Debates
18 de agosto de 2020

O desafio de revitalizar a democracia enquanto ainda é tempo – Por Larry Diamond

“A lealdade à Constituição e às instituições democráticas devem estar sempre acima de objetivos pessoais ou de um partido”, disse o cientista político norte-americano Larry Diamond neste evento on-line.

A recessão democrática que começou há aproximadamente 15 anos está se agravando e abrindo espaço para líderes populistas autoritários em diversos países do mundo. Para evitar que governantes com tendências autoritárias se reelejam e aprofundem seus projetos de erosão da democracia, a oposição democrática precisa “transcender a polarização, não reforçá-la” e se unir sob uma “grande tenda política” para vencer eleições e resgatar a democracia.

“Como vimos no ano passado nas eleições para prefeito de Istambul (Turquia) e Budapeste (Hungria), a formação de uma ampla coalizão em defesa da democracia pode dar certo”, disse o cientista político norte-americano Larry Diamond (Stanford University), neste webinar realizado pela Fundação FHC e a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). “Se insistirmos em tachar os que votaram em populistas anteriormente como pessoas ruins ou idiotas, não vamos conseguir formar a coalizão necessária (para derrotar os autocratas nas urnas)”, afirmou o palestrante, que há décadas pesquisa tendências e condições democráticas ao redor do mundo.

Em 2019, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, sofreu seu maior revés desde que chegou ao poder em 2003 ao ver seu candidato a prefeito da principal cidade da Turquia perder para o oposicionista Ekrem Imamoglu por uma diferença de apenas 15 mil votos (após a primeira votação ser anulada). Também em Budapeste, capital húngara, a oposição ao premiê Viktor Orbán, no cargo desde 2010, lançou uma candidatura única e elegeu por pequena margem de votos o sociólogo Gergely Karácsony.

Exemplos de governantes iliberais eleitos democraticamente — ao lado de Donald Trump (EUA), Vladimir Putin (Rússia), Andrzej Duda (Polônia), Jair Bolsonaro (Brasil), Nicolás Maduro (Venezuela), Daniel Ortega (Nicarágua) e Rodrigo Duterte (Filipinas) —, Erdogan e Orbán seguem no poder em seus países, mas pela primeira vez foram derrotados pela oposição democrática em eleições locais com relevância nacional.

“Enquanto líderes sem compromisso com a democracia estiverem no poder, a sociedade civil, a mídia independente e as instituições que sustentam a democracia não podem baixar a guarda e precisam estar vigilantes o tempo todo”, alertou o ex-diretor do Centro sobre Democracia, Desenvolvimento e Estado de Direito (CDDRL) em Stanford. “Por mais que haja reações ao avanço do autoritarismo, não devemos acreditar que o pior já passou e que, no final, a democracia vai vencer. Temos muito trabalho a fazer para impedir que ambições autoritárias se tornem realidades autoritárias.”

‘Se perdermos nossa liberdade, o autoritarismo pode durar muitos anos’

“No regime democrático, haverá oportunidades para todos os partidos, de esquerda, de centro ou de direita, disputarem o voto e exercerem o poder e a oposição. Mas, se perdermos nossa democracia e nossa liberdade, o autoritarismo pode durar muitos anos, o país pode permanecer instável politicamente por um longo período e ter seu potencial de desenvolvimento social e econômico seriamente comprometido. Por isso, a lealdade à Constituição e às instituições democráticas devem estar sempre acima de objetivos pessoais ou de um partido”, concluiu

Pela primeira vez em 25 anos, uma minoria de países vive sob democracia

Durante sua apresentação inicial, o cientista político mostrou gráficos e estatísticas que mostram que desde 2005 o mundo passa por um período que ele chama de recessão democrática, em contraponto a um período de expansão democrática iniciado em 1974. A América Latina, por exemplo, viveu uma onda democrática nos anos 1970 e 80, com o fim dos regimes militares na região.

“A partir do começo dos anos 1990 (após a queda do Muro de Berlim, o fim dos regimes comunistas nos Leste Europeu e o desmantelamento da União Soviética), a maioria dos países do mundo com mais de 1 milhão de habitantes passou a eleger seus governantes por meio de eleições com razoável grau de transparência. Foi a primeira vez que isso aconteceu na história”, disse o co-editor e fundador do mundialmente respeitado Journal of Democracy, cuja versão em português é publicada duas vezes por ano pela Plataforma Democrática (projeto da Fundação FHC e do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais).

O auge daquela expansão democrática ocorreu em 2005, quando 57% dos países viviam sob democracias. “Desde então esse percentual vem caindo e, em 2019, baixou para 48%. Pela primeira vez em 25 anos, temos hoje uma minoria de Estados democráticos no mundo”, explicou (essa porcentagem inclui países com mais de 1 milhão de habitantes). Mas, diferentemente do passado quando as democracias em geral terminavam com golpes militares, atualmente elas se deterioram de forma lenta e progressiva impulsionadas por autocratas populistas, que podem ser tanto de esquerda (como o falecido Hugo Chávez) como de direita (como Orbán).

Assista ao vídeo: “Como morrem as democracias?”, com Steven Levitsky

Em sua fala, Diamond apresentou três listas muito úteis para entender o complexo processo em curso. A primeira delas cita 6 causas da atual crise democrática. A segunda descreve os 7 elementos-chave do populismo iliberal. A terceira detalha 12 passos seguidos por autocratas ao redor do mundo para minar a democracia.

Como combater o populismo autoritário?

Larry Diamond, que tem pesquisado o que pode ser feito para defender e promover a democracia no mundo, sugeriu um conjunto de 7 medidas a serem colocadas em prática por aqueles que se opõem a líderes e governos autoritários:

  • Transcender, não reforçar, o instinto populista de polarizar;
  • Criar uma ‘grande tenda’ que fale com ex-apoiadores de líderes populistas e dê boas vindas aos descontentes;
  • Lidar com questões do tipo ‘pão com manteiga’ que fazem parte da vida real dos cidadãos, desmontando a farsa de que só os populistas são capazes de representar as pessoas comuns;
  • Expor a corrupção que, mais cedo ou mais tarde, contamina os governos populistas;
  • Identificar reformas para melhorar a democracia, mas não fazer disso o tema principal de campanha;
  • Abraçar um ‘nacionalismo cívico’ em que a democracia e as liberdades individuais façam parte daquilo que torna uma nação grande;
  • Mobilizar alianças que se espalhem de forma transversal por toda a sociedade civil.

“Diante de um mundo cada vez mais globalizado, as pessoas sentem necessidade de ter orgulho de seu país. Por isso, os defensores da democracia, do Estado de direito e das liberdades individuais devem atuar para transformar essas ideias em algo indissociável da imagem de uma nação próspera e orgulhosa de sua história”, concluiu.

Rússia, China e Covid-19

Já na fase de perguntas e respostas, o palestrante falou sobre assuntos diversos como as perspectivas da próxima eleição norte-americana, as tentativas da Rússia de influenciar processos eleitorais no Ocidente e da China de se colocar como alternativa viável às democracias liberais. Também comentou sobre propostas de regulação das redes sociais e os possíveis impactos políticos da pandemia de Covid-19. Assista ao vídeo integral na versão original em inglês ou com tradução simultânea no canal da Fundação no YouTube.

Otávio Dias, jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. Atualmente é editor de conteúdo da Fundação FHC.