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Debates

Direita deve evitar radicalismo na disputa pelo Planalto em 2026, diz ACM Neto

/ auditório da Fundação FHC


No contexto de polarização política existente no Brasil, a eleição presidencial de 2026 deve ser novamente definida entre os campos da esquerda, sob a liderança de Lula, e da direita, no qual Bolsonaro, mesmo inelegível, deve manter sua influência. Há pouco espaço para uma terceira via. A direita e a centro-direita devem evitar, no entanto, um discurso radical, baseado no negacionismo e em pautas de costumes retrógradas, sob o risco de perder a eleição novamente.

Esta foi a principal mensagem trazida pelo ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, em palestra na Fundação FHC do Ciclo de Debates “O Brasil na visão das lideranças públicas”, cujos palestrantes são políticos e autoridades atuantes hoje e com a perspectiva de seguirem relevantes nos próximos anos. O ciclo faz parte das comemorações de 20 anos da Fundação FHC, completados em 22 de maio de 2024.

“Não vejo boas perspectivas de vitória para uma candidatura no campo da direita que adote uma agenda negacionista — que não reconheça a ameaça das mudanças climáticas e seja contrária à preservação do meio ambiente — e carregada de questões morais e de costumes. Se a direita se prender a posturas radicais, ocorrerá novamente uma guerra de rejeições e aí o menos rejeitado ganha”, disse Neto, que é secretário-geral e vice-presidente da União Brasil, partido de centro-direita com a terceira maior bancada na Câmara dos Deputados.

Apesar de criticar o ex-presidente Jair Bolsonaro por ter adotado uma postura negacionista durante a pandemia da COVID-19 e em relação às mudanças climáticas, ACM Neto salientou que, sem o apoio dele, dificilmente um candidato do campo da direita terá chance de sucesso em 2026. “Não dá para deixar de reconhecer que Bolsonaro, mesmo inelegível, é hoje o maior eleitor no campo da direita. Isso seria fechar os olhos para a realidade. Vamos permitir que o tom da construção de uma candidatura do campo da direita, no qual se inclui parte da centro-direita, seja dado em torno de uma única figura ou que outros fatores ganhem relevância?”, perguntou.

“Não vejo espaço para terceiras vias no atual ambiente de polarização, mas o candidato à direita em 2026 não pode ser refém do radicalismo, como ocorreu em 2022. Precisa furar a bolha e falar com o eleitorado de centro, que preza a democracia e quer um Estado mais eficiente e menos gastador”, disse Neto.

ACM defendeu o nome do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), como uma boa opção para liderar o campo da direita em 2026. “O que importa para a população é resultado de governo e o Caiado tem bons resultados para apresentar, como uma boa pontuação no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e a redução da violência e da criminalidade em Goiás”, concluiu. 

Segundo o ex-deputado, que exerceu três mandatos consecutivos na Câmara antes de se eleger prefeito de Salvador, há outros nomes à direita que podem ocupar este campo: “Tem os governadores Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Ratinho (PR) e Eduardo Leite (RS).” Ele não citou a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, incluída em algumas pesquisas de intenção de voto para a disputa presidencial de 2026.

‘Lula perde a oportunidade de fazer um governo mais plural’

Embora a União Brasil comande três ministérios no governo Lula, Neto criticou os rumos da atual administração. “No campo da esquerda, se não houver nenhum imprevisto, não há dúvida de que Lula será candidato à reeleição. Mas é bom lembrar que quem decidiu a disputa em 2022 foi a parcela da população que rejeitou Bolsonaro mais do que Lula. Acho que o presidente está jogando fora a oportunidade de mudar esse quadro”, disse o palestrante.

Segundo Neto, boa parte dos eleitores que votou em Lula em 2022, por rejeitar o radicalismo de Bolsonaro, não se sente representada pelas ações do atual governo: “Recentemente eu disse que o atual governo tem cheiro de mofo e fui criticado por Jacques Wagner (líder do governo no Senado). O fato é que o governo não escolheu o caminho de uma discussão mais plural, que represente a diversidade de visões existentes no país.” 

Questionado, já na fase de perguntas da plateia, sobre a presença da União Brasil no governo Lula, ele respondeu que o partido não indicou nenhum de seus quadros para o primeiro escalão do governo. “Os ministros Celso Sabino (Turismo) e Juscelino Filho (Comunicações) foram indicações da Câmara dos Deputados, em uma tentativa do governo Lula de formar uma base parlamentar, que, no entanto, é artificial. Já o ministro Waldez Góes (Desenvolvimento Regional), que é do PDT, foi indicado pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil). Como secretário-geral e presidente em exercício da União Brasil, afirmo que nosso partido nunca foi chamado pelo governo para discutir nada”, disse.

“Não deixa de ser uma contradição (a presença de políticos da União Brasil no primeiro escalão do governo), mas teremos de administrar esses conflitos internos até que haja um horizonte mais concreto para 2026. Uma hora o partido terá de se unir, se quiser ter relevância no próximo pleito presidencial”, disse.

