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ESG: mais uma sigla ou uma prática integrada ao modelo de negócio?

/ Transmissão online - via Zoom


Em um país tão desigual como o Brasil – em que grande parte da população vive em condições precárias, sem acesso a saneamento básico, por exemplo, e ainda sofre de insegurança alimentar, entre outras mazelas sociais –, o “S” é tão importante como o “E” (meio ambiente, na sigla em inglês)  e o “G” (governança corporativa) para que uma empresa adote práticas realmente sustentáveis e atinja os objetivos reunidos sob a sigla ESG.

“Temos dois grandes desafios a enfrentar: o abismo social e a questão ambiental. Para sermos bem sucedidos, todos os atores são fundamentais. Daí a necessidade de aumentar a capilaridade das políticas ESG, o que representa um grande desafio para a Raia Drogasil, que tem mais de 2.500 farmácias em todos os estados brasileiros e mais de 50 mil funcionários. É fundamental o engajamento de todas e todos”, disse Giuliana Ortega Bruno, diretora de sustentabilidade da Raia Drogasil.

“Vivemos uma urgência social junto com a urgência climática. A pobreza e a miséria tem aumentado no país, o que mostra que estamos falhando como sociedade. Nós, como entes econômicos de um setor tão importante, temos de abrir espaço para repensar toda a nossa cadeia produtiva”, disse Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade e comunicação corporativa da Marfrig Global Foods, a segunda maior empresa de proteína de carne bovina do mundo.

“No Brasil, a desigualdade social se conecta à desigualdade racial, pois a população negra é majoritariamente de baixa renda, com pouco acesso aos serviços públicos, à saúde e à educação de qualidade. As empresas que não adotarem práticas igualitárias terão dificuldade de serem sustentáveis no médio e longo prazo. Por isso, é importante adaptar o protocolo ESG à realidade brasileira, incluindo práticas de ação afirmativa e investimentos em equidade racial”, afirmou Gilberto de Lima Costa Junior, diretor executivo do Pacto de Promoção da Equidade Racial e do J.P. Morgan.

Os três executivos participaram do webinar “ESG: mais uma sigla ou uma prática integrada ao modelo de negócio?”, realizado pela Fundação FHC, com mediação do cientista político Sergio Fausto, diretor geral da Fundação.

       Descarte adequado de medicamentos

Em 2021, a Raia Drogasil divulgou a sua estratégia ESG com três pilares:

1. Contribuir para que os brasileiros tenham uma vida mais saudável: “Como a empresa pode promover a saúde de seus funcionários, de seus clientes e das comunidades? Isso tem a ver com mais prevenção, amplo acesso à saúde física e mental e programas específicos destinados às populações mais vulneráveis”, disse Giuliana Bruno.

2. Repensar o modelo de negócio e as práticas de RH para melhorar a inclusão e aumentar a diversidade: “Entre as metas definidas estão trazer representantes de grupos minoritários para cargos de liderança dentro da empresa e oferecer oportunidades de desenvolvimento profissional a todas as nossas funcionárias e funcionários, pois a Raia Drogasil é o primeiro emprego de muita gente.”

3. Fazer da Raia Drogasil uma empresa carbono zero - “Para atingirmos esse objetivo, estamos revendo toda a nossa operação e logística. Um dos maiores desafios é enfrentar a questão dos resíduos que a nossa operação gera, sobretudo o descarte correto dos medicamentos.”

“Ao todo, assumimos 35 compromissos relacionados à ESG. Alguns trazem maior eficiência, outros representam gastos adicionais, mas atualmente faz parte do negócio se responsabilizar por custos que, antes, eram externalizados para a sociedade. Se a margem de lucro não tem essa disponibilidade, os recursos têm de ser buscados em outro lugar”, afirmou Giuliana, cujas experiências profissionais anteriores incluem passagem pelo Instituto Ethos e pela Natura.

       Transformar a cadeia da pecuária

O Brasil tem 200 milhões de cabeças de gado destinadas ao corte e mais de 2,5 milhões de produtores grandes, médios e pequenos. Cerca de 40 milhões de animais são abatidos por ano, sendo que 85% da produção vem da Amazônia ou do Cerrado, os biomas mais ameaçados do país. “Como construir uma estratégia ESG que funcione e tenha impactos dentro de uma cadeia pulverizada, heterogênea e fragmentada?”, perguntou Paulo Pianez.

