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Debates

Educação: a renovação do Fundeb em pauta

/ auditório da Fundação FHC


Especialistas divergem se a renovação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), cuja vigência vai até o final de 2020, seria uma oportunidade para aprimorá-lo, com base na experiência acumulada desde 1998, quando o Fundef (antecessor do Fundeb) entrou em vigor, ou se seria mais prudente manter o fundo como é hoje, diante da possibilidade de uma mudança para pior.

“Renovamos tal como ele é ou aproveitamos a oportunidade para garantir mais equidade entre os entes federativos (estados e municípios) e, assim, criar as condições para uma educação pública básica de maior qualidade em todo o país?”, perguntou Mariza Abreu, consultora legislativa aposentada da Câmara dos Deputados e ex-secretária de Educação do Rio Grande do Sul.

“Acho mais garantido manter o que temos, pois sem uma proposta clara por parte do novo governo e com a dificuldade de aprovação do que quer que seja no Congresso, o risco de piorar o financiamento da educação é grande”, disse o economista Barjas Negri, que exerce seu terceiro mandato como prefeito de Piracicaba (SP).

“Do ponto de vista técnico, aprendemos muito com as experiências exitosas do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) e do Fundeb e temos hoje todas as condições de criar um novo fundo 3.0 muito melhor do que seus antecessores”, afirmou o historiador e educador Binho Marques, ex-governador do Acre (2007-2010).

Os três participantes do seminário “Educação: os desafios para renovar o Fundeb”, realizado na Fundação FHC, concordaram que o prazo para renovar o Fundeb está se estreitando e, embora algumas PECs (Proposta de Emenda Constitucional) com esse fim tramitem no Congresso, as discussões sobre o tema estão quase paralisadas pela tramitação da Reforma da Previdência e pelo início tumultuado da nova gestão no Ministério da Educação.

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        Ameaças: reformas da Previdência, tributária e desvinculação de receitas

Ao iniciar sua fala, Mariza Abreu lembrou que a criação do Fundef durante o Governo FHC consumiu 11 meses de trabalho do Congresso, e sua substituição pelo Fundeb no Governo Lula exigiu outros 18 meses, em ambos os casos sem incluir a regulamentação das novas leis. “A PEC que renova o Fundeb só deve ganhar força depois que a reforma da Previdência tiver sido concluída e corremos o risco de chegarmos muito perto do fim do atual Fundeb. Espero que a sociedade não seja tão irresponsável a ponto de deixar que esse importante mecanismo redistributivo termine sem que algo consistente seja colocado no lugar”, disse a ex-professora do ensino primário. Segundo a palestrante, 60% dos recursos destinados à educação primária passam pelo Fundeb.

Já Barjas Negri, alertou para o risco de o governo levar adiante a proposta de desvinculação orçamentária para educação e saúde, entre outras áreas, atualmente prevista na Constituição. “É verdade que a vinculação orçamentária dificulta a gestão do orçamento público, mas sua eliminação traria caos à educação e à saúde, pois certamente reduziria os recursos destinados a estas áreas essenciais para o futuro do país e a vida das pessoas”, disse o ex-ministro da Saúde (2002).

“Em algum momento teremos de discutir a questão da vinculação orçamentária, mas não pode ser de uma hora pra outra nem de qualquer jeito. Sem vinculação, não existe Fundeb”, concordou Mariza. A desvinculação orçamentária é uma das propostas do atual ministro da Economia, Paulo Guedes, para desengessar o orçamento da União e abrir espaço para a redução do déficit fiscal brasileiro.

Segundo Binho Marques, quando o Fundef e o Fundeb foram criados, houve envolvimento não só do ministro da Educação e de toda a equipe do MEC, mas do presidente da República na época e de diversos setores do governo. “Neste momento, o MEC está lamentavelmente ausente. Se o financiamento da educação for definido sobretudo pelo Ministério da Economia, a educação pública estará ameaçada.”

“O ministro da Economia não pode ter mais peso nesta questão do que o ministro da Educação”, concordou Negri.

Embora os debatedores admitam a necessidade de uma reforma tributária, eles expressaram preocupação com o alcance e o timing dela. “Vai ter imposto único (como sugerido pelo secretário da Receita, Marcos Cintra)? Quais as consequências disso para as receitas fiscais da União e dos estados e municípios, já bastante abaladas pela crise econômica dos últimos anos?”, disse Negri. “Não podemos esperar a aprovação de uma reforma tributária, essencial mas complexa, para garantir o financiamento do sistema público de educação”, disse Abreu.

