Debates
09 de dezembro de 2024

A um ano da COP 30, quais são os desafios fundamentais?

Neste debate, nossos convidados foram Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, Walter Schalka, membro do Conselho de Administração das empresas Suzano, e Liliam Chagas, diretora do Departamento de Clima no Ministério das Relações Exteriores.

“A COP 30 será na Floresta Amazônica e atrairá milhares de pessoas de todo o planeta. A questão do uso da terra e do desmatamento ilegal será central. O conceito de que a proteção da Amazônia é essencial para o clima da Terra está consolidado em todo o mundo, mas, dentro do Brasil, ainda não temos um conceito majoritário sobre o que fazer com a Amazônia, que ocupa 60% do território, tem cerca de 28 milhões de pessoas, guarda uma riqueza de recursos naturais impressionante, inclusive minérios raros necessários à transição energética, mas apresenta o menor IDH do país e a menor contribuição para o PIB brasileiro. Até quando vamos empurrar com a barriga a solução desse problema?”, provocou a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, neste debate na Fundação FHC. 

Teixeira — , que teve papel central nas negociações do Acordo de Paris, em 2015, e é uma referência nas discussões internacionais sobre clima — alertou para a necessidade de aproximar a agenda climática das reais necessidades do país: “Como aterrissar a complexidade da agenda climática no mundo real? Como vamos produzir desmatamento zero, com rastreabilidade de nossos produtos agropecuários, reduzir as emissões da indústria brasileira, aumentar sua competitividade e produtividade e garantir investimentos públicos e privados, nacionais e internacionais em energias e produtos renováveis, tecnologia e inovação?”. 

“Temos as condições necessárias para avançar na transição climática e nos tornarmos um exemplo para o mundo, mas para isso o país precisa de fato abraçar essa agenda”, completou Teixeira, que faz parte do Conselho da Fundação Fernando Henrique Cardoso.

Embaixadora Liliam Chagas: ‘Sustentabilidade está no DNA da política externa’

Em resposta à provocação da ex-ministra, a embaixadora Liliam Chagas, diretora do Departamento de Clima do Ministério das Relações Exteriores, destacou as credenciais econômicas e diplomáticas do país para ter protagonismo nas negociações sobre o clima. “O Brasil tem lugar de fala para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) em Belém do Pará em novembro de 2025. A sustentabilidade está no DNA da política externa brasileira desde a ECO-92 e a Rio+20”, disse a representante do governo.

“Não devemos ter receio de nos posicionar para contribuir com as soluções ambientais e tecnológicas que o mundo pós-mudança do clima precisará. Temos um programa de biocombustível que já dura 50 anos, uma matriz energética extremamente limpa, fizemos uma revolução verde no agronegócio. O Brasil ganhou o direito de sediar uma Conferência do Clima, o maior processo de multilateralismo político da atualidade, porque tem a confiança da maioria dos 198 países que deverão participar do evento. Aqui as coisas já estão acontecendo”, continuou Chagas, que substituiu o embaixador André A. Corrêa do Lago, Secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty.

O debate, realizado presencialmente em nossa sede em São Paulo com a participação online da diplomata, foi o segundo do ciclo “Meio Ambiente e Desenvolvimento”, iniciado em setembro, cujo objetivo é aprofundar a discussão sobre temas fundamentais da COP 30. O ciclo terá seguimento em 2025.

Veja como foi o primeiro evento do ciclo “Meio Ambiente e Desenvolvimento”: 
As oportunidades da descarbonização e como aproveitá-las

Brasil já tem metas e caminhos para realizar sua vocação de potência ambiental

Segundo a embaixadora, o Brasil já se adiantou e, durante a COP 29, realizada em novembro de 2024 em Baku (Azerbaijão), divulgou a sua nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), que estabelece a meta de reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa do Brasil entre 59% e 67% até 2035, em comparação aos níveis de 2005. Este compromisso reflete o alinhamento do Brasil com as metas do Acordo de Paris.

“A nova NDC explicita o país que queremos ser em 2035 e, junto com o Plano Clima, em elaboração pelo governo federal desde 2023, aponta os caminhos para que consigamos atingir a descarbonização a partir da realidade de um país em desenvolvimento, com suas mazelas sociais e econômicas”, disse Chagas.

De acordo com a palestrante, o Plano Clima define os cinco setores da economia brasileira onde a transição deve acontecer prioritariamente: uso da terra, energias renováveis, agronegócio, indústria de baixo carbono e resíduos: “Se essas políticas forem colocadas em prática da maneira adequada internamente, e o contexto internacional for favorável, o Brasil poderá realizar a sua vocação de potência agroflorestal, com matriz energética limpa e uma nova industrialização de baixo carbono.”

