas negociações climáticas
Segundo Teixeira, “não há como avançar com a rapidez necessária nas negociações climáticas dentro dos marcos do multilateralismo, que exige a formação de consenso entre os quase 200 países do mundo, sem a estruturação de pactos bilaterais, trilaterais e plurilaterais”.
Como exemplo, ela lembrou a tentativa do presidente Barack Obama de fazer um pacto bilateral com a China para limitar as emissões de gases do efeito estufa de ambos os países. O acordo climático EUA-China chegou a ser anunciado em 2014, surpreendendo positivamente o mundo e abrindo caminho para o Acordo de Paris, mas foi anulado por Donald Trump, sucessor de Obama, em 2017. Trump, que retornará à Casa Branca em 2025, também retirou os Estados Unidos, historicamente o maior emissor de carbono do planeta, do Acordo de Paris.
“A questão climática é hoje um tema geopolítico fundamental e os negociadores dos quase 200 países que estarão presentes na COP 30 estarão cada vez mais expostos a demandas de climate politics e não de climate policies. O que estará em jogo é o novo xadrez geopolítico que dará sustentação ao projeto de descarbonização global, sem o qual o planeta não tem futuro”, explicou.
A este respeito, o moderador Sergio Fausto, diretor geral da Fundação FHC, ressaltou que o contexto geopolítico atual é adverso, uma vez que a rivalidade entre as grandes potências, em particular entre a China e os EUA, tem se exacerbado, levando vários analistas a afirmar que o mundo já vive um nova guerra fria. Resta saber se será possível preservar as negociações climáticas como um espaço à parte, no qual a cooperação prevaleça sobre a competição estratégica.
Na mesma linha, em comentário enviado à mesa, o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP Eduardo Viola comentou que foram poucas e infrutíferas até aqui as experiências de pactos plurilaterais entre países nas negociações climáticas. Os exemplos são o Clube Climático formado pelos membros do G7, em 2022, e o acordo firmado em Glasgow, em 2021, para a redução em 30% na emissão de metano. Este acordo não conta com a adesão de alguns dos principais emissores de metano, como a Rússia e a Índia. Já o Clube Climático do G7, cujo objetivo é uniformizar a legislação sobre a emissão de carbono para evitar guerras comerciais entre os seus membros, tem futuro nada promissor com o retorno de Trump à Casa Branca.
Realismo na análise, otimismo na ação
Divergências à parte, todos os participantes concordaram que a COP 30 representa uma oportunidade única para o Brasil subir de nível no cenário geopolítico global.
“Quando queremos, sabemos tomar decisões que mudam a nossa história. Foi assim com o Plano Real, que acabou com a hiperinflação nos anos 1990, e o combate à pobreza nos anos 2000. Daí a importância de montarmos um time extremamente competente, com as mais variadas expertises, para conduzir o Brasil rumo à COP 30, ter uma atuação condizente com o que se espera de nós durante a conferência, entregar resultados concretos e, assim, nos consolidarmos como líder mundial no enfrentamento da crise climática, o maior desafio do século 21”, concluiu Izabella Teixeira.
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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.