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      Complementação da União deve ir para municípios mais pobres

Munida de grande quantidade de dados e gráficos (veja seção Conteúdos Relacionados à direita desta página), Mariza Abreu ressaltou que em 2018 (antes da posse do atual Executivo e Legislativo) já existia razoável consenso entre autoridades públicas (federais, estaduais e municipais), parlamentares e especialistas em relação às conquistas e aos desafios do Fundeb: 

1. O Fundef/Fundeb teve efeito redistributivo positivo ao reduzir as desigualdades entre os estados brasileiros na educação e garantiu maior previsibilidade de recursos e a continuidade de políticas educacionais;

2. É necessário tornar o Fundeb permanente;

3. A participação da União no financiamento da educação básica deve ser ampliada.

Para exemplificar a importância do fundo, Abreu trouxe dados que mostram que, se não houvesse o Fundeb, a variação do valor aluno/ano em 2015 seria de R$ 572 em Turiaçu (município do Maranhão) para R$ 56 mil em Pinto Bandeira (Rio Grande do Sul) “Com o Fundeb atual, essa diferença cai para R$ 2.930 a R$ 19.500, que ainda assim é imensa”, disse.

A consultora da Confederação Nacional dos Municípios e do Movimento Todos pela Educação disse ser importante garantir que os municípios com menor receita fiscal e piores indicadores socioeconômicos sejam os mais beneficiados pela redistribuição de recursos. “Por serem escassos e finitos, os recursos federais devem ser destinados aos que mais precisam. Há municípios ricos em estados pobres, e municípios pobres em estados ricos. Há municípios que são sede de atividade econômica relevante, como nas áreas petrolífera ou de mineração, têm boa receita e recebem complementação da União. Enquanto outros, que não têm receita, poderiam ser mais beneficiados”, afirmou.

Veja abaixo gráfico que mostra como é distribuída a complementação da União hoje e como ficaria de acordo com a proposta.

Para Abreu, “não há mecanismo redistributivo em que todos saiam ganhando; alguém vai perder e é justo que sejam os municípios com boa arrecadação”. Segundo a palestrante, 80% dos municípios que hoje recebem recursos da União vão continuar a receber, outros 20% deixarão de receber e municípios com menor capacidade fiscal receberão mais.

“É fundamental garantir um valor aluno/ano mínimo para todos os municípios brasileiros de maneira que a educação pública seja de fato nacional. E é possível fazer isso sem nenhum recurso novo, apenas distribuindo melhor”, concordou Binho Marques, que foi secretário de Estado da Educação do Acre e secretário municipal de Educação de Rio Branco.

Marques propôs a criação de uma avaliação nacional das redes de ensino para “tornar público qual o valor que cada estado e município tem para gastar por aluno e quais os resultados atingidos”. “A população precisa ter acesso a dados comparativos em nível nacional para poder exigir resultado dos prefeitos e dos governadores em termos de qualidade”, afirmou.

     Fundos distintos para cada etapa da educação básica  

Barjas Negri criticou o fato do Fundeb financiar todas as etapas da educação básica, desde as creches, passando pela pré-escola, a educação infantil, o ensino fundamental, o ensino médio até a educação de jovens e adultos. “Cada etapa tem suas próprias características e desafios. Além disso, estados e municípios têm responsabilidades diferentes em cada uma delas”, disse.

Embora considere que o momento não seja adequado para grandes mudanças, o prefeito de Piracicaba defendeu fundos distintos para o ensino infantil (“A União discutiria o financiamento só com os municípios”) e para o ensino médio/profissionalizante (“A União discutiria o financiamento só com os Estados”). “Hoje mais de 95% dos recursos do Fundeb que chegam aos municípios são destinados à ampliação da rede de creches, não sobra quase nada para outras etapas que também são de responsabilidade municipal. A conta não fecha”, explicou o palestrante, que já atuou nos três níveis de governo.

“É fato que temos graves problemas para financiar creches para mães que precisam trabalhar e não tem onde deixar seus filhos. Deve haver um fundo específico para isso”, concordou Marques.

“É necessário construir um pacto federativo que defina melhor as responsabilidades dos estados e municípios nas diversas etapas do ensino básico e como deve se dar a contribuição da União para o financiamento de cada uma delas, tendo como meta uma educação pública de melhor qualidade em todo o país”, disse Mariza Abreu ao final do evento.

Veja como foram os seminários:

Política social, reformas e redução da desigualdade no Brasil. Por Armínio Fraga

Reforma tributária abrangente ou estratégica? Com Bernard Appy e Everardo Maciel

Assista ao Diálogo na Web “Educação sexual nas escolas: um bicho de sete cabeças?”, com Alexandre Schneider, Yara Sayão e Patricia Bezerra.

Otávio Dias, jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. Atualmente é editor de conteúdo da Fundação FHC.

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