Para Neto, o presidente Lula não tem demonstrado a mesma capacidade de articulação política que teve no passado, o que será posto à prova na eleição para as presidências da Câmara e do Senado no início de 2025, quando os atuais presidentes, deputado Arthur Lira (PP) e senador Rodrigo Pacheco (PSD) não poderão concorrer. “O resultado da eleição para a presidência das duas casas do Congresso em fevereiro de 2024 será fundamental para definir o rumo dos dois últimos anos do atual governo e o cenário político de 2026. A avaliação popular de Lula também vai pesar”, avaliou.

Segundo Neto, a situação econômica do país será importante, mas não fundamental, na eleição de 2026: “Não vejo nem um quadro de desastre nem de bonança. Posso estar enganado, mas a economia terá relevância, mas não definirá sozinha a eleição presidencial.”

‘Reforma política é necessária, mas difícil’

“Vamos explorar um pouco essa contradição da presença de ministros da União Brasil no governo Lula, enquanto a direção do partido se diz de oposição. Como entender esta anomalia? Afinal, os partidos que perdem a eleição têm que ir para a oposição, que em uma democracia é tão importante quanto o governo”, disse o cientista político Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC. 

Segundo Fausto, no sistema proporcional de lista aberta em vigor atualmente no país — no qual as vagas conquistadas pelo partido ou coligação partidária são ocupadas por seus candidatos mais votados, até o número de cadeiras destinadas à agremiação, sendo que a votação de cada candidato pelo eleitor é o que determina, portanto, sua posição na lista de preferência — é comum o parlamentar eleito agir como se tivesse uma mandato individual

“Não chegou a hora de enfrentar o tema do fechamento da lista partidária? Aliás, o cientista político Antonio Lavareda tem uma boa sugestão: melhor não falar em fechamento da lista partidária, porque parece uma coisa antidemocrática, mas sim em ordenamento da lista. Qual a necessidade e a possibilidade de avançar nessa direção?”, perguntou Fausto.

A lista fechada é uma variante do sistema de eleição proporcional no qual o eleitor vota somente no partido de sua preferência e este é que determina a ordem de cada um de seus candidatos na lista de classificação. Antes da eleição, o partido apresenta a lista com o nome dos seus candidatos por ordem de prioridade. Esse sistema é utilizado na maior parte dos países que adotam o voto proporcional, mas não vigora no Brasil.

“Sergio, na política brasileira vemos movimentos que impressionam. Hoje o sujeito se candidata por um partido, durante a campanha é beneficiado pelo tempo de televisão e pelos recursos do Fundo Eleitoral destinados ao partido e, passada a eleição, apesar da regra da fidelidade partidária que impede mudanças de partido pelos próximos três anos e três meses, tem deputado que já negocia seu passe com o partido vizinho, organiza a sua vida no partido vizinho e fica esperando o tempo passar para efetivar a mudança”, respondeu Neto.

“No início da minha trajetória política, eu era contra a ideia da lista fechada, mas mudei de opinião. Ainda como deputado federal, e depois como presidente do DEM, passei a defender a lista fechada. Mas, para isso, seria necessário fazer também uma ampla reforma partidária. Porque hoje, sendo generoso, 70% dos partidos brasileiros são ‘cartórios’, ou seja, têm dono. Não adianta uma reforma política que aprove a lista fechada se não houver também mais democracia dentro dos partidos”, continuou. 

“O problema é que quem foi eleito no atual sistema dificilmente vai querer mudar as regras. Por isso, quando deputado sugeri que as novas regras só começassem a valer para dali a três eleições. Seria uma forma de neutralizar o interesse imediato dos parlamentares que resistem à mudança. Passaram-se muitos anos e nada mudou. Infelizmente sou cético em relação à possibilidade de se fazer uma ampla reforma política no Brasil. Seria preciso crises e escândalos que colocassem em xeque todo o sistema. Se a Operação Lava Jato não foi capaz de detonar esse processo, será que alguma coisa será?”, concluiu.

“A legislação prevê a reserva de vagas para candidatas mulheres, mas isso não tem se mostrado suficiente para reduzir a sub-representação feminina na política brasileira. O que pode ser feito para corrigir isso?”, perguntou a cientista política Mônica Sodré, ex-diretora executiva da RAPS - Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, convidada a integrar a mesa debatedora. 

“Para este avanço fundamental ser mais rápido e significativo, não basta ter apenas reserva de vagas para candidatas mulheres durante as campanhas, é necessário haver reserva de vagas para mulheres eleitas no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores. Ou seja, nas próprias casas legislativas de todo o país. Este é o meu posicionamento e do meu partido”, respondeu Neto.

 

Clique aqui para baixar gratuitamente o livro digital “Desafios do Sistema Político Brasileiro”, organizado por Bernardo Sorj e Sergio Fausto, publicado em abril de 2024 pela Plataforma Democrática.

Veja como foram as outras palestras do ciclo “O Brasil na visão das lideranças públicas”:

Ministros Barroso e Jobim debatem protagonismo do STF

Política deve atacar os problemas, não as pessoas, diz governador Eduardo Leite (RS)

 

Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.

 

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