“Polarização ainda é um desafio, mas democracia se consolida e eleitor está mais maduro”, diz Gilberto Kassab
Neste debate na Fundação FHC, o presidente nacional do PSD e ex-prefeito da capital paulista analisou o atual quadro político brasileiro e as perspectivas rumo às eleições de 2026.
Apesar da polarização política e dos constantes ataques da extrema direita às instituições democráticas, a democracia brasileira está consolidada, novas lideranças políticas surgem em todo o país e o eleitor brasileiro, ao votar em candidatos mais ao centro nas eleições municipais de 2024, demonstrou amadurecimento político. Em palestra na Fundação Fernando Henrique Cardoso, em 20 de março, o ex-prefeito de São Paulo e presidente do Partido Social Democrático (PSD), Gilberto Kassab, trouxe uma visão otimista do futuro da democracia no país.
“Após quase quatro décadas de convívio com a democracia, com eleições a cada dois anos, o brasileiro está aprendendo a votar. Temos hoje políticos promissores de vários partidos que estão fazendo (ou fizeram) boas gestões em prefeituras de capitais e outras cidades, assim como nos governos estaduais. A polarização ainda é uma realidade, mas é preciso superá-la para abrir espaço para a renovação da política e da democracia”, disse Kassab, neste encontro que integra o ciclo “O Brasil na visão das lideranças públicas”.
“Meu partido e eu defendemos que temos que caminhar com moderação, respeito ao diálogo democrático e às diferenças de opinião”, continuou Kassab, reconhecido no meio político como hábil articulador. Ele é secretário de Governo e Relações Institucionais de Tarcísio de Freitas, em São Paulo, ao mesmo tempo que o PSD ocupa três ministérios no governo Lula. Fundado em 2011 e um dos principais partidos do Congresso, com 15 senadores (maior bancada) e 44 deputados, o PSD foi o maior vitorioso nas eleições de 2024, ao conquistar 887 prefeituras, incluindo cinco capitais.
Segundo Kassab, a polarização política continua dominando nas redes, mas, na hora de o eleitor decidir em quem votar, os ataques virtuais dirigidos a um ou outro candidato não são tão relevantes em sua escolha: “Diversos eleitos em 2024 enfrentaram ataques duros nas redes sociais, o que mostra que a polarização nas redes não afeta tanto assim quem tem boa conduta e boas propostas para o país.”

Kassab destacou que reformas recentes na legislação eleitoral começam a dar resultados: “A entrada em vigor da cláusula de barreira e o fim das coligações para eleições proporcionais já estão reduzindo o número de partidos no Congresso e vão melhorar o quadro partidário.”
Para avançar ainda mais, ele defendeu a adoção do voto distrital misto, que teoricamente aproxima o político do eleitor, fortalece os partidos e reduz o custo das campanhas: “Há muita preocupação no parlamento com o fenômeno dos influenciadores digitais e outsiders na política e existe espaço para aprovar mudanças no sistema eleitoral, como o voto distrital misto com algumas adaptações.”
Mas disse ser contra o fim da reeleição e a favor do financiamento público de campanhas, alvos de críticas de diversos setores da classe política e da sociedade: “O financiamento privado das campanhas não foi uma boa experiência e o país precisa investir na democracia.”
O que é ser de centro?
“O PSD tende a ser um dos partidos importantes da política brasileira nos próximos anos, ao atuar mais ao centro e defender a convergência. Quais são os temas sobre os quais é possível construir consenso? O que é ser de centro hoje no país?”, perguntou a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), convidada pela Fundação a comentar a apresentação e fazer perguntas ao palestrante.
“A prioridade do PSD é a qualificação do Estado, para que o governo, em seus três níveis, entregue melhores serviços à população. Para atingir esse objetivo, acreditamos ser fundamental realizar uma reforma administrativa que, por um lado, reduza o tamanho do Estado e, por outro, melhore a qualidade do serviço público”, respondeu Kassab.
Como exemplo de medidas necessárias, ele defendeu salários melhores para funcionários públicos de áreas essenciais como educação, saúde e segurança pública, associados a normas de desempenho e transparência. “Tem que ter coragem de botar pra fora quem não trabalha ou é corrupto.”
Kassab também defendeu uma “melhor concertação entre o Executivo, o Legislativo e Judiciário, para melhorar a governabilidade e evitar que haja invasão de um poder em outro” e criticou o avanço do Legislativo sobre o orçamento federal na última década, com o crescimento exponencial das emendas parlamentares, que, no orçamento de 2025, chegam a R$ 50 bilhões. “Vivemos em um regime presidencialista e o Executivo deve ser o protagonista na definição dos gastos públicos.”
