Debates
07 de abril de 2022

Regulamentação do mercado de carbono: oportunidades e desafios para o Brasil

Em discussão neste webinar: os instrumentos para conter a mudança climática e promover o desenvolvimento sustentável.


A regulamentação do mercado de carbono pode significar uma nova oportunidade para o Brasil, beneficiando o país através desse mecanismo que alavanca o desenvolvimento sustentável. Esta foi a principal conclusão deste webinar realizado pela Fundação FHC.

O encontro contou com a participação de Ronaldo Seroa da Motta, professor de Economia do Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas (PPGCE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Marina Carrilho, diplomata que atua na Divisão de Meio Ambiente II do Ministério das Relações Exteriores e é responsável pelos temas de mercados de carbono, e Luiza de Vasconcellos, que trabalha na área de renda fixa do Itaú BBA à frente da estruturação de operações ESG. A mediação foi de Sergio Fausto, cientista político e diretor da Fundação FHC.

Além da análise das oportunidades e dos desafios para o Brasil, o grupo avaliou a importância do Artigo 6 do Acordo de Paris, que prevê a criação de um mercado global de carbono com o objetivo de conter a mudança climática. 

Ronaldo – que também foi coordenador de Estudos Ambientais no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e ex-diretor do Ministério do Meio Ambiente, autor do livro “Economia Ambiental” (Editora FGV, RJ) – começou sua fala explicando que o tema, embora pudesse parecer, na verdade não era tão complexo, desde que se fizessem alguns esclarecimentos básicos.

O principal consiste na diferença entre um mercado voluntário de carbono e um mercado com regras estabelecidas pelo governo ou por um grupo de governos, como os já existentes na União Europeia, no Canadá e no estado americano da Califórnia, por exemplo. Ambos têm importância para a contenção da mudança climática, mas os mercados do segundo tipo são mais eficazes porque criam obrigações legais para os participantes.

Nos mercados regulados de carbono, a autoridade pública fixa um limite máximo de emissões de gases de efeito estufa para a economia como um todo e para determinados setores em particular (transporte, energia, indústria e/ou, agropecuária, por exemplo). As empresas adquirem licenças de emissão. A cada ano, as que não cumprirem suas metas de emissão têm de comprar licenças daquelas que superaram as metas. O sistema se chama “cap and trade” e tem a vantagem de, por um lado, estabelecer limites quantitativos de emissão e, de outro, permitir que o mercado se ajuste via compra e venda de licenças de emissão. Alternativamente, é possível tributar as emissões de carbono. Nesse caso, incentiva-se a descarbonização impondo um custo à emissão de carbono, mas não se fixa um limite para as emissões gerais e setoriais. A maioria dos países tem preferido a adoção de sistemas de “cap and trade”.

Já os mercados voluntários de carbono envolvem empresas e indivíduos que voluntariamente decidem neutralizar suas emissões de gases de efeito estufa, em resposta a pressões de acionistas, investidores e/ou consumidores. “É um mercado em constante expansão, que cresceu 100% nos últimos três anos”, explicou Ronaldo. 

No Brasil, o mercado regulado inexiste – está em tramitação no Congresso, um projeto de lei com esse objetivo, de autoria do deputado Marcelo Ramos (PSD-AM) – e o mercado voluntário é incipiente, mas muito promissor. Essa é a visão de Luiza de Vasconcellos. Para ela, o grande desafio é dar maior segurança jurídica a esse mercado e estruturar bons projetos de geração de carbono. Hoje o preço da tonelada de carbono no Brasil ainda é uma fração pequena do preço observado em mercados mais desenvolvidos. A instituição financeira onde Luiza trabalha aposta no crescimento do mercado voluntário de carbono brasileiro, tanto assim que vem construindo, com instituições financeiras internacionais, uma plataforma para negociação e monetização de créditos de carbono. Ela não enxerga incompatibilidade entre a criação de um mercado regulado de carbono e o desenvolvimento do mercado voluntário já existente: “O desafio é descobrir como ambos poderão atuar juntos”. 

O principal potencial de geração de créditos de carbono no Brasil está na área florestal e na agropecuária, ressaltou Ronaldo. O potencial permanecerá subaproveitado, porém, enquanto não se contiver de fato o desmatamento, em especial na Amazônia. Ele lembrou que o Brasil tem uma grande área desmatada, com muitas pastagens degradadas, que poderiam ser reconvertidas em florestas, com ganhos ambientais e sociais. O BNDES está fazendo uma linha de leilões para comprar créditos de reflorestamento. Iniciativas como essas vão na direção correta, afirmou. “Precisamos manter a floresta de pé”, concordou Luíza, mas para isso é preciso que a floresta em pé tenha valor. “Hoje no Brasil a questão é medir quanto o desmatamento contribui para as emissões e fazer do mercado de carbono uma alternativa para conter este desmatamento”, concluiu. Instituições e tecnologias existem para fazer essa mensuração. 

Marina centrou sua exposição na regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, que trata dos instrumentos para a criação de um mercado global de carbono que fomente a cooperação voluntária entre governos e empresas de diferentes países em um esforço conjunto para a redução das emissões dos gases de efeito estufa. Destacou os avanços obtidos em Glasgow, em novembro de 2021, onde se realizou a COP-26. De agora em diante, o Artigo 6, passa a contar com regras e procedimentos estabelecidos para, ao mesmo tempo, estimular os esforços de cooperação e assegurar que eles se deem em bases compatíveis com o objetivo de acelerar a redução das emissões de gases de efeito estufa. Os dispositivos legais resultantes de Glasgow aumentam a confiabilidade e transparência na geração de créditos de carbono e reduzem os riscos de dupla contagem. “Temos finalmente um arcabouço legal apropriado. Politicamente foi um grande avanço, afirmou Marina, ressalvando que ainda há controvérsias a dirimir e desafios práticos na implementação do Artigo 6. 

Não resta dúvida do caminho a seguir. É preciso descarbonizar o mundo e o Brasil. Aqui o esforço maior é não apenas conter o desmatamento, mas também reflorestar o país, em particular pastagens degradadas. Os mercados de carbono, seja o voluntário, seja o regulado, são importantes instrumentos para esse fim.

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Márcio Pinheiro é jornalista com passagens pelo O Estado de S. Paulo, Zero Hora e Jornal do Brasil.

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