Como aterrissar a complexidade da agenda climática no mundo real? Como vamos produzir desmatamento zero, com rastreabilidade de nossos produtos agropecuários, reduzir as emissões da indústria brasileira, aumentar sua competitividade e produtividade e garantir investimentos públicos e privados, nacionais e internacionais em energias e produtos renováveis, tecnologia e inovação?

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente

A agenda climática é uma agenda de desenvolvimento: falta pactuá-la 

“Não se questiona o compromisso do atual governo brasileiro, sob a liderança do presidente Lula, com a questão climática. A nova NDC, que estabelece as metas para a governança climática brasileira na próxima década, é ousada, mas foi apresentada em Baku sem pactuar com ninguém. Foi um processo de cima para baixo. Não há acordo político interno para colocar em prática sua aplicação. É preciso mobilizar a sociedade, independentemente das divisões ideológicas, porque o que está em jogo é nosso presente e nosso futuro”, disse Izabella Teixeira.

Segundo a ex-ministra, a agenda climática deixou de ser uma pauta ambiental para se transformar em uma agenda de desenvolvimento econômico sustentável extremamente complexa, que exige a participação dos mais diversos setores do governo, da iniciativa privada, do terceiro setor e da sociedade. “Já não é suficiente conversarmos entre nós, ambientalistas, como no passado. Precisamos de mais adultos na sala.”

Walter Schalka, Izabella Teixeira e Sergio Fausto em debate na Fundação FHC —
Foto: Vinicius Doti

Empresário propõe amplo programa de reflorestamento e rastreabilidade

“O Brasil tem 70 milhões de hectares de áreas degradadas que podem ser ocupadas com mata nativa, recuperando os biomas e a biodiversidade. Os recursos para financiar esse reflorestamento em larga escala devem vir do mercado de carbono. O Brasil já deu o primeiro passo, ao aprovar recentemente seu marco regulatório, mas é fundamental criar um sistema de cap and trade global”, disse o engenheiro e administrador de empresas Walter Schalka, membro do Conselho de Administração das empresas Suzano.

Em 12 de dezembro de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), aprovado pelo Congresso Nacional em novembro após muita discussão. O SBCE divide o mercado de crédito de carbono brasileiro em dois setores: o regulado e o voluntário. O primeiro envolve iniciativas do poder público. Já o segundo, mais flexível, se refere à iniciativa privada. Ao sancionar a nova lei quase um ano antes da realização da COP 30, o país passa a ter mais uma importante contribuição a oferecer aos demais países que participarão do evento.

O empresário também defendeu que o agronegócio brasileiro adote a rastreabilidade de seus produtos, para deixar claro ao mundo que a produção agropecuária brasileira é sustentável e não está associada ao desmatamento ilegal e à destruição de nossos biomas. Salientou ainda a importância de o país passar a produzir e exportar produtos “ricos em energia renovável”.

Walter Schalka, Izabella Teixeira, Sergio Fausto e, pela internet, Liliam Chagas, em debate na Fundação FHC — Foto: Vinicius Doti

“Temos hoje excedente de energia renovável no país. Muita dessa energia limpa está sendo desperdiçada. Se soubermos utilizar esse potencial para fabricar combustíveis renováveis (como o hidrogênio verde ou o SAF, combustível sustentável de aviação), passaremos a ser exportadores de energia renovável com alto valor agregado”, afirmou Schalka. 

As possibilidades de a indústria brasileira se beneficiar da oferta de energia limpa, como fator de estímulo aos investimentos no país, é tema da série de papers que a Fundação FHC produziu em parceria com o Centro de Estudos sobre Integração e Desenvolvimento (CINDES).

O financiamento da transição energética: de onde virá o dinheiro?

O que a COP em Belém deve almejar alcançar em termos de financiamento?, perguntou Liliam Chagas? “Um dos principais objetivos deve ser o realinhamento dos fluxos financeiros internacionais, públicos e privados, ao objetivo global de alcançar a neutralidade climática em 2050. Já durante a presidência brasileira do G20 (ocorrida de dezembro de 2023 a novembro de 2024), o país buscou mapear o que precisa ser feito para que os países, sobretudo os em desenvolvimento, tenham recursos para fazer a transição energética com recursos fiscais limitados e sem incorrer em mais dívida. A questão da justiça climática será central na COP 30”, explicou.