Kassab defende Tarcísio para presidente da República
“Com a inelegibilidade de Bolsonaro, a direita terá mais de um candidato no primeiro turno nas eleições presidenciais de 2026?”, perguntou o cientista político Sergio Fausto, diretor geral da Fundação FHC.
“Se o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, for candidato, os demais governadores que são frequentemente lembrados ou já se colocaram como pré-candidatos, como Ronaldo Caiado (Goiás), Romeu Zema (Minas Gerais) e Ratinho Junior (Paraná), não devem se dispor a enfrentá-lo”, respondeu.
Até o momento, Tarcísio tem dito publicamente que será candidato à reeleição ao governo paulista e está fechado com a candidatura de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto em 2026, embora o ex-presidente tenha sido condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral, em 2022, e esteja inelegível até 2030. Em 26 de março de 2025, Bolsonaro também se tornou réu em processo que investiga a tentativa de golpe de Estado após a vitória de Lula em 2020. Se for condenado no STF, sua candidatura à Presidência se torna ainda mais improvável.
Segundo Kassab, Tarcísio tem barrado o excesso de influências ideológicas no Palácio dos Bandeirantes e busca fazer uma administração mais técnica.
“Por que Tarcísio compareceu à manifestação no Rio de Janeiro em defesa da anistia dos condenados pela tentativa de golpe em 8 de janeiro? Se pretende se colocar como um nome moderado da direita, qual o sentido de participar de um ato extremado como este convocado por Bolsonaro?”, perguntou Maria Hermínia.
“Tarcísio só foi eleito governador de São Paulo em 2020 porque foi apadrinhado por Bolsonaro. Imagine a repercussão se ele não tivesse ido ao ato. Ele não pode correr o risco de perder os votos do bolsonarismo. É uma situação delicada. O importante é que, como governador, ele tem atuado com moderação e, se for candidato a presidente da República, tem tudo para se tornar o líder de um projeto de centro-direita no país. Ter um moderado liderando esses radicais é bom para o Brasil”, respondeu.
Segundo Kassab, a aprovação do projeto de anistia depende do novo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta: “A oposição bolsonarista tem os votos necessários para aprovar o projeto na Câmara, inclusive com parte dos votos de outros partidos de centro e centro-direita. Mas, até o momento, o presidente Hugo Motta tem dito que não vai pautar. Está nas mãos dele. Se a Câmara aprovar e o projeto chegar ao Senado, a aprovação é mais difícil.”
A aprovação de uma anistia aos condenados pelo atos de 8 de janeiro é uma das apostas de Bolsonaro para tentar reverter sua inelegibilidade e poder ser candidato a presidente em 2026.

Apesar das dificuldades, Lula é o nome mais forte do campo da esquerda
“E no campo da esquerda, se o presidente Lula não for candidato à reeleição, quem será?”, perguntou Celso Lafer, presidente do Conselho da Fundação FHC e ex-ministro das Relações Exteriores do governo FHC.
“Não vejo alternativas dentro do PT além daquelas que são sempre ventiladas, como Fernando Haddad (atual ministro da Fazenda que já foi candidato a presidente em 2018, quando chegou ao segundo turno, mas perdeu para Bolsonaro), Rui Costa (ex-governador da Bahia e atual ministro da Casa Civil) ou mesmo Camilo Santana (ex-governador do Ceará e atual ministro da Educação)”, disse.
Sobre as pesquisas que mostram uma queda na popularidade de Lula e da aprovação ao governo, Kassab comentou: “Depois do êxito de seus dois primeiros mandatos, dos quais saiu muito popular, Lula ficou muito tempo ausente do dia a dia da política nacional. Ele teve que se afastar para o tratamento de um câncer, depois foi alvo da Operação Lava Jato e ficou preso durante um ano e sete meses. Em 2022, teve um impressionante retorno ao centro do poder, mas desde então tem tido uma certa dificuldade de se conectar com este novo mundo que encontrou em Brasília”, explicou.
Para Kassab, no entanto, Lula continua sendo o nome mais forte do campo da esquerda: “Se ele não sair candidato em 2026 é porque, em algum momento até lá, chegará à conclusão de que não vai ganhar. E, se Lula não tiver chance de vencer as próximas eleições, não creio que outro nome da esquerda terá.”
Leia sobre outros encontros recentes do ciclo “O Brasil na visão das lideranças públicas”:
Alexandre Padilha: “Campo democrático precisa isolar a extrema direita.”
ACM Neto: “Direita deve evitar o radicalismo na disputa pelo Planalto em 2026.”
Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.