“O primeiro passo é entender o contexto dos diferentes elos desta cadeia e criar um modelo que possa ser estendido a toda a cadeia, auxiliando os fornecedores pequenos, com dificuldade de acesso a recursos financeiros, a se tornarem mais eficientes e sustentáveis”, disse o executivo da Marfrig.

A multinacional sediada no Brasil criou cerca de 80 indicadores para gerir sua cadeia de valor, desde o nascimento dos bezerros até a colocação do produto na gôndola do supermercado. “Todos os anos divulgamos publicamente os resultados, deixando claro onde fomos bem e onde precisamos melhorar”, disse Paulo, que também foi diretor de sustentabilidade e responsabilidade do Grupo Carrefour Brasil.

Segundo o executivo, 95% das emissões de carbono da pecuária brasileira têm como origem a produção de gás metano pelo gado e a mudança de uso da terra fora das regras ambientais e sem a devida compensação: “Desenvolvemos um modelo matemático para mensurar as emissões de metano levando em conta as características do território onde os animais estão sendo criados. A atividade pecuária é feita junto com a agricultura ou o plantio de árvores para madeira, papel e celulose? A fazenda tem a mata nativa preservada? Se não tem, buscamos ajudar o produtor a regularizar sua situação. Se ele não quiser, aí sim está fora da nossa cadeia.”

“A pecuária é vista hoje como uma espécie de ‘novo combustível fóssil’, vinculada a desmatamento, queimada e condições de trabalho ruins. Nosso desafio é mostrar que é possível ter uma pecuária que concilie eficiência produtiva, conservação do meio ambiente e responsabilidade social. Nenhum outro país do mundo reúne as condições do do Brasil para desenvolver uma pecuária livre de desmatamento, de baixo carbono e que gere impactos positivos localmente”, concluiu.

       Adequar o protocolo ESG à realidade brasileira

Em 2021, foi lançado o Pacto de Promoção da Equidade Racial, que já teve a adesão de 20 grandes empresas. Um dos objetivos, segundo Gilberto Costa Junior, é adequar o protocolo ESG à realidade brasileira, onde a desigualdade social está diretamente conectada à desigualdade racial.

“Se não adotarmos medidas eficazes para combater a desigualdade racial, o que inclui tanto ações afirmativas como investimentos em equidade racial, não conseguiremos avançar no aspecto social de qualquer estratégia ESG que se tente implementar. Para produzir informações que ajudem as empresas a tomarem decisões neste ambiente de desigualdade social e racial, criamos o Índice de Equidade Racial”, explicou o diretor executivo da iniciativa.

O índice mensura não somente a quantidade de pessoas negras dentro da empresa, como sua participação na estrutura hierárquica e de salários, comparando a realidade daquela organização e de sua cadeia de fornecedores à realidade da região onde atua, estabelecendo metas que visam a melhorar a equidade racial. “Não se atinge este grande objetivo com base na emoção ou na intuição, e sim em dados demográficos, socioeconômicos e setoriais. Por isso, nosso próximo passo será criar o Índice de Equidade Racial Setorial, para tornar nossas análises ainda mais focadas e as metas, mais precisas”, afirmou Gilberto, que integra o quadro de diretores do JP Morgan.

Ao aderir ao pacto, o que é totalmente gratuito, a empresa se compromete a seguir as orientações definidas no protocolo e a atingir metas. A cada ano, deve publicar um relatório atestando as ações que foram implementadas e os seus resultados, de maneira transparente e avalizada por uma auditoria independente. 

“Queremos a participação de pelo menos 50 empresas líderes em seus segmentos nos próximos dois anos porque uma empresa sozinha não vai fazer a diferença. Para avançarmos na pauta ESG, toda a sociedade deve trabalhar em conjunto com os reguladores e as empresas em uma agenda única, com indicadores e metas claras, adaptadas à realidade do país”, concluiu.


Assista ao vídeo completo do webinar.

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

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