Schalka, por sua vez, mostrou-se cético sobre as chances de os países desenvolvidos financiarem com recursos fiscais a mitigação e a adaptação dos países em desenvolvimento ao aquecimento global. Disse que o “blá blá blá” vem desde a COP de 2009, em Copenhague, quando foram prometidos US$ 100 bilhões anuais, sem que nada de relevante tenha sido desembolsado desde então. Hoje a dívida pública dos países desenvolvidos é ainda maior do que era em 2009 (cresceram principalmente devido aos resgates dos sistemas financeiros após a grande crise financeira internacional de 2008 e dos gastos com a pandemia de Covid-19).  

Em um contexto adverso, de restrição fiscal e maior hostilidade entre as grandes potências, o representante do setor privado aposta na construção de um mercado global de carbono. “O grande desafio da COP 30, e portanto do Brasil como anfitrião do evento, será avançarmos na implementação de um sistema de cap and trade global, que defina limites para as emissões de carbono e precifique a compra e a venda de créditos de carbono entre aqueles que emitem acima e abaixo desse teto. Quando tivermos um mercado de carbono global, os governos não terão que utilizar seus recursos limitados para subsidiar os investimentos relacionados à transição energética, a iniciativa privada fará isso naturalmente e haverá uma grande onda de descarbonização global”, afirmou.

Os limites do multilateralismo nas negociações climáticas

Segundo Teixeira, “não há como avançar com a rapidez necessária nas negociações climáticas dentro dos marcos do multilateralismo, que exige a formação de consenso entre os quase 200 países do mundo, sem a estruturação de pactos bilaterais, trilaterais e plurilaterais”. 

Como exemplo, ela lembrou a tentativa do presidente Barack Obama de fazer um pacto bilateral com a China para limitar as emissões de gases do efeito estufa de ambos os países. O acordo climático EUA-China chegou a ser anunciado em 2014, surpreendendo positivamente o mundo e abrindo caminho para o Acordo de Paris, mas foi anulado por Donald Trump, sucessor de Obama, em 2017. Trump, que retornará à Casa Branca em 2025, também retirou os Estados Unidos, historicamente o maior emissor de carbono do planeta, do Acordo de Paris.

“A questão climática é hoje um tema geopolítico fundamental e os negociadores dos quase 200 países que estarão presentes na COP 30 estarão cada vez mais expostos a demandas de climate politics e não de climate policies. O que estará em jogo é o novo xadrez geopolítico que dará sustentação ao projeto de descarbonização global, sem o qual o planeta não tem futuro”, explicou. 

Walter Schalka, Izabella Teixeira e Sergio Fausto em debate na Fundação FHC —
Foto: Vinicius Doti

A este respeito, o moderador Sergio Fausto, diretor geral da Fundação FHC, ressaltou que o contexto geopolítico atual é adverso, uma vez que a rivalidade entre as grandes potências, em particular entre a China e os EUA, tem se exacerbado, levando vários analistas a afirmar que o mundo já vive um nova guerra fria. Resta saber se será possível preservar as negociações climáticas como um espaço à parte, no qual a cooperação prevaleça sobre a competição estratégica. 

Na mesma linha, em comentário enviado à mesa, o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP Eduardo Viola comentou que foram poucas e infrutíferas até aqui as experiências de pactos plurilaterais entre países nas negociações climáticas. Os exemplos são o Clube Climático formado pelos membros do G7, em 2022, e o acordo firmado em Glasgow, em 2021, para a redução em 30% na emissão de metano. Este acordo não conta com a adesão de alguns dos principais emissores de metano, como a Rússia e a Índia. Já o Clube Climático do G7, cujo objetivo é uniformizar a legislação sobre a emissão de carbono para evitar guerras comerciais entre os seus membros, tem futuro nada promissor com o retorno de Trump à Casa Branca.  

Realismo na análise, otimismo na ação

Divergências à parte, todos os participantes concordaram que a COP 30 representa uma oportunidade única para o Brasil subir de nível no cenário geopolítico global.

“Quando queremos, sabemos tomar decisões que mudam a nossa história. Foi assim com o Plano Real, que acabou com a hiperinflação nos anos 1990, e o combate à pobreza nos anos 2000. Daí a importância de montarmos um time extremamente competente, com as mais variadas expertises, para conduzir o Brasil rumo à COP 30, ter uma atuação condizente com o que se espera de nós durante a conferência, entregar resultados concretos e, assim, nos consolidarmos como líder mundial no enfrentamento da crise climática, o maior desafio do século 21”, concluiu Izabella Teixeira.



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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

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